No mapa e na História. Que Nossa Senhora
de Fátima se amerceie deste mundo, de trânsito, de facto, provocatório. Vou ler
antes as Viagens de Paul Bowles, ou então, talvez o livro de cabeceira que me emprestou
a Paula, de Gerald Messadié sobre “a senhora Sócrates, de seu nome Xantipa… Uma
mulher que Sócrates não soube convencer”, vem escrito na capa, ele que se
fartou de convencer… É claro que não
valeria a pena aconselhar o Putin a ler as tais “Viagens” de Paul Bowles, que levaram
o escritor e compositor a uma vida de evasão pelos espaços do mundo, curtindo e
descrevendo-os com muito ardor, sem qualquer ambição de posse – material, digo - que preferiu amar a Terra na sua variedade e dispersão. Quem dera que Putin
assim amasse a Terra! Ou mesmo só a leitura, para se distrair, fazendo
interregno nas suas ambições de posse e
de crueldades desumanas. Mas leiamos o artigo de Cátia Bruno, sobre mais
uma hipótese de conflito, que nos trouxe informações preciosas sobre espaços
terrenos aonde ainda não tínhamos estado, historicamente falando, nem sequer no
mapa – o arquipélago Svalbard, a zona habitada mais a Norte, cheia de
recursos naturais “e de interesses
geopolíticos”, e agora zona provável também de conflito, como bem descreve.
Árctico. O próximo ponto de tensão com
Putin depois da guerra na Ucrânia?
A nova
doutrina naval russa anunciada por Putin inclui a defesa "das águas russas
do Árctico". Numa região cheia de riqueza natural e interesses
geopolíticos, a guerra da Ucrânia deixa todos nervosos.
OBSERVADOR, 17 ago 2022, 21:597
Índice: Uma suspensão
e uma nova doutrina naval. As consequências da guerra da Ucrânia no Ártico.
As riquezas
geladas do Árctico e a influência da China, NATO e
Rússia. Um embate de titãs a Norte?
Svalbard é um arquipélago gelado, onde
vivem menos de três mil pessoas e é obrigatório andar armado quando se sai das
cidades, por causa do risco de ataques dos ursos polares. É a zona permanentemente habitada mais a norte de todo
o globo. E é
também o “calcanhar de
Aquiles da NATO no Árctico”, como lhe
chamou em tempos um professor de Estudos de Segurança.
Formalmente,
Svalbard está sob soberania norueguesa — mas graças a um tratado com um século, muitos outros
países têm direito a explorar os seus recursos naturais. Em concreto a Rússia,
que explora minas na região há anos, muitas vezes com recurso a trabalhadores
ucranianos, na maioria vindos da região do Donbass. Na cidade abandonada de Pyramiden, ainda é
possível encontrar um busto de Lenine e um slogan que diz “O
comunismo é o nosso objectivo.”
Em janeiro deste ano, cerca de um mês
antes da invasão russa da Ucrânia, deixou de haver internet por
alguns dias em Svalbard. Um dos cabos de fibra óptica subaquático, que
assegura o fornecimento, estava danificado. As autoridades locais disseram que
uma das hipóteses para explicar o problema era o “impacto humano”, não chegando
oficialmente a apontar dedos. Mas, para bom entendedor, meia palavra basta.
No último relatório anual dos serviços de segurança
noruegueses, destacava-se que a Rússia estava a desenvolver a capacidade de
danificar cabos subaquáticos e o país era identificado como “a maior
ameaça” para a Noruega em termos de
ataques cibernéticos.
Nada que seja propriamente novo. Há vários anos que a Rússia tem levado a cabo
pequenas provocações no arquipélago, usando-o como se fosse seu território.
Foi o caso da visita-surpresa do vice primeiro-ministro Dmitry Rogozin a
Svalbard em 2015 ou a escala de forças especiais chechenas na região. Mas, até
há pouco tempo, ninguém acreditava que a paz no Árctico estivesse
verdadeiramente em causa. “Por um
lado, a Rússia demonstra o seu poderio militar violando espaços aéreos e
marítimos, realizando exercícios de larga escala, reabrindo bases
soviéticas”, escrevia já em 2017 o Wilson
Center. “Por outro lado, os responsáveis russos sublinham
consistentemente a necessidade de despolitizar a cooperação na região e de
manter canais de comunicação de alto nível.” Com a guerra
na Ucrânia, a situação mudou. Em junho,
a Rússia acusou a Noruega de
impedir a passagem pelas suas águas de um navio com destino a Svalbard, que
transportava bens alimentares. “As autoridades norueguesas estão a
tentar garantir que os menores russos fiquem sem comida, o que é imoral”,
acusou um responsável de Moscovo. Na prática, a Noruega estava a aplicar as
sanções europeias aplicadas à Rússia — e o país poderia contorná-las enviando o
barco por outra rota, como fazia até então.
Uma suspensão e uma nova doutrina naval.
As consequências da guerra da Ucrânia no Árctico
Um
mês depois, a Rússia anunciava a sua nova doutrina naval, onde acusa os EUA e a
NATO de estarem a tentar uma estratégia de domínio mundial — incluindo no Árctico. “Estas
são as nossas águas”, declarou Vladimir Putin no discurso no Dia da Marinha russa, referindo-se a
essa região. “Vamos garantir a sua proteção firme e com recurso a
todos os meios.” O
documento inclui agora menções a “Preparação e prontidão para a
mobilização” e “Procedimentos
para recurso aos instrumentos da política nacional marítima para proteger os
interesses nacionais”, que estavam ausentes da versão anterior, publicada em 2015.
David Auerswald é taxativo sobre os últimos acontecimentos em
Svalbard: “São daquelas acções provocadoras que chamam a atenção, mas é
pouco provável que levem a um conflito armado”, diz ao Observador este professor
da norte-americana National War College, que prestou declarações a título
pessoal. Já quanto à questão do Árctico na nova doutrina naval russa, Auerswald
diz que “é muito difícil saber as verdadeiras intenções da Rússia
relativamente ao Árctico”, mas arrisca uma hipótese: “Os
anúncios recentes parecem ser uma continuação da política russa e não uma
iniciativa totalmente nova. A Rússia teve de desviar recursos significativos
para sul, para o conflito na Ucrânia. Talvez estes anúncios sejam uma forma de
compensar as capacidades militares decrescentes a norte.”
Esta política de continuidade no Árctico
é explicada ao Observador pelo russo Alexander Sergunin: “Já na estratégia naval russa de 2015 o Árctico e o
Atlântico Norte eram identificados como regiões onde tem havido aumento de
atividades militares da NATO”, afirma o professor da Universidade de São
Petersburgo. “Esta doutrina naval
mais recente é um reflexo das políticas mais assertivas da NATO na região na
sequência deste agravar da crise ucraniana em 2022.”
Logo após o início da invasão à Ucrânia,
sete dos oito membros do Conselho do Árctico — que reúne Rússia, Canadá, Estados Unidos, Dinamarca, Noruega, Islândia,
Finlândia e Suécia — decidiram suspender a participação russa no
órgão. Um primeiro sinal de que a definição da região
como uma “zona de paz e cooperação”, como em tempos a definiu Mikhail
Gorbachev, pode deixar de fazer sentido.
“A suspensão temporária da Rússia do
Conselho do Árctico é um reconhecimento por parte dos poderes ocidentais
de que o trabalho do Conselho já não pode ser compartimentalizado e
afastado dos desenvolvimentos geopolíticos mais latos”, comenta David
Auerswald. “Isto é novo. O Conselho
continuou a funcionar depois da anexação russa da Crimeia em 2014, porque se
acreditava que a cooperação científica e ambiental era importante e que o
Conselho poderia ser um local onde a Rússia podia exercer o hábito da actividade
diplomática normal.”
Na prática,
os restantes países Árcticos não se podem dar ao luxo de ignorar a Rússia. É o país que detém a maior área territorial da região, com uma
costa árctica que se estende por quase 25 mil quilómetros e uma zona económica
exclusiva com mais de dois milhões de quilómetros quadrados de área. Em termos
militares, a Frota do Norte é a maior
frota russa e o seu quartel-general,
na península de Kola, tem depósitos de armamento nuclear.
Mas essa mesma militarização pode fazer aumentar o risco na região, num momento
em que a tensão na Ucrânia se alastra a outros pontos de globo.
As riquezas geladas do Árctico e a influência
da China
E a guerra na
Ucrânia começa a ter outros efeitos na região. As sanções aplicadas à Rússia
têm levado à diminuição do
investimento no Árctico, o que provocou o congelamento de vários
projetos, incluindo até na área científica.
Também muitos investimentos
económicos russos estão agora em stand by, e isso é dizer muito
numa região que se manifesta como um novo El Dorado para
muitos países. Com a aceleração das alterações climáticas, o degelo das calotes
permite agora a navegação por zonas que antes não eram circuláveis, o que abre
rotas comerciais inéditas. Além disso, o Árctico é rico em recursos: 16% de todo o petróleo mundial por
explorar está ali, bem como 30% do gás natural. Somam-se a isso minerais
raros.
“O Árctico
está a aquecer de forma muito mais rápida do que o resto do planeta, o que
significa que é agora mais fácil e barato aceder a hidrocarbonetos”, explica o
professor Auerswald. “Ao mesmo tempo, porém, as sanções ocidentais tornam
extremamente difícil [para] a Rússia continuar a extrair esses recursos em
larga escala.” Empresas como a Total, a Exxon Mobil e a BP já cancelaram os
projetos que tinham com Moscovo na região.
"A
Rússia não está interessada em que a China se torne um actor geopolítico mais
relevante na região e vai tentar limitar a sua cooperação com Pequim no Árctico
à esfera económica.”
Alexander Sergunin, professor da Universidade de São
Petersburgo
Veja-se
ainda o caso do projecto Arctic LNG 2,
ligado à extração de gás liquefeito (GPL) no Árctico. Com a suspensão da compra de GPL russo por parte de quase
toda a União Europeia (a Hungria ficou fora do acordo), a
Rússia teve de interromper a construção de um projecto que tem um custo
estimado de mais de 20 mil milhões de euros. “A primeira linha de produção
do Arctic LNG 2 já está pronta a 98% e provavelmente entra em funcionamento em
2023. Contudo, a principal dona, a Novatek, anunciou recentemente que a construção
da segunda e da terceira linhas de produção vai ser adiada por falta de
investimento e de tecnologia”, ilustra Sergunin. Isso não significa, porém, a
morte do projecto: “A China já
é o maior investidor estrangeiro no Arctic LNG e certamente vai aumentar o seu
papel neste sector.”
A isso
soma-se a dependência russa dos mercados chineses, agora que o mercado europeu
se fechou. Mas David
Auerswald relembra que a China não tem a poção mágica para resolver todos os
problemas económicos de Vladimir Putin: “A China não consegue preencher
todo o vazio deixado pelo Ocidente. Dou apenas um exemplo: as linhas de
abastecimento que existem actualmente e as planeadas representam apenas uma fracção
das que existem a ligar a Rússia à Europa.”
Esta
dependência, porém, não agrada a Moscovo. “A China sabe o quão dependente a
Rússia se tornou da sua generosidade. E essa relação desequilibrada só vai
fazer aumentar o sentimento de insegurança da Rússia”, acrescenta o professor
norte-americano. Da Rússia chega a confirmação dessa percepção: “A Rússia não está interessada em que a China se torne um actor geopolítico
mais relevante na região e vai tentar limitar a sua cooperação com Pequim no Árctico
à esfera económica”, resume Alexander Sergunin.
Ao mesmo
tempo, Moscovo tentará jogar com os receios do Ocidente face ao gigante chinês
para não perder a sua influência na região. “Se
sairmos de Spitsbergen, quem pode substituir-nos? A China, por exemplo”, avisou há uns tempos o cônsul russo Sergei Guschin, usando o
nome russo de Svalbard (Spitsbergen), o arquipélago norueguês da
discórdia.
NATO e
Rússia. Um embate de titãs a Norte?
Este puzzle complexo não
deixa ninguém indiferente no Árctico. A
Noruega, país a que pertence Svalbard, já há muito que se preocupa com a actuação
russa na região. “As Forças Armadas russas modernizaram-se
significativamente nos últimos 12 anos”, avisou o ex-ministro da Defesa de
Oslo, Frank Bakke-Jensen, no ano passado. “A Rússia consegue agora conduzir operações
sobre uma vasta área no Árctico”, o que reduz “a liberdade de movimento
da NATO”.
À
altura, a Noruega era um dos vários membros do Conselho do Árctico que pertence
à NATO, a par dos EUA, Canadá, Dinamarca e Islândia. Um ano e meio depois,
porém, a situação é outra. A guerra na Ucrânia levou a Suécia e a Finlândia
a pedirem a adesão à Aliança Atlântica, o que muda significativamente o cenário
na região: em breve, a Rússia será o único país do Conselho que não
pertence à NATO.
Simbolicamente,
é uma grande transformação da geopolítica do Árctico, que pode servir para a
Rússia carregar no discurso de que se sente ameaçada pelo avançar das
fronteiras da Aliança. Desde o início do conflito na Ucrânia, a NATO reforçou
a sua presença no Árctico com uma série de exercícios militares no norte da Noruega,
a que deu o nome de Resposta Fria 2022.
Mas, na prática, a mudança é mais
cosmética, segundo o professor Sergunin. Apesar
de reconhecer que, com a entrada na NATO, a relação da Rússia com a Finlândia e
a Suécia “nunca mais será a mesma”, o russo considera que é uma mudança mais de
forma do que de conteúdo. “A Suécia e a Finlândia estão alinhadas com o
Ocidente há décadas. Ainda antes de se candidatarem à NATO, participaram em
exercícios militares e treinos com membros da NATO durante anos. A única coisa
que muda é que os dois países comprometem-se agora com o Artigo 5
[‘Um ataque a um membro é um ataque a todos’]”, diz.
"Eles estão a colocar recursos
no Árctico que tentam projectar poder. Isso, combinado com a vontade da Rússia
de desprezar o Direito Internacional, faz com que os Estados a Norte tenham
todo o direito a preocuparem-se."
E haverá na verdade o risco de um conflito militar no Árctico? As opiniões dividem-se. Auerswald
considera que o risco
existe em várias formas, como “uma escalada na Ucrânia, uma invasão
militar dos Estados bálticos ou um erro de cálculo durante um
exercício militar”, que “inevitavelmente se espalhariam ao Árctico”, devido
ao envolvimento da Frota do Norte. Já
Sergunin sublinha que
nenhuma das partes tem interesse em partir para um conflito na região,
incluindo a própria Rússia: “Moscovo não está interessada em
meter-se em mais um conflito perto da sua fronteira além do da Ucrânia.
Além disso, [a Rússia] entende que agora, no Árctico, está rodeada de países da
NATO e qualquer conflito com eles traz riscos de uma escalada militar
considerável ou até mesmo uma guerra em larga escala.”
Numa
zona militarizada e numa época de tensão, o risco está sempre presente. A forma
como se olha para o futuro no Árctico pode, por isso, ser mais ou menos
cor-de-rosa. Alexander Sergunin quer manter-se optimista: “É claro que a
nova fase da crise ucraniana tem um efeito de alastramento negativo ao Árctico,
mas creio que é mais uma interrupção temporária da cooperação na região do que
o início de um conflito”, afirma, apontando os problemas comuns que assolam
todos os Estados da região, como as alterações climáticas.
Em Washington, porém, o ambiente é de
reserva face a uma Rússia que se revelou imprevisível, como resume David
Auerswald. “Eles estão a
colocar recursos no Árctico que tentam projectar poder. Isso, combinado com a
vontade da Rússia de desprezar o Direito Internacional, faz com que os Estados
a Norte tenham todo o direito a preocuparem-se. As tentativas de intimidação
russa podem escalar para a coerção militar — talvez até para um conflito
armado.”
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO RÚSSIA ESTADOS
UNIDOS DA AMÉRICA AMÉRICA NATO FINLÂNDIA SUÉCIA NORUEGA CANADÁ
COMENTÁRIOS:
Pedro R. Almeida: A
doutrina são palavras e a megalomania palavrosa sai barata. Por cá nós também
reclamamos uma área gigantesca do Oceano que a nossa marinha não consegue
proteger, mas pelo menos temos noção disso. No caso dos russos, com a falta de noção
da realidade, que preocupa mais é que, tendo em conta a qualidade do material
recauchutado dos tempos da URSS que usam, se resolverem passar das palavras aos
actos e resolverem andar a passear aqueles mamarrachos no Arctico será mesmo a
poluição que vão causar. Miguel
Ramos: O
Árctico! Ora aqui está um belo sítio para os trolls russos irem defender a Mãe
RuSSia e o Pai Putin. João Eduardo Gata: Como se a Falhada Rússia Putinesca tivesse alguma
hipótese no Árctico, quando estão a ser derrotados na Ucrânia. António Abreu: Nem agora dão conta do recado...
Geiger Dieter: A Rússia é inimiga do resto do mundo, 140 milhões de
seres humanos contra 7000 milhões. E a culpa do ressurgimento do kremlin foi
a tomada de poder pelo Bidet em Washington. Os lideres fracos convidam à
agressão. Espero que o Xi lhe passe aguarrás no sim senhor. Nuno A: Estamos em guerra. Não percebo pq não entramos em
campo. É insuportável ... bento guerra:
Tenham calma, pequenas!
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