De glórias ou de humilhações, navegantes
comodistas, pelas evocações desse passado de esmorecidas glórias, a manterem
importância apenas nas referências dos leitores sem medo, de livros que
atestaram factos e que outros traduziram ou explicitaram. Tudo aquilo que se
construiu, em viagens de precariedade, um mundo que foi surgindo, de que um
povo minúsculo iniciou o surgimento - logo seguido por outros de maiores
dimensões em capacidade e qualidade e proveito - para séculos mais tarde outros
povos de cultura e autoridade, exigirem – unilateralmente – a libertação desses
pedaços, que militares portugueses defenderam, conhecedores da história pátria
e respeitadores dos que a ergueram, por exigências, é certo, de políticas
patrióticas, que, de resto, impunham o respeito pela História antiga. As novas
doutrinas, embora parciais – com tantos povos imperialistas, hoje mais do que
nunca, cobiçosos de totalitarismos imperiais, mau grado as tais doutrinas
contraditórias, que há, ao que se vê, como nunca houve, tão nefastas e
absolutas – serviram para expulsar a paz do mundo, e alargar a ignorância desse
passado de glória – de que a viagem de circum-navegação foi exemplo máximo – só
já existindo mesmo na lembrança de velhos patriotas que o lêem e o referem e
difundem, na exactidão dos seus dados, repondo a verdade, como faz o Dr. Salles e os seus amigos, sem
vergonha de se assumirem como antigos combatentes, e permanentes patriotas, e
transmissores desse passado que os governos actuais se esforçam por minimizar –
ultrajando a sua história, como o fizeram de resto, com a sua língua, num AO de
peca submissão. Bem hajam todos esses valentes. Será o agradecimento de todos
os que amam a história do seu país, mas que o decurso dos tempos com o
desaparecimento dos do orgulho nacionalista, fará convergir, em termos de
patriotismo – e não é pouco, convenhamos – nos batedores de bola ou outras
glórias – sobretudo desportivas – presentes, num povo que se esforçará, cada
vez mais, tenho a certeza, em termos de pontapés.
HENRIQUE
SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO,
28.08.22
NOTAS PRÉVIAS
Navegante
é todo aquele que se faz transportar numa nave (navio); navegador é aquele que
comanda e dirige uma nave (navio). Ou seja, todos os navegadores são navegantes
mas nem todos os navegantes são navegadores.
A
Rua dos Navegantes é em Lisboa, ali à Estrela, no centro da Capital do Império
que foi. Tendo sido desafiado para dissertar sobre navegadores, logo me lembrei
de o fazer enquanto passeava ao longo da Rua dos Navegantes.
*
* *
Então,
é assim que…
…Quando pensamos em navegantes, logo
nos vêm à memória «os nossos egrégios avós que nos hão-de levar à vitória» mas
eu creio que outros há que não se incluem nos hinos da glória e que merecem a
nossa evocação.
Sugiro
que não esqueçamos o Almirante Gago Coutinho
que foi o navegador do avião «Lusitânia»
pilotado pelo Comandante Sacadura Cabral e
que não passemos em falso por Paulo da Gama,
esse, sim, homem de mar e não o seu mano Vasco que era homem de sequeiro.
Mas
neste introito pretendo ensaiar uma correcção histórica evocando um injustiçado
pela memória.
Assim,
da tripulação da frota da grande viagem de Fernão de Magalhães, poucos
foram os que chegaram à História: para além do próprio Magalhães, saltaram para a glória dos tempos o
cronista António Pigafetta e o contabilista
da expedição Juan Sebastian del Cano. O
cronista chegou à História pela sua própria mão pois editou profusamente a sua
importante crónica ao longo dos muitos anos que viveu confortavelmente na sua
Génova natal; o contabilista chegou à História porque era espanhol. Mas…sigamos
Pigafetta…
Emboscado e morto Fernão de Magalhães, seguiu-se-lhe na mesma
«sorte» Duarte Barbosa, Contramestre da expedição e cunhado de Magalhães. Afastada a liderança portuguesa,
ficava livre o caminho para a glória castelhana e, vai daí, urgia nomear novo
comandante. Instalada a disputa entre os espanhóis
de mar, acabaram por assentar na escolha do que nada sabia de mar nem de
azimutes. Eis como o comando foi para o Cano. Mas o orgulho marinheiro dos auto preteridos
ter-se-á evaporado e todos começaram a sofrer de maleitas incapacitantes para a
pilotagem. A melancolia terá sido contagiosa pelo que sobrava o piloto
português Francisco Rodrigues
que, saudoso da namorada que deixara em Sevilha, assumiu a pilotagem da única
nau que restava de toda a frota, a carraca «Victória». Indo o comando
«de facto» parar às mãos do português e deixando o «de jure» ao contabilista,
Francisco Rodrigues teve que
tomar imediatamente algumas decisões fundamentais pois já Magalhães
concluíra (à custa da própria vida) que as Molucas se situavam no
hemisfério português conforme Tordesilhas.
E a decisão mais importante foi a de se esconder o melhor possível de navios
portugueses e das suas rotas habituais.
Assim,
ziguezagueando pelo resto ocidental das Filipinas, correu pelo Estreito de
Torres deixando a bombordo a ilha dos coelhos gigantes, serpenteou pelas Molucas
e Celebes, deixou Java a estibordo e tomou o Índico em diagonal por mares de
ninguém no rumo constante de sudoeste. Deixou a Ilha de S. Lourenço a
estibordo para lá do horizonte assim chegando à vista da curva índica africana.
Aí chegados, conta Pigafetta com detalhes tenebrosos, apanharam ondas de
dezasseis metros que conseguiram passar porque a «Victória» era uma carraca a
cujo comando ia o formidável Rodrigues. Afinal, o temível «mar das tormentas» até lhes
pareceu sereno.
Chegados
ao Atlântico, rumo a Norte, vento pela ré, já todos se sentiam em casa.
Mas nem assim os ânimos esmorecidos
se reanimaram e quando finalmente a «Victória aportou a San Lúcar de Barrameda,
parecia um cangalho desprezível e a população demorou tempo a ovacionar o
contabilista.
E o Rodrigues? Mistério…!!! Agosto
de 2022
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história
COMENTÁRIOS:
Adriano Miranda Lima 28.08.2022 19:12:
Dr. Salles da Fonseca, vê-se que iniciou uma viagem
por outros mares, mas tenho a certeza que com os olhos postos no sol que nasce
todos os dias - o lorosae - para iluminar as nossas vidas. E
para manter sempre estimulado o nosso espírito e fresca a nossa consciência.
Por sinal, Gago Coutinho e Fernão de Magalhães são dois dos meus heróis mais
queridos, figuras consagradas no portal da História Universal. Cada um à sua
maneira e com o seu protagonismo. Quando fui
mobilizado para Angola, o meu destino foi uma vilória chamada Gago Coutinho,
na altura sede de administração de circunscrição, no distrito do Moxico,
Leste de Angola. Essa vilória, cujo nome original, indígena, é Lumbala
N'Guimbo, passou a chamar-se Gago Coutinho depois de o oficial da Marinha ter por lá passado. De facto, como reza a wikipedia, Gago
Coutinho, como cartógrafo e geodeta, percorreu vários territórios do antigo
Ultramar português onde fez trabalhos de cartografia estabelecendo vértices
geodésicos e determinando coordenadas, trabalhos que executou com notável rigor
e precisão. Em Angola, participou na delimitação definitiva das fronteiras
daquele território com os vizinhos. Essa actividade foi exercida entre os
finais do século XIX e até 1920, antes do feito que o notabilizaria com
Sacadura Cabral. Nessa
altura ainda estava longe de atingir a patente de almirante.
Quanto ao feito de Fernão de Magalhães, é importante a menção que faz a
alguns pormenores. Por exemplo, li uma biografia desse almirante do mar oceano,
mas não me lembro de ter ficado explícito que Sebastian Del Cano era apenas
contabilista, sem nenhum conhecimento de marinhagem e navegação marítima.
Claro, era espanhol e o seu nome é que os cronistas (espanhóis) acharam que
devia ficar para a história, não o piloto português Francisco Rodrigues, que
foi quem assumiu "de facto" o comando da carraca Victória.
Nacionalismos! A biografia que li, baseada no relato de Pigafetta, reza que o regresso da carraca procurou evitar as
áreas marítimas de domínio português mas, famintos e esfarrapados os elementos
da tripulação, não houve outro remédio senão rumar à ilha de Santiago, de Cabo
Verde, para ali pedir ajuda alimentar, sob pena de sucumbirem à fome e não
conseguirem aportar ao destino final - Sevilha. Em Santiago, o navio e a
tripulação foram aprisionados. Mas, perante o seu estado calamitoso, as
autoridades portuguesas condoeram-se e libertaram-nos entregando-lhes víveres,
mas apreendendo alguma especiaria que o porão do navio levava. Um abraço
amigo e de agradecimento por esta bela crónica.
Anónimo 29.08.2022 10:04: Se me
perguntassem a diferença entre Navegadores e Navegantes responderia que não era
nenhuma, que eram palavras sinónimas. Já aprendi, graças a ti, Henrique. O
centro de Lisboa, a Estrela, poderá ter a Rua dos Navegantes, nas o oriente de
Lisboa, o Parque das Nações, tem o Passeio dos Navegadores e a Igreja de Nossa
Senhora dos Navegantes. Por razões particulares, para além das conhecidas,
desde tenra idade que foi chamada a minha atenção para o Senhor Almirante
Gago Coutinho. É que um ramo familiar de uns primos meus era muito próximo
do Almirante, havia camarada de arma e um dos seus membros era governanta. Para
além disso, o Almirante vivia na Rua da Esperança, não longe donde eu vivia,
pelo que algumas vezes o via no eléctrico, ou se quiseres, no “carriléctrico”,
na escrita de Batista-Bastos (“Lisboa contada pelos dedos”) e na oralidade dos
miúdos da minha (nossa) geração. O meu Pai, que até ao fim da vida usou chapéu,
tirava-o sempre respeitosamente para o cumprimentar. Talvez ainda eu usasse
calções quando, comentando a simplicidade do Senhor Almirante, me disse: “Em
geral, os homens com valor são simples”. Ainda hoje retenho a afirmação. Quanto
às Molucas. É um tema interessantíssimo,
designadamente pelo litígio que deu entre as Cortes Peninsulares. Portugal
acabou por pagar em 1529, pelo Tratado de Saragoça, que pôs termo à disputa,
350 mil ducados de ouro pela posse das Molucas que, na realidade, ficavam na
esfera de influência portuguesa. Se o Tratado de Cambrai, desse mesmo
ano, que firmou a paz entre o francês Francisco I e o Habsburgo Carlos V, ficou
conhecido pela “Paz das Damas” pelas intervenções de Margarida da Áustria e de
Luisa de Saboia, o de Saragoça deveria ter ficado conhecido pelos papéis
desempenhados pela Imperatriz Isabel (de Portugal) e pela Rainha Cataria (da
Áustria). Com efeito, Carlos V utilizou a sua irmã, Catarina, para
influenciar o seu marido D. João III, e este recorreu à sua irmã Isabel para
que esta influenciasse o seu marido Carlos V.
O Centro Cultural da Fundação Gulbenkian editou há muitos anos (1994) um livro sobre a correspondência entre eles, e lá
aparecem várias cartas dos Reis Portugueses dirigidas à Carlos V sobre este
dossier. Interessante será também de assinalar a atenção que este tema teve por
parte de nobres de Portugal, particularmente por D. Jaime, Duque de Bragança,
para justificar o casamento de D. João III, com D. Leonor, viúva de D. Manuel
I, madrasta de D. João III e neta dos Reis Católicos. Acabou por não
acontecer. D. Leonor haveria de ser Rainha de França e o Rei português
casar-se-ia com uma irmã daquela – Catarina -, a qual haverá de oferecer as
suas joias para atenuar as necessidades da Fazenda ao perfilar-se a “compra” de
Maluco. (Páginas 126, 127 e 233, de “Catarina de Áustria”, de Ana Isabel
Buesco). Maria Isabel Villadea, no seu livro dedicado aos Imperadores,
refere expressamente, no capítulo “Portugal”, que em março de 1529 chegou à
Corte Imperial o embaixador português Álvaro Mendonça de Vasconcelos trazendo
para a Imperatriz cartas do seu irmão para que esta iniciasse conversações
sobre as Molucas e interviesse no acordo desejável, ao que a Imperatriz anuiu e
actuou com eficiência, pois o Tratado foi assinado no mês seguinte. Mas já
não teve a mesma atitude no “affaire” “Rio da Prata”, tendo-se comportado “como
uma espanhola” … Pois apesar de as Ilhas estarem na zona portuguesas, como bem
assinalas, e termos pago por aquilo que era já nosso, Carlos V não escapou à
crítica posterior do seu filho Filipe II por, no seu juízo, ter cedido os
“direitos” de Espanha por um valor inferior ao que Portugal ganhava num só ano
de comércio com as Ilhas (pág. 265 de
“Imperatriz Isabel, de Portugal”, de Manuela Gonzaga). Era assim, já naqueles
tempos, o amor filial! Grande abraço. Carlos Traguelho
Adriano
Miranda lima 29.08.2022 16:08
Continuemos
a navegar, Dr. Salles … O mar está calmo e o vento sopra o suficiente para
enfunar as velas. Aporto a uma ignota baía da costa ocidental angolana e
desembarco. Não quero acreditar quando vejo estacionado num terreno plano
uma réplica do hidroavião Lusitânia, só que em vez de flutuadores tem rodas.
Mas tudo o resto é exactamente igual. O piloto, que eu não conheço de lado
nenhum e nunca tinha visto, faz um aceno e manda-me trepar para dentro da
carlinga e sentar-me no banco atrás. Diz-me que eu não ia fazer de navegador e
que não me preocupasse porque o aparelho estava munido de GPS. O aparelho
levanta voo com surpreendente facilidade e breve sobrevoa matas, chanas
(terrenos planos e com escassa vegetação), serras e picadas, avistando-se aqui
e além quimbos (aldeamentos) perdidos na imensidão da paisagem. Sobrevoamos
a outrora vila General Machado, hoje Camacupa, designação indígena e
prevalecente até ser baptizada com o nome do general português. As
memórias desfilam em catadupa no meu espírito. Lembro-me de quando aqui
pernoitei com o meu pelotão, em viagem terrestre de Luanda a Gago Coutinho, aos
meus tenros 21 anos de idade, no já longínquo ano de 1965. E então
recordo o episódio do inadvertido tropeção que um cabo meu sofreu ao saltar do
camião, tendo partido um braço, o que o haveria de deixar temporariamente
retido no quartel da companhia local. Duas horas depois, sobrevoamos Gago
Coutinho, hoje Lumbala N’Guimbo. Uma outra surpresa, a pista outrora de
terra batida está hoje asfaltada. Aterramos suavemente e desembarcamos. O
antigo quartel que ficava ao lado permanece mais ou menos igual, mas
acrescentado de mais alguns edifícios. No seu interior avisto homens
fardados, mas fico sem saber se são militares, milícias, polícias ou simples
administrativos. Mas isso pouco me importa agora, penso com os meus botões. O
que quero é ir já à vila, e a pé percorro a distância de cerca de uns 400
metros que dela me separam. Vejo que cresceu bastante e há edifícios
administrativos de aspecto cuidado. Afinal, a outrora vilória é agora
classificada como cidade, sede do município dos Bundas, com uma população de
30.000 almas, como me informa um transeunte fardado de administrativo. Relembro
então, com saudade, o antigo administrador português, homem simpático e
cordato, e que exercia as suas funções com sabedoria e humanidade, fruto de
longos anos de experiência na administração colonial. Os indígenas nutriam por
ele muito respeito, porque os tratava com justiça e moderação. (Continua)
Adriano Miranda lima 29.08.2022 16:10
(Continuação do comentário): Percorro
uns metros e, surpresa das surpresas, avisto um velhote indígena que conheci,
ao tempo com 90 anos, e que dizia ter transportado a bagagem de Gago
Coutinho, quando ele passou pela vila em trabalhos de cartografia. Esfrego
os olhos para verificar se estava a sonhar ou se era uma partida que os meus
sentidos me pregavam. Não pode ser o mesmo, pois a ser verdade terá quase 150
anos. Mas não, diz-me que é mesmo ele e que se recorda do jovem e curioso
alferes. A carapinha mantém a mesma brancura de neve, as feições não enganam,
e… ah!... a voz é exactamente igual, e se a audição é o instrumento mais
preciso da minha memória, então só pode ser o mesmo velhote. Diz-me para o
acompanhar e uns metros percorridos chegamos à singela estátua de pedra de Gago
Coutinho. Permanece intacto no seu lugar, ninguém a molestou. Mais uma prova de
que o seu prestígio é universal. Depois, o velhote lembra-me o que disse quando
o conheci: naquele tempo em que por cá passou Gago Coutinho os leões vinham
à vila à noite depois de as pessoas recolherem às suas habitações. Vou
na sua companhia ao antigo talhão militar português. As campas dos mortos do
nosso batalhão e de outros estão cobertas de vegetação. Incluindo as dos dois
homens do meu pelotão, cabo Aníbal Esteves Macedo e soldado Joaquim Ferreira
Lima. O Estado português até hoje nunca conseguiu a trasladação dos restos
mortais dos antigos combatentes que ficaram sepultados em terra africana,
embora a Liga dos Combatentes se preocupe e esteja a agir nesse sentido. Só a
partir de 1970, segundo creio, os militares mortos passaram a ser enviados em
urnas de chumbo para serem sepultados nas suas terras. Entro de novo na réplica
do Lusitânia e levanto voo da pista de Gago Coutinho, ou Lumbala N’Guimbo, não
importa. Não sei para onde, não há coordenadas a não ser no recôndito das
memórias. O que importa é navegar... Um abraço amigo Adriano
Lima
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