segunda-feira, 21 de junho de 2021

De fora para dentro


Até a sufocação ser completa. Mais um texto alegórico do facebook de Luis Soares de Oliveira, muito curioso de actualidade, que retrata bem os nossos tempos de potências, que lutam encarniçadamente, com os seus truques próprios, pela sua exclusividade dominadora. E o Rei Xi da fábula é o que tem a estratégia mais compensadora, sem dúvida, para glória e proveito seus, até ver, (embora não me seja dado esse prazer a mim, limitada que sou à previsão)...

Facebook de LSO:

«Os Reis são três, mas dois são demais. O rei Jo quer ser só ele a mandar. Tem força, muita força, mais força do que qualquer outro e acredita que a força é o meio mais rápido, eficaz e duradouro de conquistar e reter o poder. O rei Vladimir crê que a dissimulação, delação, subversão, suborno e semelhantes esquemas o ajudarão a dominar os seus rivais. Por seu turno, o rei Xi opta pela paciência, subtileza e acumulação gradual de vantagens relativas.… É hábil jogador do Wei tchi, (jogo do cerco). Num tabuleiro de 180 peças procura pouco a pouco imobilizar as peças do adversário e sabe que isso é um exercício demorado. Enquanto o xadrezista ataca pelo centro, o wei tchi vai preenchendo espaços vazios a começar pelos periféricos (Vietname, Hong Kong, irão, África ) até privar o adversário de mobilidade. Sem espaço, de nada serve a força

Um texto arrepiante, está visto, pela antevisão. E não posso deixar de relembrar o polvo de Vieira, para o caso da dissimulação do rei Vladimir, para mostrar quanto aqueles – polvo e rei Vladimir - são, afinal, uns anjinhos, nas suas maroscas dissimuladoras, se em confronto com as da habilidade estratégica do sereno rei Xi. Polvo, estás perdoado! Quais tintas mistificatórias! “De fora para dentro”, é o que está a dar.

Quanto ao Rei Jo da força, qualquer fábula de fortes se lhe equipararia, a do “Lobo e o Cordeiro” sendo uma delas, Lobo que, as mais das vezes não passa de um anjinho às mãos de uma qualquer Raposa finória, mesmo sem ser do tipo tranquilo do Rei Xi, bastando-lhe, por vezes, uma teoria da relatividade desmistificadora

Eis o tal retrato do Polvo, segundo o Padre António Vieira, no seu “Sermão de Santo António aos Peixes”, que nos apraz relembrar:

«Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que S. Basílio e Santo Ambrósio. O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja latina e grega, que o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é o que www.nead.unama.br 18 abraça e mais o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante; traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras. O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as cores. Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor!

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