A respeito da forma como se soltam os cabedais dos bolsos – ou dos depósitos bancários dos contribuintes. Não há como ser-se formado em Economia, para se poder atentar melhor nas práticas dos desmandos do protocolo governativo habitual – cobrar o imposto e pedir o empréstimo, também em páginas imorredouras como estas de Eça de Queirós, que a cada passo lembramos:
«- Então,
Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados, que aquela questão
do empréstimo era grave. Uma operação tremenda, um verdadeiro episódio
histórico!...
O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu,
com autoridade, que o empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os
emprestamos em Portugal constituíam hoje uma das fontes de receita, tão
regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação mesmo
dos ministérios era esta - cobrar o imposto e fazer o empréstimo. E assim se
havia de continuar...
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo,
o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota.
- Num galopezinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen,
sorrindo. Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios
ministros da fazenda!... A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hein! E todos
escutavam o Cohen. Ega, depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os
cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.
- A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela
- continuava o Cohen - que seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer
falir o país... »– Cap. VI de OS MAIAS.
Quanto à finalidade do novo imposto agendado,
segundo estas páginas de Salles da Fonseca, assentes numa realidade comprovativa da romanceada
há cerca de um século e meio, mas agora acrescida dos generosos intuitos de
liquidar umas pontas soltas de capitalismo ainda estrebuchante, numa de
aplainamento social virtuoso e tépido para os corações, ansiosos de
igualitarismo, na fauna humana – que na outra fauna nem sempre se estabelece, e
até por isso se lhe chamou a “lei da selva”, de regência do mais forte, é claro
- Salles da Fonseca explica, com a necessária competência de perito, igualmente
recorrendo à aritmética que se dava aos meninos, de somas e o resto das
operações capitais, exigindo a fixação da tabuada para memorizar. Leiamo-lo:
HENRIQUE SALLES DA FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 07.06.21
Rejubilam as parangonas com o agendamento pelo G7 do «imposto comum» mas, até mais ver, tudo é fumaça.
E já se diz que será uma taxa de 15%.
Muito bem, pergunto então sobre que
valores se aplicará a dita taxa e para que servirá o produto arrecadado.
Obviamente, ninguém que esteja munido
de alguma seriedade saberá responder. São, portanto, parangonas balofas.
Dá-se na aritmética aos meninos de escola que aplicar
uma taxa a produtos diferentes produz resultados díspares e que o efeito
distributivo da receita pública é matéria muito volátil.
Começando pelo fim, o «imposto
comum» será cobrado pelos Fiscos nacionais e não reverterá para um bolo comum,
será receita de cada Estado. Ou
seja, total ausência de solidariedade internacional e apenas aumento da carga
fiscal em cada país.
E quanto aos tais 15%, aplicados a bases
tributadas calculadas sabe-se lá como, vão por certo gerar uma distorção da
concorrência fiscal entre os Estados.
O júbilo das parangonas, tendo
subjacente o espírito de «partir os dentes ao capitalismo», não tem o cuidado
de ver o logro em que um pouco de estudo poderia evitar o ridículo em que está
a cair.
Rapidamente, a taxa é o último ponto a
tomar em consideração num processo destes. Tudo tem de começar pela aprovação
internacional de um POCI – Plano Oficial de Contas Internacional como, ao
fim de décadas de trabalhos, a Europa já conseguiu fazer. Só assim se poderá ter uma «linguagem contabilística comum» e saber
que aquela despesa é tratada do mesmo modo em toda a parte, que aquela provisão
se destina exactamente ao que ficou internacionalmente estabelecido, etc.
E só quando este trabalho estiver concluído é que poderá passar a haver
alguma transparência na concorrência fiscal entre Estados com duas vertentes
essenciais: o método de
cálculo das matérias tributáveis (quais as despesas dedutíveis) e quais as
taxas a aplicar assim determinando as matérias colectáveis. Ganhará a
competição o Estado que mais despesas permitir deduzir e taxas mais baixas
aplicar.
Daqui resulta que a discussão começou
pelo fim, a «casa» começou a ser construída pelo telhado e em breve ninguém
mais saberá do que está a tratar.
Havia
que mexer nalguma coisa para que tudo ficasse na mesma.
«Joe Biden, 15 – G7, zero».
Tags: economia
COMENTÁRIOS
Anónimo 08.06.2021 18:07: Caro Dr. Salles da Fonseca, Decide-se (e
regulamenta-se) não para alcançar determinados objectivos económicos claramente
demonstrados, mas para os cabeçalhos dos jornais e as aberturas dos
telejornais. É esse o grande objectivo. O único consolo (se é que isto pode
servir de consolo) é tudo isto mostrar à evidência que a mediocridade, afinal,
não é uma doença que só grassa entre nós.
Adriano Miranda Lima 08.06.2021: Por uma razão qualquer, não saiu a identificação. Este é um útil esclarecimento para quem, como eu, criou uma expectativa muito favorável relativamente a esta notícia. Oxalá não venha a ficar tudo na mesma, como parece deduzir-se, com pessimismo, das palavras do Dr. Salles da Fonseca. Todavia, a rasoira eficaz sobre a evasão fiscal terá de passar pelo desmantelamento de todos os offshores, o que exigirá necessariamente um consenso alargado tendo em vista o reforço da regulação global neste domínio. Adriano Miranda Lima
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