Numa captação impecável de humor preciso
e perfurante de Maria Helena
Matos, excelentemente acompanhado por alguns dos seus Observadores.
Do parto sem dor ao parto onde calhar
Há algumas décadas discutia-se o
parto sem dor. Agora estamos no parto onde calhar. Mas nâo é o SNS que falha.
São as grávidas que não sabem aceder.
HELENA MATOS, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 07 ago
2022, 00:216
Antes
de ir para férias juro que as notícias eram sobre as urgências que não
funcionavam, umas escassas semanas fora e no regresso constato que a
notícia agora foca-se nas urgências que funcionam: “Urgência de obstetrícia e bloco
de partos assegurados na Maternidade Alfredo da Costa e São Francisco Xavier. A
Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital São Francisco Xavier actualizaram as
escalas do serviço de urgência de obstetrícia e ginecologia e do bloco de
partos, garantindo o seu normal funcionamento no fim de semana.”
Temos de convir que isto sim é realmente uma mudança estrutural no SNS: notícia
é quando funciona! Realmente
até agora governo algum tinha conseguido uma alteração deste nível.
Inerente
a esta mudança é o facto de termos deixado de nos indignar com o que não
funciona ou funciona mal no SNS, mas sim com as pessoas, porque são as
pessoas que não sabem usar o SNS, não o SNS que não atende pessoas. Assim a
primeira regra do novo SNS é precisamente essa: não é o SNS que
falha mas sim as grávidas que não sabem como recorrer a ele, nomeadamente não
sabem usar a informação contida no portal, coisa que em alguns casos se revela
mais difícil que um parto propriamente dito.
Por exemplo, uma grávida que resida na área do Hospital Garcia de Orta, em Almada,
tem de ser uma especialista em enigmas. Esta semana, no muito recomendado portal da saúde, o horário de funcionamento
do Bloco de Partos daquele hospital passa directamente das 8 horas de sexta
para as 8 horas de segunda. O que fazer caso se entre em
trabalho de parto no sábado ou domingo? Ou às seis da manhã de segunda-feira?
Ir ao hospital mais próximo pode não ser necessariamente a resposta certa.
O
caso da parturiente de Vila de Rei que
acabou a ter um nado-morto é exemplar de como nestas situações de falhanço do
SNS a culpa pode acabar a ser transferida para os seus utentes,
no caso concreto dos partos, as mulheres: a parturiente de Vila de Rei
ora é culpada por se ter dirigido à urgência de Santarém e não à de Abrantes,
que tanto quanto se percebe não estava a funcionar, ora por ter ido pelos seus
próprios meios para o hospital e não de ambulância ou mais bizarramente ainda
por durante a gravidez ter sido seguida em consultas no sector privado, como se
isso fosse um pecado. Para quem
não sabe, antes do socialismo ter escavado o SNS, milhares de mulheres optavam
por ser seguidas em consultas no sector privado e depois iam ter os seus filhos
nas maternidades públicas que eram consideradas mais seguras. Agora as
grávidas para não serem culpabilizadas se algo correr mal devem fazer prova da
sua fé no SNS não indo sequer a uma consulta de ginecologia\obstetrícia no
privado.
Para
quem não sabe, também há algumas décadas a discussão em torno dos partos
girava em torno da presença do pai durante o parto (na
verdade, não sei se será a melhor companhia mas essa é outra questão) e sobretudo sobre o parto sem dor. Havia cursos de preparação para o parto sem dor (o mais
eficaz que conheci ficava no segundo ou terceiro andar de um velho prédio
lisboeta, logo as grávidas subiam pelo seu pé vários lances de uma longa
escada, exercício que muito deve ter contribuído para os bons resultados do
dito curso!) e os
jornais enchiam-se com testemunhos de mulheres que garantiam ter tido filhos a
cantar, outras a rir e outras ainda sob o antigo anátema do “parirás com dor”.
Agora, numa reviravolta da História, as meninas nascidas em tão
bonançoso ambiente são a geração de grávidas que andam de olhos postos num
portal para saber onde podem ter os filhos. (Também
são a geração que não pode dizer que só as mulheres engravidam e que só as
mulheres dão à luz mas esse é um outro aspecto desta nossa marcha para a
estupidificação geral.)
Quem nos havia de dizer que
depois do parirás com dor viria o parirás onde o SNS deixar, nos dias que lhe
convier e às horas previstas nas escalas de serviço. Somos o que se pode dizer
uma sociedade a caminho do socialismo: o Estado falha mas tem sempre razão.
PS. O
acesso às Berlengas tornou-se um imbróglio. Começa por ter de se abrir uma
conta num portal e depois indicar os nomes, número de cartão de
cidadão, NIF, telefone… dos candidatos a visitantes. Se se viaja com crianças
não se pense que basta dizer que são duas ou três. É preciso dar os dados. Para
mais, a associação que gere o Forte de São João Baptista não comunica com a
entidade que gere o Berlengas Pass e portanto pode ter-se uma reserva
confirmada para pernoitar no forte mas não conseguir sequer chegar à ilha nos
dias dessa mesma reserva, caso já tenha sido ultrapassado o número diário de
visitantes autorizados. Os reis das Berlengas afinal existem: chamam-se
burocratas.
SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE PAÍS SAÚDE DA MULHER SAÚDE
COMENTÁRIOS:
Pedro Belo: Bem vinda de volta! Laurentino Cerdeira: Excelente como sempre. Feliz regresso de
férias e bom novo ano de trabalho.
joaquim zacarias: Será que se pode instalar este governo nas
berlengas, até ao fim da legislatura.
Helena Maria Pereira: A nota sobre o acesso às Berlengas é um exemplo
elucidativo sobre o quão burocrática e nada inclusiva está a administração
pública. Surreal!! Amigo do
Camolas: Já é ruim o suficiente quando não se
consegue convencer o país de que o SNS realmente é o melhor do mundo mas para
aqueles que não o utilizam - como os próprios funcionários do estado com a ADSE
-, mas é estranho quando já não se consegue convencer as próprias vítimas dele. E a música é sempre a mesma: "Estamos desesperados, dêem-nos dinheiro. Se
tivéssemos mais financiamento e mais pessoal, poderíamos ser capazes de servir
melhor os utentes do SNS. Os utentes do SNS estão a esperar anos por uma
consulta e a parir só nos hospitais abertos porque o SNS não tem dinheiro e
pessoal suficiente". Verdade? Não.
Eles têm mais pessoal e dinheiro do que sabem o que fazer com ele. A seguir a
cada anúncio do governo de mais pessoal e mais dinheiro em qualquer serviço
público, surge um novo anúncio para despejar quantias insanas de dinheiro no
buraco negro que o devora e não emite nada em troca, excepto mais do mesmo: é
preciso mais pessoal e dinheiro dos contribuintes. Trágico, apenas trágico. Simplesmente Maria: O tema mediático e mais chamativo de cada
semana é também o tema de cada crónica que o alimenta e o deixa morrer na
semana seguinte por força de um novo e ainda mais chamativo tema. Todos
alimentam a "coisa": cronistas, jornalistas, presidentes,
governantes, associações e afins. Desmontar a "coisa" que se insere
numa "coisa" maior correm-se riscos de popularidade de que todos
vivem.
Luís Abrantes: Na verdade o povo manso aceita tudo e repete a dose…
aguentem…!!!
Manuel Joao Borges; que bom como sempre. Carlos
Quartel: HM fala de verdades. Mas falta sempre a
segunda parte da narrativa. Uma comunicação
social atenta, já se teria lembrado de perguntar aos protagonistas de todas
essa aventuras, parturientes, maridos, familiares, bombeiros, etc em que
partido tinham votado nas última eleições e em que partido tencionavam votar
nas próximas. Tudo o que se passa em
Portugal é democrático, legal, legítimo e quem não faz parte da tribo melhor
acalmar-se , que as úlceras espreitam. Aeroportos,
fogos, maternidades, milhares a morrerem porque foram abandonados nos tempos do
covid, nada disso abala a confiança em Costa e em Marcelo. Um incómodo, mas uma verdade, dia a dia
comprovada ......
Lidia Santos > Carlos Quartel: Certíssimo.
Se as eleições fossem amanhã ganhava o PS. Por isso tudo é aceite.Vale pouco a
pena a nossa revolta. Alfaiate
Tuga : Quando ao SNS, já várias vezes disse, os
médicos e o governo estão do mesmo lado, ambos estão a correr com os utentes do
SNS para o privado, uns para ganhar mais, outro para gastar menos, no fim só
fica mais caro ao continente como de costume. Quanto
às Berlengas, na minha opinião não vale o martírio, fui lá há uns anos, não
passa de um calhau no meio do mar coberto de excrementos de gaivotas, pouco ou
nada há para ver, tem uma praia minúscula, e dois ou três bares manhosos, como
digo foi há uns anos, mas na altura foi uma perda de tempo e dinheiro, pior tem
de passar lá o dia, ao fim de duas horas já não sabia o que fazer... Maria
Tubucci: Seja
bem regressada Sra. D. HM, sim é verdade, tudo o que escreve, e ao mesmo tempo
triste o estado a que isto chegou. Já todos sabemos, a direita e centro-direita,
que há 2 pesos e 2 medidas, assim, quando os socialistas governam, se algo
correr mal a culpa nunca é deles é sempre do povo, mas se for a direita a
governar, se algo correr mal a culpa é sempre dos governantes e nunca do povo.
Aliás, eles fazem questão de nos esfregar na cara que só trabalham para o nosso
bem, quando é exatamente ao contrário para o bem deles. Quando é que isto
muda? No dia em que os votantes PS e abstencionistas sentirem, forte e feio no
lombo, as consequências do seu voto ou não voto, antes disso não vale apena, é
tão só chover no molhado. Américo Silva: Cada um olha para onde quer ou lhe dá mais
jeito, o resumo desta crónica afinal é que o SNS faz falta, faz muita falta,
apesar de tão mal tratado, mesmo pelos utentes. Parece que a iniciativa privada
liberal afinal não se adequa a partos, ginecologistas privados para abortos,
mudanças de sexo, clínicas de infertilidade e similares não faltam, a continuar
assim vamos ter obstetras magrebinos, e bangaladeshicos no SNS, nada a opor. Pedro Belo > Américo Silva: Quando
é que a IL afirmou que o SNS não fazia parte da solução? Por favor elucide-nos Maria Augusta Martins: Boa! É o regresso aos bons velhos costumes. o que interessa é uma
boa horinha e parteira alegre. Sempre é melhor que parir em ambulância, algures numa beira da
estrada assistido por dois bombeiros. Agora estão a parir longe. É para fazer como agora fazem aos velhos: -Mandam-os morrer longe de casa
num qualquer hospital do SNS Maria
Augusta Martins > Maria Augusta Martins: Obviamente que circular é viver!
Alexandre Barreira: Alô,alô. É da maternidade ? Sim. mas só com
agendamento. Temos vagas para Março de 2023 ! Fernando Cascais: Bem vinda. Parabéns ao Observador pela
coordenação das férias dos seus melhores cronistas. Ontem, quando espreitei
pelo "buraco de minhoca" na crónica do Alberto Gonçalves para
vislumbrar a identidade de género num futuro próximo, não pude deixar de
reparar nas fábricas de bebés. Muito em breve já não existirão grávidas. Alguma
grávida que sobrar será como uma velha máquina de escrever antes da invenção do
computador. Na verdade já não existirão mulheres, muito menos mulheres para
engravidar de forma convencional. As fábricas de bebés serão a maior indústria
que a Terra alguma vez viu. Cristiano Ronaldo foi um dos pioneiros nesta nova indústria
com alguns dos seus filhos, mas na história das fábricas de bebés Cristiano
Ronaldo situa-se no paleolítico. No futuro, por exemplo, um não binário acede a
um subsídio para ter um filho. Munido do código do crédito entra no portal de
uma fábrica de bebés. Segue as instruções e escolhe as características do
filho. Pode escolher um filho de género não binário, asiático, mas com um tom
de pele moreno, olhos azuis, cabelo loiro, físico para atletismo de velocidade
e um QI de 120. Neste exemplo o crédito era generoso e a fábrica de bebés toma
conta e educa o bebé segundo os critérios escolhidos até este fazer seis anos e
já ter alguma autonomia. Concluído o processo de escolha no portal, a fábrica
de bebés mandará no prazo de 48 horas um estafeta para recolher o semen. Portugal,
como sempre está na linha da frente para o futuro, as grávidas é que não sabem.
O socialismo anda sempre com a cabeça 50 km á frente no futuro. As creches
gratuitas fazem parte deste processo. As fábricas de bebés serão o próximo
passo anunciado á revelia por PNS. José Paulo C Castro: Está desactualizada. Eu sei que disse que
não quis abordar a cultura woke nesta crónica mas o nome dos locais que as
parturientes procuram já não é maternidade mas sim, prepare-se, 'centros de
nascimento'. Talvez seja por isso que não os encontram. Ou não: a gestão
socialista é capaz de os ter instalado todos nas Berlengas. ……………….
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