Impecável crónica esta “Sinistras
equivalências” de António
Barreto de 6/8 de que não resisto a transcrever alguns parágrafos, retida, na
contenção de os transcrever na totalidade, pelas restrições impostas pelo Público, mas que gostaria de gravar, na gratidão
por uma escrita de grande qualidade, no seu confronto irónico, que ajuda a uma
reflexão mais honesta sobre as tais equivalências – “sinistras” - entre comunismo
e democracia, sobretudo, do ponto de vista do regozijo virtuoso dos tais apóstolos
das ideologias da moda, que apoiam aquilo a que, se lhe reconhecem eventualmente
o crime, o atribuem a uma inspiração de direita culposa, especificamente a da
pretensiosa e poderosa América. Eis, pois, alguns parágrafos deste magnífico texto:
«Está
na moda. Já não é a primeira vez, mas agora a ideia regressa ao mundo dos
vivos. Em poucas palavras: todos os regimes e sistemas têm defeitos, todos se
valem, mas os capitalistas são os piores.
«A democracia
é muito bonita, dizem, mas consagra a desigualdade, o poder dos mais ricos, a
corrupção, a pobreza e a exploração do homem pelo homem. O
comunismo, concedem, não respeita a liberdade de imprensa e de associação, nem
o direito de voto, mas promove a igualdade, garante o emprego e não beneficia
os capitalistas. Populismos de
esquerda ou de direita, nacionalismos diversos, ditaduras militares ou
clericais africanas, asiáticas e islâmicas têm as suas deficiências, mas também
as suas vantagens: são geralmente patrióticos e conferem dignidade aos seus
cidadãos que defendem da ganância de estrangeiros. Nesta sinistra amálgama,
apenas se exclui o fascismo, diabo por excelência, inferno por definição e
capitalista por obrigação.
«Os
argumentos dos defensores das equivalências são antigos, mas recentemente
actualizados. A China e a Rússia têm dado novos alimentos a tão obtuso
discurso. A ascensão da China nos mercados internacionais e nos
inventários das forças militares marca uma nova realidade. A capacidade
produtiva, industrial, financeira e comercial da China foi uma bênção ou um
perdão para uma das mais fortes ditaduras actuais. A invasão da Ucrânia pela Rússia
contribuiu fortemente para mostrar, aos autores de tão estranhos argumentos,
como dois sistemas tão diferentes podem ser tão parecidos. A descoberta de
fascistas e nazis na Ucrânia confirma o perigo dos regimes democráticos.
«
Como é sabido, os fascistas e os nazis ucranianos são muito piores do que os
fascistas e os nazis russos. (…)
Há
evidentemente quem acredite que as ditaduras chinesa e russa, além de outras,
são mais aceitáveis do que as democracias ocidentais. Aliás, para tais
pensadores, os regimes russo e chinês não são ditaduras, nem os regimes
ocidentais são democracias. Esses são os mais fanáticos.(…)
Depois,
temos os sofisticados pensadores de boulevard e universidade, mais orientados
para sublinhar as equivalências.
Com esta especialidade, estes autores desenvolvem a narrativa de última culpa e
da primeira responsabilidade. Assim é que a origem das agressões russas está
sempre na América, por vezes na Europa, indiscutivelmente na NATO. Estão dispostos a aceitar alguns
“excessos” russos, como por exemplo a destruição de um país, na certeza de que
os últimos responsáveis são os Estados Unidos e a NATO. (…) E estão já prontos
a garantir que as responsabilidades da recente agressividade chinesa são…
americanas!
«Nas democracias, geralmente
ocidentais, há enormes problemas e defeitos. Será necessário dizê-lo? Há
desigualdade social, opressão económica, exploração e outras formas de
desigualdade (étnica, racial, de género, de geração, de religião). Em quase
todas as democracias, há pobreza, desemprego, marginalidade, criminalidade e
tráfego de droga. …. Como há, em quase todas as democracias, corrupção a mais.
Em certas democracias, há fabricantes e comerciantes de armas com grande
capacidade para influenciar as autoridades políticas.
«Tudo
isso existe nos países mais ou menos comunistas e nos países de ditadura
militar ou burocrática em quantidades bem superiores às dos países
democráticos, onde o Estado de direito, a liberdade sindical e a luta política
permitem controlos, moderação, melhoramento e castigo. Até há pouco, o que
faltava nos regimes socialistas e comunistas eram capitalistas e fortunas
colossais. Mas agora, tanto em ditaduras marcadamente comunistas, como a
chinesa, ou burocráticas e imperiais, como a russa, há capitalistas e oligarcas
em abundantes quantidades, com fenomenal poder e capazes de influenciar toda a
vida política e social, assim como as relações externas e as forças militares.
«Os
defensores das equivalências, ou mesmo os que toleram as ditaduras chinesa ou
russa, têm outra série de argumentos para justificar a sua preferência pela
autocracia comunista ou aparentada daqueles países. São as citações de malfeitorias ocidentais, de preferência
americanas, no Iraque, na Líbia ou no Afeganistão. Também aqui o cinismo intolerante
não passa despercebido…. Na verdade, as
acções americanas ou ocidentais no Chile, no Iraque ou no Vietname não têm
desculpa e são condenáveis, tanto quanto as de qualquer outro país em
qualquer outra latitude. A grande
diferença consiste na capacidade, ao alcance dos povos e dos partidos das
democracias e do Ocidente, de debater, criticar, corrigir, melhorar e derrotar
aquelas iniciativas e seus autores. A liberdade e o Estado de direito fazem a
diferença. Mas há quem não perceba.»
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