Ando a ler o livro de
Paul Bowles “Viagens” (Compilação de
Escritos, 1950-1993) (em tradução de Jorge Parreirinha Pires), oferta de anos, pela minha sobrinha Mirene que, na Dedicatória que nele apôs, me desejou: “que esta seja uma boa viagem”. E de
facto, está a ser e bem lha agradeço, que, de percursos viageiros, me limito
aos das compras ou do café, este nem sequer suficientemente distante para proporcionar,
segundo recomendação médica, o desentorpecimento das partes do corpo mais
dolorosamente entorpecidas, quais sejam as costas, onde a minha nora Teresa se
entretém a desfazer nódulos musculares com o dedo indicador extremamente perfurante,
mas, de facto, eficiente. Mas o livro veio sobretudo demonstrar-me quanto é
enorme a minha ignorância, decididamente prostrada que fui naquelas leituras
obrigatórias e afins, do foro profissional, e só de vez em quando arejada com
as leituras de escritores mais modernos, cujos nomes, ainda que deles goste,
quando leio os livros – de oferta ou de empréstimo - esqueço logo a seguir, na
velocidade deste esvair etário, em que se não pensa quando se é mais jovem.
O nome de Paul Bowles bem gostaria eu de o preservar na ingrata memória, mas sei que isso não irá
acontecer. Divertido autor, sensível também, e apaixonado pelos mundos por onde
tanto viajou, tantas vezes em extremo desconforto de andarilho, sem queixume, contudo,
na sua paixão pela vida e os seres e as paisagens, pela magia do mundo e das
filosofias ou peculiaridades dos povos - os mais intelectuais afinal, não menos
matreiros e artífices da sua sobrevivência, num Paris de magia intelectual, por
exemplo, de que tantos, entre os quais Simone de Beauvoir, e a sua geração
também deram conta, como ele dá, na sua primeira crónica “QUAI VOLTAIRE” (Diário; Memória de Paris” 1931/1932).
Uma vida fabulosa, de
resto, de trabalho como compositor e escritor, de aventura constante, de amor
um tanto desviado das normas, mas dedicado e sincero, pela também escritora Jane Auer, morta em 1973, cuja
morte lhe mereceu os versos de um remate sem retorno, apesar de lhe ter
sobrevivido 26 anos mais – versos finais de um “Diário anteriormente inédito”, 1986” feito de
salpicos de vida, original na forma discursiva curta e recheada de informações
breves em que os sentimentos e críticas subjacentes, causam naturalmente
impacto e espanto, no seu ritmo alucinante, significativo de um viver
igualmente alucinante de criatividade, leituras e movimentação viageira. Eis os
versos finais desse “Diário”, que igualmente vêm publicados no final das
“Viagens”, como tópicos pontilhistas justificativos das várias paragens de que
o livro “Viagens” dá conta, pelos seus espaços de fixação na Terra, remate
indicativo de um profundo afecto não descartável, por muito que afogado no seu
trabalho de criação:
Depois disso
pareceu-lhe que nada mais aconteceu
Continuou a
viver em Tânger
Traduzindo do
árabe, do francês e do espanhol.
Escreveu
muitos contos, mas nenhum romance,
Continuou a
haver cada vez mais pessoas no mundo.
E não havia
nada que alguém pudesse fazer sobre coisa alguma.
Mas cito-o também, sem ainda ter concluído a sua leitura porque, em meio de tanta viagem pela Ásia e pelo Norte de África dos seus amores, ao folhear o livro, encontrei “MADEIRA”, Holiday 1960» não ainda a Madeira do Jardim, com as transformações que a União Europeia possibilitou aos do “Continente” e, por arrastamento, aos das “Regiões Autónomas”, que disso beneficiaram, embora eu não saiba se também nas “luzes”, cuja carência, o escritor Paul Bowles faz sentir: “Mas quando o dia acaba e o trabalhador vai para casa, em vez de ler o jornal ele põe-se a arranjar /(“arranhar?”) o seu jardim….” “Daí a pouco apareceu um camponês descalço trajando o fato feito à mão e de aspecto arcaico que se adequa ao cenário geral…” “A troco dos nossos sessenta e dois cêntimos americanos viajámos muito até ao passado”. Ou mesmo a conclusão de uma simpatia duvidosa, subentendendo um certo desprezo que nunca os seres marroquinos ou asiáticos, pobres ou mais abastados lhe mereceram, neste seu livro pleno de graça, de inteligência crítica, de sensibilidade, de naturalidade, de amor.
Não no caso da “Madeira”, contudo,
embora concedendo, simpaticamente, a possibilidade da “graça” de lá voltar,
sendo “satisfatório ter-se essa certeza”.
Por deferência caritativa, julgo, o afirma. Ou apenas delicada, embora
limitada a uma classificação de “satisfatório”. A Madeira nunca seria destino
seu, na denguice vistosa dos seus espaços de beleza, sem a alma dos espaços
mais exóticos dos seus anseios de fuga e de transcendência viageiras - a alma
desses povos mais antigos, de tradições cujo exotismo e frugalidade
permaneceram nos tempos, no seu rigor inalterável de transcendência e rigidez que
o Alcorão bem descreve.
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