terça-feira, 2 de agosto de 2022

Alheamento


Mas também julgo que é por causa disso, desse magnífico alheamento, que o nosso Presidente nos considera o melhor povo do mundo, e essas coisas não se esquecem, esses comentários elogiosos de quem nos governa, sem grandes esclarecimentos ou avisos de maior, como exige a Helena Garrido, que, de resto, cairiam em saco roto, pois do que gostamos, é de viver, mau grado os queixumes de tão rara beleza da nossa inimitável Florbela Espanca, que era, aliás, extremamente egocêntrica. Como todos somos, tal como o nosso fado também revela, chorar é connosco, cumprir é mais pertença de outros, lá fora, exceptuando uns poucos ainda, cá dentro, felizmente, e mais os que nos avisam, como a Helena Garrido faz, sem grande êxito, pois isto da responsabilidade, vem do berço, como diz o ditado do pepino torcido logo em pequenino, mas esse provérbio do “torcer” educativo, transformou-se hoje, preferencialmente no do torcer do rabo da porca, após a constatação do desaire ou da malandrice … 

A ilusão dos almoços grátis

Quem paga? Quanto custa? Essas deviam ser as perguntas que devíamos fazer sempre que nos prometem facilidades em tempos difíceis.

HELENA GARRIDO

OBSERVADOR, 02 ago 2022, 00:21

O caso do acordo ibérico para o preço do gás é o mais recente episódio de crença em almoços grátis. Quem tentou perceber como funcionava o limite ao preço do gás pode não se ter apercebido da dimensão dos aumentos – referidos por Nuno Ribeiro da Silva na entrevista à Antena 1 e ao Negócios. Mas compreendeu que o que estava em causa era a redistribuição do custo e não a sua eliminação.

Ou seja, a diferença entre o limite de 40 euros por megawatt e o custo real vai ser distribuída por um universo maior, em vez de se concentrar nos consumidores daquele gás e electricidade. A vantagem do acordo está no que poderia acontecer sem ele: os preços subiriam mais e afectariam com mais violência as empresas, como se pode perceber no comunicado da ERSE. É um risco que o Governo corre, uma vez que ninguém agradece terem-nos salvo do que poderia ter acontecido e não aconteceu.

Outra questão completamente diferente é se este mecanismo favorece mais Espanha do que Portugal, como também afirma o presidente da Endesa Nuno Ribeiro da Silva. A explicação possível é que Portugal se teve de encostar a Espanha para conseguir este acordo. O cenário alternativo, mais uma vez, era não ter acordo nenhum e ver a Espanha a conseguir obtê-lo.

O Governo tem aliás feito os possíveis para nos poupar às más notícias do preço da energia, como se fossemos umas crianças. Vários países têm tomado decisões e feito campanhas de poupança de energia, incluindo a vizinha Espanha que também não depende de gás russo. Na Alemanha, os edifícios públicos em Berlim, por exemplo, estão sem iluminação. A França, que está ainda menos exposta, com 70% da sua electricidade produzida com energia nuclear, vai aplicar uma multa de 750 euros às lojas com ar condicionado que tenham as portas abertas e acabou o aquecimento ou arrefecimento das esplanadas.

Por aqui nem uma palavra, nem decisões nem campanha. Mesmo sabendo-se que por causa da seca e da decisão de encerrar as centrais a carvão, a produção de electricidade está mais dependente do gás, o Governo em geral e o ministro do Ambiente em particular parecem pouco preocupados em tomar medidas e apelar à poupança de energia. Sim, é verdade que não dependemos o gás russo e a União Europeia, graças também à agressividade dos espanhóis, criou excepções às poupanças que temos de fazer. Mas se pouparmos estaremos a contribuir também para aliviar a pressão da procura e, ainda que indiretamente, a ajudar os países europeus que estão em maiores dificuldades, como é o caso da Alemanha. Mas por aqui é como se nada se estivesse a passar.

Este caso do gás é apenas o mais visível da ilusão de que é possível ter tudo sem pagar o preço. Ao longo dos últimos seis anos do Governo de António Costa essa ilusão foi alimentada até ao limite, criando a ideia de que era possível reduzir o défice público, com aumentos de pensões e salários e redução de impostos, sem qualquer factura. A conta, como várias vezes se alertou nestas páginas, tinha de chegar e está agora a ser paga.

Todos os dias nos últimos tempos somos confrontados com notícias de um país de serviços públicos que parece estar em colapso. A Saúde que enfrenta dias aterradores para quem precisa dela, a Segurança com um retrato de falta de polícias e de polícias mal pagos, o combate aos fogos em que as mil e uma promessas de 2017 ficaram por cumprir – sim, alguns fogos continuariam a acontecer, mas o seu combate poderia hoje ser mais eficiente – e a Justiça onde nada acontece. O desprezo pelos que estão à margem identifica-se no quotidiano, quando os serviços públicos se recusam a ajudar quem ainda está excluído do mundo digital, por exemplo, o que contradiz o discurso.

A falta de investimento em médicos e enfermeiros, em equipamentos que tinham de ser mantidos ou recuperados, nos edifícios já construídos, sejam hospitais ou esquadras, ou ainda as alterações de processos para reduzir a burocracia e tornar a justiça mais rápida e eficaz, a falta de tudo isto, está agora a pagar-se com o triste espectáculo do colapso dos serviços públicos. É a factura que nos chega agora a todos por termos acreditado que havia almoços grátis.

Não, não há almoços grátis, como o Pai Natal também não existe. O custo pode ser financeiro – como se vê agora com o gás – e pode ser de oportunidade, daquilo que não se fez no passado para garantir dias melhores no futuro e que hoje é presente. No gás acabaremos todos por pagar o tecto ao preço, mas pelo menos esse é um mecanismo solidário. Tudo o resto é um preço que podíamos evitar ou mitigar se não sofrêssemos da ilusão de que há almoços grátis. Temos de nos habituar a perguntar quanto custa, no sentido do que se deixa de fazer para gastar aí o dinheiro, e quem paga. Porque mais cedo ou mais tarde a conta cai em cima de nós.

POLÍTICA ECONÓMICA   ECONOMIA   ENERGIA   ONDE O ESTADO FALHA   POLÍTICA

COMENTÁRIOS:

Fernando Prata: Excelente artigo que mostra qual a maior qualidade da maioria do povo, esconder a cabeça na areia.

Madalena Sa: Como é óbvio! Este artigo mostra bem a incompetência do governo português! Vamos acabar numa fossa total, mas o povo gosta, vota neles!

Antonio Silva: O rei vai nu como bem observa mas, cigarras que somos e governados por gente impreparada para os cargos que ocupam, acordaremos quando esbarrarmos na parede. Sempre assim foi e assim será para cumprir a tradição. Aos inconformados resta tentar "acordar a malta". E mais não digo por ser incapaz de replicar a sua delicadeza. Cumprimentos.

Alexandre Barreira: Cara Helena, Mas quem lhe disse que o Pai Natal não existe?! Existe sim. Repare bem à sua volta e "renas" não faltam. E o Pai Natal está lá na carroça "alada" !

 

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