segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O esplendor breve


De vidas, afinal bem madrastas, para recordar sempre, mesmo num mundo impregnado de sombra.

Da Áustria para o mundo, com duas passagens pela Madeira. A irreverente imperatriz Sissi em 40 curiosidades

Nasceu na Alemanha, reinou na Áustria e na Hungria, esteve na Madeira, construiu um palácio na Grécia e continua hoje a ser admirada por todo o mundo. A vida de Sissi, entre o privilégio e a tragédia.

CAROLINA CARVALHO: Texto

OBSERVADOR, 28 ago 2022, 10:56 2 

O retrato que Franz Xaver Winterhalter pintou de Sissi será certamente o mais famoso da imperatriz. Mostra-a com 28 anos e com um vestido de Charles Frederick Worth

Corbis via Getty Images

Figura destacada no seu tempo e alvo de c uriosidade ainda hoje, a imperatriz Sissi continua a ser uma fonte de inspiração, como prova a nova série da Netflix, dedicada à sua vida. Seja pela beleza que se tornou lendária, pela personalidade irreverente para a época ou pelo facto de ter sido imperatriz de um poderoso império europeu, a história de Sissi ainda dá que falar, quando passam 124 da sua morte no dia 10 de setembro.

Para quem está agora a descobrir a história da imperatriz, “The Empress”, uma série em seis partes, conta a história de amor entre a jovem aristocrata Sissi e o imperador Francisco José, tem como cenário a rígida e opulenta corte de Viena no século XIX, há uma sogra autoritária e muita tragédia. A série tem data de estreia marcada para 29 de setembro e cabe à atriz Devrim Lingnau interpretar o papel principal.

A história desta mulher apaixonada pela Natureza e por viajar, tem também um capítulo em Portugal, mais precisamente na ilha da Madeira, por onde passou duas vezes. Quase 200 anos depois do seu nascimento, o culto continua vivo por isso reunimos 40 curiosidades para descobrir sobre Sissi.

Elisabeth Amalie Eugenie de Wittelsbach, duquesa na Baviera, nasceu a 24 de dezembro de 1837 em Munique. O pai dizia que foi “o seu presente de Natal” e foi também uma dos 10 filhos do duque Maximilian e da princesa Maria Ludovika da Baviera, filha do rei Maximilian I da Baviera.

A postura liberal do pai permitiu-lhe ter uma infância pouco convencional para uma pessoa de classe alta.

Sissi (ou Sisi) foi a alcunha dada pela família desde pequena e que se viria a tornar o nome pelo qual ficou conhecida.

A mãe de Sissi era irmã da mãe do imperador Francisco José I da Áustria, a arquiduquesa Sofia. Com o objectivo de arranjar uma noiva para o jovem imperador, as duas irmãs uniram esforços e prepararam um encontro para que este conhecesse a irmã mais velha de Sissi, Helene. Os planos das irmãs incluiam casar Sissi com o irmão mais novo do imperador. O encontro para que o imperador e Helene se conhecessem teria lugar na cidade de Bad Ischl, um popular destino de férias de membros da realeza na época.

A irmã mais nova foi apenas para se distrair, porque estava a sofrer com um desgosto amoroso. Contudo foi por ela que o imperador se apaixonou.

Sissi casou com Francisco José I, imperador da dinastia Habsburgo e do império austríaco, que na época ocupava um grande território na Europa. Chegou ao trono em 1848, com 18 anos, porque o tio, imperador anterior, não teve sucessores directos.

Passaram oito meses desde que Sissi e Francisco José se conheceram até se casarem. Durante esse tempo Sissi completou 16 anos e teve de passar por uma formação intensiva para ser imperatriz, entre outras coisas, aprendeu a falar francês.

Chegou a Viena com 24 baús, nos quais levava um enxoval onde constavam, por exemplo, 17 vestidos de gala, 14 vestidos de decote fechado, seis trajes de dormir, 19 vestidos de verão, quatro crinolinas, seis casacos, cinco capas em veludo ou tecido pesado, 14 dezenas de camisas, seis dezenas de combinações, seis pares de sapatos e 20 dezenas de luvas, conta a Vanity Fair. No entanto, para uma futura imperatriz, tudo isto era pouco.

O casamento aconteceu a 24 de abril de 1854 às 19h00 na Igreja dos Agostinianos, em Viena.

A cerimónia terá sido iluminada por 15 mil velas, para que todos os convidados apreciassem a beleza da futura consorte. Sissi tornou-se imperatriz da Áustria e rainha consorte da Hungria. Tinha na altura 16 anos e o noivo 23.

Os primeiros anos de casamento terão sido “uma experiência traumática” para Sissi. A nova imperatriz teve muita dificuldade em adaptar-se a uma corte de Viena extremamente conservadora e na qual não tinha qualquer privacidade. Sissi era uma pessoa “altamente inteligente, sensível e com pouco apreço pelas formalidades de etiqueta” e, nos primeiros anos de casamento, “não correspondeu às expectativas colocadas numa imperatriz pela sociedade da corte”, lê-se no 

Sissi tinha uma paixão pela Hungria. Gostava do idioma, da cultura e o palácio de Gödollö seria um dos seus preferidos. Este interesse tornou-a muito popular por lá.

No entanto, esta simpatia era perigosa porque a Hungria não gostava de estar sob a alçada da Áustria.

Em 1857 o casal imperial fez uma viagem pela Hungria e Sissi quis levar as duas filhas que tinham então, embora a sogra se tenha oposto. As pequenas ficaram doentes com febres e a primogénita, Sofia, acabaria por morrer. Sissi sentiu-se culpada e ficou muito abalada, de tal forma que quando o filho varão, Rudolf, nasceu no ano seguinte, não se sentia capaz de tratar dele.

Sissi e Francisco José tiveram quatro filhos. Sophie em 1855 (que viria a morrer antes de completar dois anos), Gisela em 1856 e Rudolf, o herdeiro, em 1858. A imperatriz teve três filhos, antes de fazer 21 anos. A última criança seria Marie Valerie, que nasceu em 1868.

A sogra, a arquiduquesa Sofia, era extremamente controladora e dificultou muito a vida de Sissi. Morreu em 1872. Considerava a nora muito imatura para tratar dos filhos e afastou-a do crescimento dos três primeiros, o que fez com que a imperatriz não tivesse criado uma boa relação com eles e levou-a mesmo a uma fase de exaustão e depressão. Só com a quarta filha, Sissi, teve oportunidade de desempenhar o papel de mãe.

Depois do nascimento do filho, Rudolf, Sissi sentia-se doente. As estadias em spas para tratar da sua saúde serviram para a afastar da vida da corte durante curtos períodos. Contudo em 1860 rumou à ilha da Madeira, na altura um destino terapêutico, mas bem longínquo, para se refugiar e tratar problemas respiratórios num ambiente mais quente. Chegou a 29 de novembro e foi recebida por várias personalidades e pela população que a queria ver. Desembarcou às 10h00 no porto da Pontinha.

A frota austríaca estava focada na guerra e foi a rainha Victoria de Inglaterra que emprestou a Sissi dois dos seus iates para que a imperatriz viajasse até à Madeira, o Victoria & Albert e o Osborne, com pessoal de bordo e mantimentos, como se pode ler no site do Arquivo da Biblioteca da Madeira. Sissi e a sua comitiva ficaram instalados na Quinta Vigia, propriedade da família do comerciante britânico Richard Davies.

Passou na Madeira todo o inverno, incluindo o seu 23º, o Natal e a Páscoa. Ao fim de seis meses, estava curada, mas adiou o regresso à Áustria para poder fazer um cruzeiro no Mediterrâneo. Logo depois voltou a casa a pedido do imperador.

Durante a estadia na ilha foi fotografada por Vicente Gomes da Silva. O prestigiado fotógrafo português captou a imagem da imperatriz no jardim da quinta onde estava instalada, rodeada pelas suas damas de companhia.

Em 1893 regressou à Madeira, mas em incógnito. Contudo a imprensa foi dando conta dos seus passos. O Diário de Notícias relatou as “excursões a pé” da imperatriz, por exemplo, ao Monte, à Camacha, ao sítio da Torre, quinta das Cruzes, Achada.

Chegou no final de dezembro no iate a vapor Grief, celebrou o seu 56º aniversário e o Natal na ilha e partiu no início de fevereiro, em direção à Maiorca. Desta vez ficou hospedada no hotel Reid’s, que tinha sido inaugurado há apenas dois anos.

Em 1861, logo depois de regressar da Madeira teve uma recaída, mas desta vez foi para a ilha grega de Corfu. Lá, Sissi apaixonou-se pela Grécia, não só decidiu aprender grego, como também construir um palácio na ilha de Corfu, que fica no Mar Jónico junto à costa grega virada para Itália. O Palácio Achilleion fica a 10 quilómetros do centro da cidade, é uma obra arquitetónica em estilo Neoclássico e deve o seu nome ao herói da guerra de Tróia, Aquiles.

Quando regressou de vez a Viena, em 1861, Sissi era uma pessoa diferente, muito mais madura e confiante. Começou a exigir o seu próprio espaço e até que ela e o marido tivessem quartos diferentes, algo bastante invulgar naquela corte.

O príncipe Rudolf, herdeiro do império austro-húngaro, morreu em 1889, aos 31 anos. Há duas teorias sobre o que  terá levado à sua morte precoce. Uma diz que terá sido assassinado. Outra aponta um pacto de suicídio com a amante, Mary Vetsera. A partir da morte do filho, Sissi passou a vestir apenas de negro.

Na véspera da partida de Sissi de Munique em direcção à sua nova vida como imperatriz da Áustria, houve um baile de despedida no qual foi a protagonista. Na ocasião, usou um vestido com crinolina que criava uma ampla saia em balão, era branco com apontamentos em verde e, à volta da saia estava decorado com a frase “Oh my Lord, que lindo sonho”, repetidamente e em árabe. O vestido foi preservado e está uma réplica em exposição no Museu Sissi.

O vestido da coroação enquanto rainha da Hungria será um dos mais famosos de Sissi. Para a ocasião, em 1867, a imperatriz usou uma criação de Charles Frederick Worth, um inglês que ditava as regras da moda em Paris, é considerado o primeiro criador de alta-costura. Tinha como cliente principal a imperatriz Eugénia de França, mulher de Napoleão III, mas também tinha clientes em outras casas reais da Europa. Sissi era uma dessas famosas clientes e o seu vestido da coroação foi inspirado no traje tradicional húngaro. A exuberante peça tem uma ampla saia rodada branca com aplicações em renda e um corpete em veludo azul escuro com decote barco e uma decoração em pérolas no peito. Uma reconstrução deste vestido pode ser vista no Museu Sisi, em Viena.

O retrato que Franz Xaver Winterhalter pintou de Sissi será certamente o mais famoso da imperatriz. Mostra-a com 28 anos com um vestido de Charles Frederick Worth que usou no casamento do seu irmão Carlos Teodoro. O vestido branco com estrelas em diamante condiz com as estrelas joia que adornam o seu cabelo.

Sissi apenas deixava que alguns artistas a retratassem e, por isso, há poucas obras que mostrem a imperatriz.

As famosas estrelas joia com que Sissi adornava o cabelo foram uma encomenda à casa joalheira de Viena Köchert and Pioté. Das 27 estrelas em diamantes e pérolas que mandou fazer deu algumas às suas damas de companhia e as restantes ficaram para a sua família. A sua neta, a arquiduquesa Elisabeth (filha do príncipe Rudolf) usou as estrelas quando se casou, em 1902.

Nos terrenos do palácio de Schönbrunn, a imperatriz mantinha uma pequena quinta com vacas para assegurar produtos lácteos, essenciais na sua dieta.

Sissi tinha um extremo cuidado com o seu físico. Caminhava durante horas. Fazia muita ginástica e terá mandado instalar aparelhos para exercício físico em todos os seus palácios, algo pouco usual em alguém da sua classe naquela época.

Adorava montar a cavalo. Mas na década de 1880 teve de deixar a atividade por motivos de saúde.

Retrato que Franz Xaver Winterhalter fez e Sissi, quando a imperatriz tinha 28 anos.

Era admiradora do poeta alemão Heinrich Heine e ela própria começou a escrever poesia. Deixou escrito em testamento que os seus poemas só poderiam ser publicados 50 anos depois da sua morte.

A beleza da imperatriz era conhecida além fronteiras e a aparência era uma das suas grandes preocupações. Com o avançar da idade começou a usar véus e chapéus que escondessem o rosto e não permitissem ver que estava a envelhecer.

Todas as manhãs dedicava cerca de uma hora a vestir um dos seus justos corpetes. Durante anos manteve uma cintura de 45 cm e media 1,72 m de altura.

Sissi tinha uma longa cabeleira e, reza a lenda, dedicava cerca de três horas do seu dia a penteá-la.

A 10 de setembro de 1898 Sissi e a condessa húngara Irma Sztaray passeavam junto à margem do lago Léman, em Genebra, quando um homem chocou com ela e a atirou ao chão. A princípio parecia estar bem e, depois da confusão, levantou-se e apanhou o barco para Montreux. Já a bordo, desmaiou e então, ao desapertarem-lhe o casaco para que respirasse melhor, percebeu-se que sangrava. Havia sido apunhalada no peito com uma lâmina de 24 centímetros. Morreu no espaço de uma hora. O autor, Luigi Lucheniy considerava-se anarquista, foi condenado a prisão perpétua e acabou por se enforcar quando estava preso.

Sissi morreu com 60 anos e foi enterrada a 17 de setembro na Cripta Imperial, localizada por baixo da Igreja dos Capuchinhos, em Viena. Francisco José viria a morrer em 1916 e foi o último imperador a ser sepultado nesta cripta.

 

A série da The Empress, da Netflix, não é a única produção deste ano que se inspira na vida da imperatriz Elisabeth. O filme “Corsage” foca-se no Natal de 1877, quando completa 40 anos e tem de lidar com o avançar da idade. Vicky Krieps veste a pele da imperatriz.

Para trás, mais precisamente na década de 1950, a actriz Romy Schneider protagonizou Sissi no cinema numa trilogia de filmes que ficou muito famosa. “Sissi” (1955); “Sissi, a Jovem Imperatriz” (1956) e “Sissi e o Destino” (1957). Durante anos estes filmes foram clássicos obrigatórios da época natalícia na Alemanha.

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COMENTÁRIOS:

Maria Nunes: Artigo interessante.

João Ramos: Devia ter sido uma mulher com uma personalidade muito interessante e corajosa, além de muito bonita!

 

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