segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Pegos


Não masculino das pegas do contexto narrativo do “Lorosae” - sem Timor - pois que é exclusivo dos entretenimentos matutinos do Dr. Salles pelas praias algarvias - mas bem proveniente do “pelagos” grego, origem do “pelagus” latino, com o seu sentido de “abismo”, que é, todavia, também o sentido que transparece nos dizeres do Dr. Salles, relativos, em metáfora animista, às pegas ameaçantes da passarada algarvia. E assim nos tornamos em passarinhos receosos do pássaro maior, excepção feita aos amantes russófilos dos Tupolevs ameaçadores dos espaços ocidentais.

E o Dr Salles traduz os seus receios, de pessoa honrada e corajosa a apontá-los, com noções comparativas, que só serão apreciadas pelos que com ele concordam, provavelmente fazendo parte da pardalada receosa dessas pegas dominadoras dos espaços aéreos e terrenos, para comprazimento dos que, de lenço escarlate nas mãos, as aplaudem sem pejo, a essas pegas, no fascínio pelo forte – ou na submissão prévia, para futuro tacho.

DO MEU «LOROSAE» - 3

 HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO 07.08.22

Hoje, pouco depois do Sol despontar, a passarada calou-se de repente e eu achei estranho. Fiquei alerta a pensar que os animais têm campos auditivos diferentes dos nossos e pudessem ter ouvido ruídos telúricos anunciadores de tremores da terra. É que, aqui no litoral algarvio, houve no séc. XVII um tsunami que na zona a nascente de Tavira entrou 6 quilómetros pela terra dentro e eu, a poente da cidade, estou a muito menos dessa distância da costa.

Até que, no relvado, poisa uma pega que por ali se deixa ficar exibindo os seus belos azul quase preto e branco até concluir – digo eu – que por ali não havia láparos ou répteis que lhe servissem à goela. Qual Tupolev de Putin a dizer que vai onde lhe apetece e que não teme nada nem ninguém. E a passarada, sabendo que não há quem a defenda, encolhe-se e fecha o bico tentando passar despercebida.

Deixando-nos de parábolas, não esqueçamos que a putativa chegada de um Tupolev será seguramente saudada por lenços escarlates nas mãos dos russófilos seus amigos que optam pela suserania do Czar por cima da nossa soberania. Antes, tinham um ideal por que davam a vida; agora, caído o ideal, revelam-se apenas aquilo que sempre foram: adeptos do inimigo. Foi Camões que disse que «também entre os portugueses, traidores houve algumas vezes».

Mais do que bradarmos pelos nossos Valores Pátrios, vale pensar na fronteira que nos separa do Tupolev e de tudo o que ele representa:

Nós temos a liberdade como um Valor superlativo e um conceito unicitário; eles falam nas «mais amplas liberdades» significando um conceito fraccionável e um valar condicionado aos ditames do Poder;

Nós temos a democracia como o sistema político em que todos os cidadãos são chamados a opinar livremente; eles têm a democracia como a situação alcançada pelo despojamento total dos cidadãos de todos os bens materiais nivelando por baixo uma falsa equidade;

Nós consideramos que ao Estado cumpre servir os cidadãos; eles consideram que ao cidadão cumpre servir o Estado;

Nós temos a vida humana como inviolável; eles têm as pessoas como instrumentos descartáveis…

A nossa Civilização assenta em raciocínios livremente concebidos numa estrutura de exploração especulativa-dedutiva-conclusiva; a deles assenta no determinismo conclusivo. Nós pensamos e agimos munidos do livre arbítrio; eles agem conforme as deliberações unânimes do Poder Central.

Mais do que os emotivos Valores Pátrios de cada Nação, esta é a fria fronteira que os adeptos do Tupolev constantemente violam na Ucrânia.

Mais do que um país, é uma Civilização que está em vias de ser desafiada de morte. Para nosso azar, a nossa.

7 de Agosto de 2022

Henrique Salles da Fonseca

Tags: avulsos

COMENTÁRIOS

 francisco amorim  08.08.2022  14:21: Já nada nos separa dos Tupolev. A humanidade está podre e unida em volta do poder, do dinheiro, da destruição. E iremos todos ao fundo. Para mim não faz grande diferença: já está ao lado do Caronte!

 Adriano Miranda Lima  09.08.2022  11:43: Certamente que sim, Dr. Salles da Fonseca. Esses "Tupolevs" são saudados por lenços encardidos por manchas de ignorância que parecem imunes a qualquer detergente. Inacreditável é não repararem que no Kremlin moram criaturas tão malignas como os piores "fascistas". Penso que há razões para não esperar qualquer evolução positiva para os lados do Kremlin e da sua corte de torcionários e criminosos. Ficou desde sempre claro que a Ucrânia é apenas um objectivo de marcha (termo militar mas politicamente aplicável). Deste modo, cabe ao mundo livre avaliar (ou reavaliar) a situação, sem peias mentais ou ilusões securitárias e decidir até onde acha que se deve envolver completamente. Sim, aquilo é verdadeiramente um novo regime fascista que ressurge na História. As adaptações pontuais no estilo e nos procedimentos internos não nos podem impedir de ver o óbvio. Porque mesmo que a Ucrânia continue a resistir indomitamente, como tem acontecido até agora, não é improvável o desgaste do seu ânimo e do seu poder militar.
O mesmo se poderia dizer dos russos, mas há uma diferença significativa. Os russos combatem no território do país invadido e dispõem assim de uma profundidade estratégica incomparável (ou única) e da vantagem da posse do santuário que é o seu próprio território. Sim, santuário porque rejeitam ao adversário a possibilidade de retribuir com ataques ao seu território, como se tal fosse um sacrilégio e não um direito natural de quem é invadido e agredido. Cinismo mais atroz não podia haver. Ora, parece-me mais provável o desgaste ucraniano do que a erosão natural do regime russo, precisamente porque é um regime fascista e nazi. Mesmo que o povo russo comece a sentir as agruras das restrições económicas, a violência repressiva encarregar-se-á de manter a ordem social necessária até onde for necessário. Resta saber qual será a linha vermelha que fará soar os sinos nas igrejas do mundo. Importará, sobretudo, saber se os sinos das igrejas ortodoxas soarão com mais estridência e será o povo russo a vir a terreiro para derrubar o tirano, ou se serão os sinos das igrejas ocidentais que retinirão nas consciências do mundo livre, alertando-as do perigo iminente. Não vejo que se deva rejeitar o paralelismo com o que levou ao confronto da II Guerra Mundial. E acontece que agora estamos reféns da ameaça nuclear que é inaceitável que funcione só para o lado russo, como até agora parece ter sucedido. Não tenho qualquer esperança quanto à possibilidade de a Rússia integrar um dia, ou nas décadas mais próximas, a comunidade das democracias liberais. O problema é profundamente cultural e para o perceber tem de se mergulhar na história do país e reconhecer o efeito ruinoso dos traumas psicológicos a que o seu povo foi sujeito em épocas sucessivas. Aguardemos agora o "Lorosae 4", porque inspiração não faltará ao proprietário desde blogue.

 Henrique Salles da Fonseca  09.08.2022  17:17: 1 - Dizer que "LOROSAE" está muito bem escrito é pouco. Digo eu: é uma beleza de escrita. E vou tentar acrescentar mais alguma coisa a estes textos de que gosto tanto de ler. 2 - LOROSAE 1 : NR - seria um erro estrondoso tentar acabar com PUTIN. E eu acrescento com a devida vénia a Mikhail Shishkin lembrando ditado popular russo: "Não se deve desejar a morte de um czar mau. O próximo poderá ser ainda pior". 2 - Lorosae 2: Em 5.8.1109 nasceu D. Afonso Henriques. Alguns ainda se vão lembrando. Mas a ignorância atrevida é que está na moda. Até na Cátedra. Nada a fazer. Para já. Logo se verá. 3 - Lorosae 3: apenas uma lembrança de um bom português que para salvar alguma coisa de Timor é hoje indonésio. 9.8.1969 precisamente há 53 anos que o conheci. Iniciava-se o C.O.M. na E.A.M.M. em BOANE. E conheci três timorenses que o vinham frequentar. Tinham andado no Seminário mas como não quiseram continuar com o sacerdócio tiveram de vir de Timor para frequentar o Curso de Oficiais. Dois eram mais reservados um terceiro mais aberto porque mais velho e mais culto. Era o Francisco Lopes da Cruz. Foi sempre um camarada militar pronto sempre para auxiliar no que fosse preciso quando nas marchas sob calor tórrido um ou outro ficava para trás. Ele carregava um, dois, ou três sacos alpinos. Depois foram para Timor como oficiais. Quando da Revolução de 74 o Francisco foi apanhado entre os fogos da Fretilin da UDT e eu sei lá que mais. E no meio deste turbilhão teve de fazer opções que para ele não foram fáceis. E lá foi Governador de TL a mando dos indonésios, depois alto quadro no governo para lidar com tudo de Timor e por último Embaixador da Indonésia em Portugal. E apesar do posto que aqui ocupou nunca esqueceu os camaradas da armas e dos amigos portugueses. As voltas que o Mundo dá. 4 - Henrique o texto foi escrito um pouco à pressa. Mas não podia deixar passar o que escreveste em branco. E tentei fazer o melhor que pude. Sempre sem receios. Como tu Meu Querido e Bom Amigo, sempre fazes. A cultura do cancelamento não é connosco. Forte Abraço, José Augusto Fonseca

 Henrique Salles da Fonseca  09.08.2022  17:28: Dr. Salles, Já transpus para o meu blog, com muito gosto e gratidão, os seus 3 textos: O primeiro Lorosai, - “Afirmativo” – no dia 4/8.       O segundo – “O pão que o diabo não deixa amassar” em 6/8;        O de hoje “Pegos”. Fico sempre feliz com os seus textos, não só porque são índice de saúde e não apenas dos seus olhos. O mal é que isto já não vai com as suas lições briosas. Vá sempre escrevendo, Dr. Salles, o país precisa de si. Um abraço Berta Brás


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