Um texto elucidativo de Dantas Rodrigues, que repõe factos da história e adverte
sobre a possível história seguinte, que vamos receando, e, entretanto, esperando
que não nos caia em cima. Mas não resulta de nós o evitar uma tal etapa. Nós somos
os moralistas, qual o Dirceu apaixonado por
Marília, que, comparando-se com esses nomes ilustres de heróis históricos, com
quem se não identifica, usa razões inúteis para defender o seu amor, mostrando
como é descabida, tanta ambição de glória. Mas não, não vale a pena o paralelo,
porque a razão, por passageira que seja, está sempre no poderoso, impondo e
destruindo, sem outro direito que não seja a lei do mais forte – mesmo nas mais
simples relações humanas. Mas vale a pena sempre reler estes e outros versos simples,
escritos pelo poeta árcade luso-brasileiro Tomás António Gonzaga, extraídos do
poema narrativo “Marília de Dirceu”:
"Alexandre, Marília, qual o rio"
Alexandre,
Marília, qual o rio |
A um curtíssimo passo de uma nova Guerra Mundial
O pior vai ser quando o Comité Central
do Partido Comunista da China se cansar das gesticulações dos políticos e
resolver ordenar ao Exército Popular de Libertação para agir em conformidade.
DANTAS
RODRIGUES Sócio-partner da Dantas
Rodrigues & Associados
OBSERVADOR, 09 ago 2022, 00:03
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA,
vestiu-se de diplomata e viajou até ao Taiwan – arquipélago da Ásia Oriental
constituído pelas ilhas Formosa e dos Pescadores e pelos ilhéus Chin-Men Tao e
Ma-Tsu Tao – numa missão que em direito internacional é conhecida por
diplomacia ad hoc, assim designada porque, pela sua temporalidade e excepcionalidade,
se incumbem os enviados itinerantes sem grau diplomático.
Assim,
numa rápida incursão diplomática, a presidente da Câmara dos Representantes,
também conhecida por Speaker of the House, tratou de questões internacionais
que, pela sua especificidade, só em diplomacia ad hoc podiam ser abordadas.
A
velha questão do Taiwan não é mais do que um conflito congelado desde 1949, ano
em que terminou a Guerra Civil na China e o respectivo Partido Comunista, sob a
chefia de Mao Tsé-tung, alcançou
a vitória e o poder após derrotar os nacionalistas do Kuomintang. Nessa altura, quase dois milhões de pessoas, incluindo Tchang
Kai-chek e os mais altos dirigentes daquele partido, tiveram de
fugir para a Ilha Formosa, passando a ser conhecida por China Livre e, depois de 1971, quando deixou de representar a China como um todo na
ONU, recebeu o nome de Taiwan.
Com
o passar do tempo o Taiwan tornou-se uma economia dinâmica e tecnológica e, a
partir da década de 1980, passou a produzir 90 por cento dos semicondutores. Quanto aos supramencionados ilhéus Chin-Men Tao
e Ma-Tsu Tao o que deles melhor se conhece é que fornecem abrigo
seguro a florescentes paraísos fiscais.
Tanto a Europa como os EUA,
enormemente dependentes da mão-de-obra asiática, não conseguem viver sem a alta
tecnologia fabricada no Taiwan e, em boa verdade, em todo o Extremo Oriente,
afigurando-se, de toda a urgência, impedir politicamente a interrupção da
cadeia de produção naquelas paragens remotas e altamente instáveis, paragens
essas capazes, a todo o momento, de criar histerias e apavoramentos globais. Já bastam os cinco meses de guerra na Ucrânia para
a União Europeia, absolutamente incapaz de definir prioridades, ir começando
diariamente a sentir na pele que, quem
não dispõe de matérias-primas energéticas, não pode (nem deve) dar passos
maiores que as suas débeis e curtas pernas.
Se o diálogo diplomático contínuo com
a Federação da Rússia não impediu a invasão da Ucrânia, quem poderá garantir
que a República Popular da China, com a sua conhecida política «Uma só China»,
aproveitando a guerra no Leste da Europa, não avance para a anexação do Taiwan?
Desde há 43 anos que a República
Popular China, o Taiwan (de seu nome oficial República da China) e os EUA jogam
um complicado e periclitante jogo de equilíbrios políticos e militares, com
todo um sem-número de pressões discretas (e secretas), que não oferecem
quaisquer garantias de paz. Além
disso, as evidentes diferenças culturais em relação à China comuno-capitalista
(«um país, dois sistemas») alimentaram um sentimento difuso de independência,
facilitado pela protecção dos EUA que, em 1979, para efeitos de estabelecimento
de relações diplomáticas, acordaram, por escrito, com Deng Xiaoping, a existência
legal de uma China única.
Em teoria os EUA promovem «relações
não oficiais com o Taiwan», nas quais o diálogo diplomático não é efetuado por
meio de embaixadas, mas, sim, através de instituições privadas. Na
prática, porém, Washington mantém laços muito fortes com o governo insular, tal
como ficou demonstrado durante o mandato de Donald Trump, que incrementou a
venda de armamento moderno e sofisticado, e facilitou a formação especializada
de altos quadros militares taiwaneses. Quanto ao seu sucessor, Joseph Biden, não se cansa de
reiterar pública e regularmente que tem a obrigação legal de ajudar o Taiwan a
defender-se da República Popular da China, caso irrompa um grave conflito
bélico entre ambos os países, a fim de garantir a estabilidade no Estreito que
os separa.
Agora,
volvido quase meio século, talvez se possa dizer que a China ainda não
conseguiu encontrar o modelo político adequado para uma anexação que mereça o
apoio da população do arquipélago. O paradigma «um país, dois sistemas»,
teorizado por Deng Xiaoping em 1997, e que a República Popular da China levou à
prática em Hong Kong e em Macau como exemplo do que poderia ser a incorporação
do Taiwan, tem-se mostrado uma decepção para muitos dos habitantes do antigo
enclave britânico, que acabaram por perder cada vez mais liberdades, sobretudo
depois do insucesso da revolução colorida de 2019.
Muitos acharão que parece não haver actualmente
problema mais sensível para a China do que a questão levantada pelo Taiwan, por
isso a extemporânea e eleitoralista visita, de Nancy Pelosi representou uma
nítida mensagem de apoio à independência de um pequeno arquipélago onde residem
23 milhões de habitantes. As
consequências de tal comportamento iremos decerto conhecê-las em breve, até
porque, à boa maneira chinesa, «esquecer a história é traição, e
negar uma ofensa é consenti-la». Basta
lembrar as Guerras do Ópio e o Movimento Yihetuan (vulgo Guerra dos Boxers)
para ver como os ingleses ainda hoje são profundamente odiados naquelas
paragens, tal com se pôde observar, em 1997, pelo distanciamento e frieza de
Jiang Zemin, aquando da transferência de soberania de Hong Kong,
Por enquanto tudo calmo sob os ásios
céus. O pior vai ser quando o Comité Central do Partido Comunista da China se
cansar das gesticulações dos políticos e resolver ordenar ao Exército Popular
de Libertação para agir em conformidade. Aí, então, a palavra pertencerá aos
canhões e ficaremos – se é que já não estamos – a um curtíssimo passo de uma
nova Guerra Mundial.
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