terça-feira, 23 de agosto de 2022

O problema é outro (Continuação do texto de 16/8)

 ... Não se trata, pois, de confrontar a qualidade da escrita dos antigos e novos tempos na riqueza específica de cada época literária, mas de comparar os estilos dos respectivos autores, nos efeitos provocados pela dimensão do seu conhecimento humano, do ritmo frásico do seu discurso, associado a riqueza formal, ou tão só, mesmo, à qualidade criativa do entrecho associada a conhecimento vivido, cultura, perspicácia psicológica que, nos novos tempos, assume a amplitude do conhecimento psicanalítico, na dimensão do subconsciente. Nem sempre a riqueza vocabular - caso de Camilo, de Aquilino, de Agustina – provam superioridade técnica na criação dos enredos, mas inegavelmente a especificidade dos seus estilos de grande riqueza vocabular ou originalidade discursiva posiciona-os no lugar que bem ocupam. Os gostos pessoais dos leitores levam às preferências por uns ou por outros, e julgo que cada escritor permanece como marco específico que o distingue dos outros. Mas hoje, como outrora, há escritores de excelente nível, como os houve entre os neorrealistas, que Miguel Torga superou, entre tantos, e de quem, aliás, se afastou. Hoje, além de alguns autores que talvez deixem a marca do seu estilo, temo-los também encontrado entre os cronistas da actualidade e quantas vezes nos seus próprios comentadores, revelando excelente nível prosístico, espírito crítico e conhecimento político e histórico ou até clássico, que é consolador analisar. O problema do paralelo com os que escreveram antes, para retomar as questões propostas – “A Língua Portuguesa está de boa saúde e recomenda-se? Usamos cada vez menos vocabulário?” tem a ver, pois, com o nível cultural de cada escrevente, em qualquer época que passe, sendo que cada vez mais os analistas têm instrumentos de análise mais enriquecidos e rigorosos, com crescentes técnicas analíticas, para comprovar a riqueza de cada escritor, com o desenvolvimento dos estudos semânticos e estilísticos, e com o desenvolvimento das línguas, embora condenadas a uma globalização terminológica sobretudo anglófila, dependente do desenvolvimento das tecnologias, designações que muitas vezes se aplicam sem se compreender o sentido – o que empobrece as línguas da dependência informática.

Penso que a falta de leitura, hoje em dia, até mesmo dos bons estudantes, presos grandemente aos seus aparelhos fónicos e gráficos pode, de facto, ter um efeito grave sobre a sua formação cultural, pois dificilmente os moços e moças procurarão informação escrita e até nem sempre a encontrarão, na Internet, - nada como o papel e o encanto desses livros que foram acompanhando as nossas vidas - mas os realmente estudiosos saberão ultrapassar os efeitos da longa comunicação à distância, com os seus amigos, por meio desses aparelhos audiovisuais, limitando-lhes desde sempre, o tempo, que poderia ser preenchido de forma mais complexa. Por outro lado, muita riqueza colhem nessas tablettes, desde a remota infância – riqueza quer visual, escrita ou musical – e mesmo vocabular - como não havia nos tempos de antanho, e devemos, pois, ter esperança numa juventude que dará maior ou menor conta de si, como sempre aconteceu, segundo o seu interesse e vocação, que a maior formação dos pais, hoje, ajudará a desenvolver.

E, quando leio algumas prosas contemporâneas, além de estudos em torno da língua de quem escreve, fico esperançada, pois julgo que haverá sempre os estudiosos e ledores dos clássicos, que criam o seu próprio estilo, contribuindo para fortalecer o pensamento de quem os lê. E haverá sempre os que ficarão na história literária do seu país – como é o caso de FREDERICO LOURENÇO, um dos tais que não só leu, mas traduziu, os clássicos gregos e a Bíblia, o que nos enche de alegria, pelo seu trabalho insano de não ter deixado morrer a língua grega, numa altura em que até a literatura francesa já mal faz parte dos currículos escolares.

 De resto, é também o caso deste estudo, que guardarei, de linguistas estudiosos e preocupados com o futuro da sua língua, como PEDRO DIAS DE ALMEIDA e FERNANDO VENÂNCIO, os autores da magnífica análise sobre o português, da REVISTA VISÃO DE 10/8/22. 

Concluindo e repetindo, o enriquecimento das línguas será sempre uma constante, em virtude do desenvolvimento tecnológico e a globalização terminológica que acompanha o progresso, mau grado os pontapés que elas sofrem pelas próprias políticas educativas, como é o caso da vulgarização do AO90 que naturalmente empobrece a nossa língua, ao pretender uma generalização ortográfica por falantes de díspares gramáticas. 

Na realidade, o que me parece de mais relevância é o confronto literário, que mostra as diferenciações entre os escritores de cada época, e a especificidade de cada estilo literário.


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