domingo, 14 de agosto de 2022

Paralelismo na postura


Impecável crónica esta Sinistras equivalênciasde António Barreto de 6/8 de que não resisto a transcrever alguns parágrafos, retida, na contenção de os transcrever na totalidade, pelas restrições impostas pelo Público, mas que gostaria de gravar, na gratidão por uma escrita de grande qualidade, no seu confronto irónico, que ajuda a uma reflexão mais honesta sobre as tais equivalências – “sinistras” - entre comunismo e democracia, sobretudo, do ponto de vista do regozijo virtuoso dos tais apóstolos das ideologias da moda, que apoiam aquilo a que, se lhe reconhecem eventualmente o crime, o atribuem a uma inspiração de direita culposa, especificamente a da pretensiosa e poderosa América. Eis, pois, alguns parágrafos deste magnífico texto:

 «Há quem acredite que as ditaduras chinesa e russa, além de outras, são mais aceitáveis do que as democracias ocidentais. Depois, temos os sofisticados pensadores de boulevard e universidade, mais orientados para sublinhar as equivalências. Desenvolvem a narrativa de última culpa e da primeira responsabilidade. Assim é que a origem das agressões russas está sempre na América, por vezes na Europa, indiscutivelmente na NATO.

«Está na moda. Já não é a primeira vez, mas agora a ideia regressa ao mundo dos vivos. Em poucas palavras: todos os regimes e sistemas têm defeitos, todos se valem, mas os capitalistas são os piores.

«A democracia é muito bonita, dizem, mas consagra a desigualdade, o poder dos mais ricos, a corrupção, a pobreza e a exploração do homem pelo homem. O comunismo, concedem, não respeita a liberdade de imprensa e de associação, nem o direito de voto, mas promove a igualdade, garante o emprego e não beneficia os capitalistas. Populismos de esquerda ou de direita, nacionalismos diversos, ditaduras militares ou clericais africanas, asiáticas e islâmicas têm as suas deficiências, mas também as suas vantagens: são geralmente patrióticos e conferem dignidade aos seus cidadãos que defendem da ganância de estrangeiros. Nesta sinistra amálgama, apenas se exclui o fascismo, diabo por excelência, inferno por definição e capitalista por obrigação.

«Os argumentos dos defensores das equivalências são antigos, mas recentemente actualizados. A China e a Rússia têm dado novos alimentos a tão obtuso discurso. A ascensão da China nos mercados internacionais e nos inventários das forças militares marca uma nova realidade. A capacidade produtiva, industrial, financeira e comercial da China foi uma bênção ou um perdão para uma das mais fortes ditaduras actuais. A invasão da Ucrânia pela Rússia contribuiu fortemente para mostrar, aos autores de tão estranhos argumentos, como dois sistemas tão diferentes podem ser tão parecidos. A descoberta de fascistas e nazis na Ucrânia confirma o perigo dos regimes democráticos.

« Como é sabido, os fascistas e os nazis ucranianos são muito piores do que os fascistas e os nazis russos. (…)

Há evidentemente quem acredite que as ditaduras chinesa e russa, além de outras, são mais aceitáveis do que as democracias ocidentais. Aliás, para tais pensadores, os regimes russo e chinês não são ditaduras, nem os regimes ocidentais são democracias. Esses são os mais fanáticos.(…)

Depois, temos os sofisticados pensadores de boulevard e universidade, mais orientados para sublinhar as equivalências. Com esta especialidade, estes autores desenvolvem a narrativa de última culpa e da primeira responsabilidade. Assim é que a origem das agressões russas está sempre na América, por vezes na Europa, indiscutivelmente na NATO. Estão dispostos a aceitar alguns “excessos” russos, como por exemplo a destruição de um país, na certeza de que os últimos responsáveis são os Estados Unidos e a NATO. (…) E estão já prontos a garantir que as responsabilidades da recente agressividade chinesa são… americanas!

«Nas democracias, geralmente ocidentais, há enormes problemas e defeitos. Será necessário dizê-lo? Há desigualdade social, opressão económica, exploração e outras formas de desigualdade (étnica, racial, de género, de geração, de religião). Em quase todas as democracias, há pobreza, desemprego, marginalidade, criminalidade e tráfego de droga. …. Como há, em quase todas as democracias, corrupção a mais. Em certas democracias, há fabricantes e comerciantes de armas com grande capacidade para influenciar as autoridades políticas.

«Tudo isso existe nos países mais ou menos comunistas e nos países de ditadura militar ou burocrática em quantidades bem superiores às dos países democráticos, onde o Estado de direito, a liberdade sindical e a luta política permitem controlos, moderação, melhoramento e castigo. Até há pouco, o que faltava nos regimes socialistas e comunistas eram capitalistas e fortunas colossais. Mas agora, tanto em ditaduras marcadamente comunistas, como a chinesa, ou burocráticas e imperiais, como a russa, há capitalistas e oligarcas em abundantes quantidades, com fenomenal poder e capazes de influenciar toda a vida política e social, assim como as relações externas e as forças militares.

«Os defensores das equivalências, ou mesmo os que toleram as ditaduras chinesa ou russa, têm outra série de argumentos para justificar a sua preferência pela autocracia comunista ou aparentada daqueles países. São as citações de malfeitorias ocidentais, de preferência americanas, no Iraque, na Líbia ou no Afeganistão. Também aqui o cinismo intolerante não passa despercebido…. Na verdade, as acções americanas ou ocidentais no Chile, no Iraque ou no Vietname não têm desculpa e são condenáveis, tanto quanto as de qualquer outro país em qualquer outra latitude. A grande diferença consiste na capacidade, ao alcance dos povos e dos partidos das democracias e do Ocidente, de debater, criticar, corrigir, melhorar e derrotar aquelas iniciativas e seus autores. A liberdade e o Estado de direito fazem a diferença. Mas há quem não perceba

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