terça-feira, 16 de agosto de 2022

O problema é outro

Tenho presente a Revista “VISÃO” de 10/8/22, que, entre vários artigos de excelência contém o texto que faz o título central da sua capa O QUE É ESCREVER EM PORTUGUÊS?» seguido do subtítuloHá alguma regra infalível? A Língua Portuguesa está de boa saúde e recomenda-se? Usamos cada vez menos vocabulário? As respostas a estas e a outras perguntas sobre o Português que falamos e escrevemosextraído do texto de PEDRO DIAS DE ALMEIDA “TENTO NA LÍNGUA”, primeiro de uma série de estudos com questionários de apoio e informações várias, entre as quais a informação sobre títulos de livros de ordem vária sobre a língua portuguesa e sobre o AO90 que, contestado por alguns, em todo o caso, é seguido pelo autor dos excelentes trabalhos linguísticos desta revista que guardo com muito interesse, feitos por um estudioso que entrevista igualmente o linguista Fernando Venâncio, autor de “ASSIM NASCEU UMA LÍNGUA”, o qual nos dá conta dos seus estudos linguísticos, em Amesterdão, onde foi aluno do professor António José Saraiva, e nos esclarece sobre as origens variadas da língua portuguesa contestando o conceito que corre no nosso país sobre a pobreza da nossa língua, apontando, todavia, incorrecções específicas como essa doavisem os vossos pais”, em vez do lógicoavisai” da 2ª pessoa, ou o tratamento sinuoso do “você”, ou mesmo as deformações linguísticas criadas pelo receio de “ofender alguém”, em virtude  das questões degénero”, impeditivas do uso da designação “sexo” em consequência do hibridismo e das transformações possíveis…

Na questão de uma incorrecção muito comum – “mais mal/pior” ou “mais bem/melhor” creio, todavia, incompleta e mesmo ambígua a justificação apresentada. Transcrevo: “Mais mal” ou “mais bem” usa-se quando a expressão está associada a um adjectivo (neste caso “classificado”  - a) “o teu clube ficou pior classificado que o meu. b) O teu clube ficou mais mal classificado que o  meu” – Pior ou Melhor usa-se em associação a um verbo (exemplo): A tua equipa está a jogar pior”.

O certo é que antes de particípio passado não se usam as formas sintéticas dos comparativos “pior” ou “melhor” mas as formas analíticas “mais bem” ou “mais mal:  Ex: O melhor /pior aluno (Subst) nem sempre é o mais bem / mais mal comportado(p.p), embora trabalhe (vb) melhor /pior.

Quanto à pergunta feita a Edite Estrela sobre “escrever bem” ou se “podemos dizer que hoje se fala/escreve melhor ou pior português do que há duas ou três décadas?”, penso que não se trata de demonstrar maior ou menor insegurança com que uma língua é manipulada pelos seus falantes ou escribas ao longo dos tempos, nem de comparar as escritas dos clássicos com as dos contemporâneos, dada a natural evolução temporal, trazida também pelo engenho e singularidade próprios acrescidos do estudo dos escritores ou filósofos antigos ou contemporâneos influenciadores de cada artista escritor. Bons escritores sempre os houve, e temo-los de excelência, no nosso país, mas hoje admiramos inúmeros manipuladores da língua portuguesa em estilos vários, a que não falta a originalidade da arte de um Saramago, desfazedora dos convencionalismos sintácticos, como, de resto, já assistíramos no caso da “dessacralização da arte” dos poetas da “Geração de Orpheu”.  É certo que cheguei a comparar, nas minhas turmas, a introdução de “Os Maias” com a do “Amor de Perdição”- para mostrar a rapidez de novela de Camilo CB, o seu discurso pobre de artifícios retóricos - embora não da ironia adjectivante de troça vária entre as quais a do no tamanho dos nomes próprios e outros jeitos burlescos, próprios  da caracterização directa, com abundância dos verbos ter e ser -  em confronto com a lentidão do ritmo queirosiano,  impregnado de poeticidade evocativa e animista, de efeito sedutor:

Início de “AMOR DE PERDIÇÃO

«Domingos José Correia Botelho de Mesquita e Menezes, fidalgo de linhagem, e um dos mais antigos solarengos de Vila Real de Trás-os-Montes, era, em 1779, juiz de fora de Cascais, e nesse mesmo ano casara com uma dama do paço, D. Rita Tereza Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão Castelo-Branco, filha dum capitão de cavalos, e neta de outro, António de Azevedo Castelo-Branco Pereira da Silva, tão notável por sua jerarquia, como por um, naquele tempo, precioso livro acerca da Arte da Guerra………..         Domingos Botelho devia ter uma vocação qualquer; e tinha: era excelente flautista; foi a primeira flauta do seu tempo; e a tocar flauta se sustentou dois anos em Coimbra, durante os quais seu pai lhe suspendeu as mesadas, porque os rendimentos da casa não bastavam a livrar outro filho de um crime de morte……..».

Início de “O MAIAS”

«A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma tímida fila de janelinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de Residência Eclesiástica que competia a uma edificação do reinado da Sr.ª D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assimilar-se-ia a um Colégio de Jesuítas. O nome de Ramalhete provinha decerto dum revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no lugar heráldico do Escudo de Armas, que nunca chegara a ser colocado, e representando um grande ramo de girassóis atado por uma fita onde se distinguiam letras e números duma data.

Longos anos o Ramalhete permanecera desabitado, com teias de aranha pelas grades dos postigos térreos, e cobrindo-se de tons de ruína. ……………»

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