Tenho presente a Revista “VISÃO” de 10/8/22, que, entre vários artigos de excelência
contém o texto que faz o título central da sua capa “O QUE É
ESCREVER EM PORTUGUÊS?» seguido do
subtítulo “Há alguma regra infalível? A Língua Portuguesa está de
boa saúde e recomenda-se? Usamos cada vez menos vocabulário? As respostas a
estas e a outras perguntas sobre o Português que falamos e escrevemos” extraído do texto de
PEDRO DIAS DE ALMEIDA “TENTO NA LÍNGUA”, primeiro de uma série de estudos com questionários de
apoio e informações várias, entre as quais a informação sobre títulos de livros
de ordem vária sobre a língua portuguesa e sobre o AO90 que, contestado por
alguns, em todo o caso, é seguido pelo autor dos excelentes trabalhos linguísticos
desta revista que guardo com muito interesse, feitos por um estudioso que
entrevista igualmente o linguista Fernando Venâncio, autor de “ASSIM NASCEU UMA LÍNGUA”, o qual nos dá conta dos seus estudos linguísticos, em
Amesterdão, onde foi aluno do professor António José Saraiva, e nos esclarece sobre as origens variadas da língua
portuguesa contestando o conceito que corre no nosso país sobre a pobreza da
nossa língua, apontando, todavia, incorrecções específicas como essa do “avisem os vossos pais”, em vez
do lógico “avisai” da 2ª pessoa, ou o tratamento sinuoso do “você”, ou mesmo as deformações
linguísticas criadas pelo receio de
“ofender alguém”, em virtude das
questões de ”género”, impeditivas
do uso da designação “sexo” em consequência do hibridismo e das
transformações possíveis…
Na questão de
uma incorrecção muito comum – “mais mal/pior” ou “mais bem/melhor” creio,
todavia, incompleta e mesmo ambígua a justificação apresentada. Transcrevo: “Mais
mal” ou “mais bem” usa-se quando a expressão está associada a um adjectivo
(neste caso “classificado” - a) “o teu clube ficou pior
classificado que o meu. b) O teu clube ficou mais mal
classificado que o meu” – Pior ou Melhor usa-se em
associação a um verbo (exemplo): A tua equipa está a jogar pior”.
O certo é
que antes de particípio passado
não se usam as formas sintéticas dos comparativos “pior” ou “melhor” mas
as formas analíticas “mais bem” ou “mais mal”: Ex: O melhor /pior aluno (Subst) nem
sempre é o mais bem / mais mal comportado(p.p), embora trabalhe
(vb) melhor /pior.
Quanto à pergunta feita a Edite Estrela sobre “escrever bem” ou se “podemos dizer que hoje se fala/escreve melhor ou pior português do que há duas ou três décadas?”, penso que não se trata de demonstrar maior ou menor insegurança com que uma língua é manipulada pelos seus falantes ou escribas ao longo dos tempos, nem de comparar as escritas dos clássicos com as dos contemporâneos, dada a natural evolução temporal, trazida também pelo engenho e singularidade próprios acrescidos do estudo dos escritores ou filósofos antigos ou contemporâneos influenciadores de cada artista escritor. Bons escritores sempre os houve, e temo-los de excelência, no nosso país, mas hoje admiramos inúmeros manipuladores da língua portuguesa em estilos vários, a que não falta a originalidade da arte de um Saramago, desfazedora dos convencionalismos sintácticos, como, de resto, já assistíramos no caso da “dessacralização da arte” dos poetas da “Geração de Orpheu”. É certo que cheguei a comparar, nas minhas turmas, a introdução de “Os Maias” com a do “Amor de Perdição”- para mostrar a rapidez de novela de Camilo CB, o seu discurso pobre de artifícios retóricos - embora não da ironia adjectivante de troça vária entre as quais a do no tamanho dos nomes próprios e outros jeitos burlescos, próprios da caracterização directa, com abundância dos verbos ter e ser - em confronto com a lentidão do ritmo queirosiano, impregnado de poeticidade evocativa e animista, de efeito sedutor:
Início de “AMOR DE PERDIÇÃO”
«Domingos
José Correia Botelho de Mesquita e Menezes, fidalgo de linhagem, e um dos mais
antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora
de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama do paço, D. Rita Tereza
Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo-Branco, filha dum capitão de
cavalos, e neta de outro, António de Azevedo Castelo-Branco Pereira da Silva,
tão notável por sua jerarquia, como por um, naquele tempo, precioso livro acerca
da Arte da Guerra……….. Domingos
Botelho devia ter uma vocação qualquer; e tinha: era excelente flautista; foi a
primeira flauta do seu tempo; e a tocar flauta se sustentou dois anos em
Coimbra, durante os quais seu pai lhe suspendeu as mesadas, porque os
rendimentos da casa não bastavam a livrar outro filho de um crime de morte……..».
Início de “O
MAIAS”
«A
casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na
vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas
Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco
nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com
um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma
tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto
tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do reinado
da Sr.ª D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assimilar-se-ia a um
Colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha decerto dum revestimento
quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo de Armas, que
nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado
por uma fita onde se distinguiam letras e números duma data.
Longos anos o Ramalhete permanecera
desabitado, com teias de aranha pelas grades dos postigos térreos, e
cobrindo-se de tons de ruína. ……………»
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