sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Páginas de bom proveito


Ironias, sugestões, num LOROSAE previdente, que vai fornecendo pistas para soluções nas tão extraordinárias carências por tantos vividas, no escândalo de maléficas atitudes por tantos cometidas. Um LOROSAE que habilmente e superiormente é partilhado pelos amigos do Dr. Salles, em sugestões e esclarecimentos igualmente preciosos.

 

«DO MEU LOROSAE" - 4

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 11.08.22

Entre a sala de jantar da Senhora Yasmin, em Constantinopla e a sala de estar do Senhor Iussuf, em Kalzedónia, à distância de um olho nu, passa a esperança dos da fome no mundo e eu pergunto-me se é sensato deixarmos que os grandes problemas mundiais dependam de um qualquer problema urbano de Istambul. E que acontecerá se, num ataque de mau feitio, o actual Pasha mandar entupir os Dardanelos ali afundando uns quantos ferros-velhos?

Sim, o cenário é de evidente fragilidade e todo aquele equilíbrio está colado com cuspo. Ou seja, tudo aquilo depende dos humores de alguns autocratas mais ou menos belicosos – e há-os por ali muito irritadiços. O cenário agrava-se substancialmente quando a frota militar russa, sedeada em Sebastopol, está também ela, afinal, encurralada num mar interior cujo acesso aos mares altos se faz por um caneiro entre a sala de jantar da Senhora Yasmin e o varandim do Senhor Iussuf. E se o Czar decide fazer aqui o que está a fazer na Ucrânia? E, já que então estará com a mão na massa, lá irão os Dardanelos e mais o se lhe opuser

Daqui resulta a necessidade imperiosa de se alterar o cenário actual. E já que a geografia é imutável, seria da maior conveniência substituir a autocracia pela democracia sem ofender os Valores Pátrios de ninguém mas introduzindo o diálogo como instrumento de uso permanente.

E quanto ao aprovisionamento mundial de cereais, duas hipóteses se devem colocar: manutenção das actuais grandes fontes de abastecimento – Ucrânia e Rússia ou escolha de fontes alternativas.

Prevalecendo os actuais grandes fornecedores, a Rússia que continue a usar a via do caneiro de Madame Yasmin mas aos cereais ucranianos dever-se-ia criar uma via alternativa ferroviária de grande porte com destino, por exemplo, a Trieste.

Optando pela criação de fontes alternativas de abastecimento, recordemos a hipótese sahariana que acumularia as formidáveis vantagens de amenização climática e de melhoria das condições de vida de toda a zona norte africana. Não será por falta de energia solar nem eólica que a ideia chumbará para a irrigação do Sahara por água dessalinizada.

E o trapézio mundial dos cereais deixaria de estar suspenso em frágeis filamentos.

E o que é isso da «ferrovia de grande porte»? Não sei exactamente, mas os engenheiros devem saber. É para isso que eles são engenheiros.

Agosto de 2022

Henrique Salles da Fonseca

 Tags: avulsos

COMENTÁRIOS:

 Adriano Miranda Lima  11.08.2022  21:10: O "Lorosae" em boa hora despontou na mente e no ânimo do Dr. Salles da Fonseca no momento em que o céu está carregado de nuvens negras. Em cada Lorosae renasce a vida e renova-se a esperança no futuro, mas nada se altera se formos apenas meros espectadores das manhãs radiosas. Como se as secas extremas, os incêndios florestais, as intempéries e outros fenómenos naturais não fossem suficientes para a inquietação planetária, eis que um tirano decidiu, contra as leis internacionais e a ordem mundial, agir para tornar ainda mais instável e mais frágil a linha que sustenta as nossas vidas. O problema do escoamento dos cereais é efectivamente grave e bem o explica o Dr. Salles com a interessante fábula sobre os dois moradores nas proximidades do Dardanelos. De facto, ninguém imaginaria que a solução desse problema iria depender dos humores e dos interesses pessoais do actual "Pasha". Ninguém ignora que ele não é flor que se cheire. Só por desígnios da geografia política o seu país foi aceite na NATO. Mas, enfim, quando não se tem cão caça-se com gato. Sim, urge criar alternativas mundiais para a produção de cereais no planeta. Faz todo o sentido, e provavelmente tem viabilidade, a solução que o Dr. Salles aventou neste blogue há uns tempos: irrigação da região sahariana. Mas será que a comunidade internacional se livra de peias mentais para o apoiar financeiramente? Aliás, se uma medida de alcance estratégico ganha hoje relevo e gritante justificação, é essa. Olhe-se para o que seria fixar populações africanas nas suas terras. Outra medida importante será livrar-se da dependência energética da Rússia. Quão ingénua foi a Europa Ocidental! No caso concreto dos cereais, Trieste pode ser uma alternativa para o escoamento, assim como também os países bálticos. Para estes, foi dito que os carris da ferrovia teriam de ser adaptados. Para Trieste não sei se o mesmo problema se coloca. No entanto, a maior prioridade é livrar a Ucrânia da bárbara invasão e manter o mundo livre unido contra o tirano. Continuemos, Dr. Salles da Fonseca! Voltarei a comentar. Adriano Lima

 Anónimo  11.08.2022  21:32: Escreveu o Almirante britânico Lord John Fisher, em 4/1/1915: “As vantagens navais da posse de Constantinopla e a obtenção de trigo do Mar Negro são tão importantes que considero o plano do coronel Hankey para a operação na Turquia vital, imperativo e muito urgente.” (pág. 294 de “Winston Churchill – uma vida”, por Martin Gilbert). Como se sabe, o ataque a Dardanelos, em 18 de março de 1915, pelos países da Entente, foi um desastre, e Churchill, que estava então no Almirantado, não pôde dar, a partir daí, um passo em frente, ao longo da sua vida política, sem que houvesse alguém, ao estilo do coro das tragédias gregas, que não recordasse Dardanelos. Como vês, Henrique, já em 1914/15 se equacionava obter cereais de países banhados pelo Mar Negro, não se hesitando em conquistar a Turquia. Nada é novo, tudo é adaptado, mesmo sem demonstração química de Lavoisier. Quanto à tua preocupação de distúrbios urbanos nessa zona, eu estaria tranquilo. Se os houver, a Polícia toma conta da ocorrência. Se não for ela sozinha, será juntamente com a Guarda, ou só esta por conta daquela. Aliás, a Polícia tem dado provas de ser exímia, particularmente desde os anos 90 do século passado, nesta cívica atividade. Algumas vezes, cidadãos espalhados por aí ameaçam recusar as lições de civismo, querendo viver como os antepassados, sem certos tipos de modernidades políticas que colidem com a sua cultura. Nada feito. Tem que ser, e o que tem de ser tem muita força, como se costuma dizer. Compreende-se, perfeitamente, que por vezes a Polícia se sature perante tanta ingratidão e acabe por voltar costas, deixando a situação mais tumultuada do que estava quando chegou. Paciência, amanhem-se. Pobres e mal-agradecidos! É preciso músculo financeiro para ter uma boa Polícia. Não a tem quem quer, mas sim quem pode. E creio que o czar, por experiência recente (ao que parece já se tinha esquecido de expedições anteriores bem amargas, com cheiro a papoila; é certo que outros também experimentaram mais recentemente a amargura desses mesmos opiáceos), já deve ter concluído que não pode mandar mais Polícia de Choque para outras zonas. Aliás, a perturbação da zona urbana a que te referes implicaria um jogo de dominó muito complicado, pelo que não antevejo alteração da ordem nesse estreito, onde moram, num lado, a senhora Yasmin e, no outro, o senhor Iussuf. Além disso, também não creio que o Pasha seguisse as pisadas do Califa do Suez, do século passado. Os tempos são outros. Sendo ele o guardião do estreito, se este ficasse inoperacional, acabaria por perder um trunfo importante e ele já tem demonstrado que sabe jogar. Isso não juro, porque não sei, mas não me custa admitir que a famosa PAC, desenhada para os agricultores franceses, é capaz de ter a sua responsabilidade no défice de cereais na União Europa. Digo-te isto porque li uma notícia (“Negócios”, 22/7/2022) cujo título era “Comissão Executiva propõe alívio temporário de regras da PAC para produzir mais cereais”. A notícia digital mencionava a “derrogação temporária, a curto prazo, das regras sobre a rotação de culturas e manutenção de caraterísticas não produtivas em terra arável”, mas não deixava de frisar que o “impacto [previa-se um aumento de 1,5 milhões de hectares em produção de cereais] vai depender das escolhas dos 27 e dos respetivos agricultores”. Pela minha parte, vou deixar os vizinhos Yasmin e Iussuf em Paz. Que ela atravesse rapidamente o Mar Negro, o qual poucas vezes deverá ter estado tão negro. Abraço amigo. Carlos Traguelho

 Adriano Miranda Lima  11.08.2022  23:25: Continuando a comentar. O abastecimento de gás à Alemanha e outros países reentrou hoje na ordem do dia com o chanceler Sholz a defender o seu fornecimento através de um gasoduto a partir de Portugal (Sines) e Espanha e indo por aí adiante passando pela França. No entanto, um especialista português interveio há pouco na SIC Notícias a torcer o nariz a essa possibilidade, pelo que resta aguardar o desenvolvimento dos acontecimentos para ver se esse projecto irá ou não para a frente. O que parece inegável é que esse projecto será mais um contributo para a valorização de Sines. Na verdade, o que não nos faltam são velhos do Restelo a pôr em causa ou a duvidar de tudo o que seja mudança, reforma ou projecto de futuro. Foi sempre assim, e disso até Salazar se queixou. O que é um facto é que o mundo está neste momento sob a ameça de alguém que quer protagonizar um novo fascismo/nazismo, pelo que todos os esforços devem ser desenvolvidos e concertados no sentido de de nos livrarmos desse mal. Lamentável é haver entre os comentadores dos nossos canais de televisão alguém que é major-general do nosso Exército e dá mostras de ser um assumido russófilo, para não dizer "putinista", como já foi apodado por alguns nossos camaradas de profissão (sou militar). Na verdade, é incompreensível que alguém que é europeu ocidental e serviu um exército membro da NATO analise e argumente sobre a invasão e agressão da Ucrânia como o tem feito. Não adianto mais nada sobre o que tem sido o procedimento desse oficial, porque estou certo que os leitores não o ignoram. A tentativa de justificar a agressão russa e exaltar as suas acções, em detrimento da luta indómita e corajosa do povo ucraniano, não pode deixar de chocar quem ama a justiça e o direito. Se a intenção desse oficial é demonstrar rigor e isenção nas suas análises, o que resulta das suas intervenções como comentador é precisamente um atropelo a esses prinçípios, uma vez que trata habilidosamente os factos, explicitando o que entende beneficia ou valoriza os russos, ao passo que omite e silencia o que seria de destacar na luta dos ucranianos em defesa da sua pátria. Enfim, estamos num país onde, felizmente, existe liberdade de expressão, coisa impensável naquela que para alguns é a mãe Rússia, sem se darem conta de que já lá não mora o comunismo mas um capitalismo que é a negação do verdadeiro capitalismoCarlos Traguelho

 Anónimo  12.08.2022  15:36: Óptimo!

 Adriano Miranda Lima  12.08.2022  15:37: Infelizmente, é bem provável que o tema da guerra infligida à Ucrânia pela Rússia se mantenha na nossa agenda. Repare-se que não escrevi "Guerra da Ucrânia", como alguns fazem, quanto a mim por desatenção ou pouco rigor. A classificação "Guerra da Ucrânia" sugere um conflito em que os beligerantes se encontram em relativa igualdade de circunstâncias, o que não é o caso. Numa situação de relativa igualdade, qualquer dos contendores pode ajuizar um momento ou uma condição para aceitar que o confronto militar transite para a via diplomática, sem que se perca a cara. Ora, no caso desta guerra em território ucraniano não se vislumbra uma transição fácil para a via negocial. Como se tem visto, e conforme muitos analistas independentes, a Rússia decidiu pura e simplesmente apagar do mapa a Ucrânia como estado independente porque o sonho deste país de integrar a comunidade das democracias é uma ameaça que lhe é insuportável. Assim, não se prevê que Putin queira perder a cara, porque seria o seu fim político e, quem sabe, a sua liquidação física, dado que inimigos internos não lhe devem faltar. Só por cobardia, oportunismo ou tacticismo é que devem estar na sombra. Em relação à Ucrânia, o que se tem visto é um povo em armas contra um invasor indesejável, não admitindo outra resolução diplomática que não passe primeiramente pelo regresso das forças militares agressoras ao seu território. Desta forma não me parece provável que este conflito tenha um fim nos próximos tempos, como desejaria o mundo e os homens de paz e boa vontade. Visto que homens desta estirpe não abundam no país invasor e como o Conselho de Segurança da ONU é o que é, poucas razões há para sonharmos com a paz. Sob os auspícios de novos "Lorosae", o Dr. Salles irá certamente continuar a convocar-nos para as causas do Bem e da Justiça. Poderá mudar a epítome, com outros sóis e novas alvoradas, mas tudo o resto será igual. Adriano Lima

 Odete Bettencourt  12.08.2022  20:37: Deliciada com o texto publicado e também com os comentários introduzidos. O mundo está longe de ser aquele que a globalização fez sonhar: o triunfo da democracia e a competição não pelas armas mas pelas trocas comerciais, de mãos dadas com a cooperação. Mas o homem pode não estar ainda suficientemente preparado. O que vejo acontecer na Ucrânia deixa-me perplexa e pergunto-me se os séculos correram mesmo como dizem os calendários.

 

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