domingo, 27 de junho de 2021

Um texto de opinião


De alguém que desde sempre lutou pela causa da justiça social e que foi evoluindo e mudando nos seus conceitos, à medida que ia reparando em quanta injustiça se esconde por trás das boas intenções do favoritismo social discriminatório. E os seus textos tornam-se exemplares de reflexão, sanidade mental e elegância expositiva. Refiro-me a António Barreto.

OPINIÃO: Livres e iguais 

Criar a igualdade à força só com enorme prejuízo da liberdade. O combate contra o racismo, nas suas modalidades radicais, degenera rapidamente em racismo.

ANTÓNIO BARRETO          PÚBLICO, 26 de Junho de 2021

A mais temível ameaça actual contra a liberdade e a democracia é a desigualdade. Seja esta social, racial, cultural, política ou económica. A desigualdade crescente envenena de tal modo as relações sociais que a liberdade e a democracia se encontram sob ameaça. No passado, a pobreza estava escondida e a desigualdade disfarçada. Hoje, uma e outra são universalmente visíveis. Associada a outros factores de carácter político e cultural, a desigualdade é fonte de conflitos que põem em causa a solidez das instituições. Por isso, é o mais premente.

Esperava-se que a democracia poderia liquidar as desigualdades. Há décadas que essa luta prossegue, com notáveis vitórias da democracia. Na política, na escola, na economia, na saúde, no trabalho e na cultura, as vitórias da democracia são inegáveis. A criação de sistemas de saúde e a promoção da escola para todos deram um enorme contributo para a democracia. A solidez dos Estados de protecção social é talvez o mais seguro alicerce da democracia contemporânea.

Ainda há número excessivo de casos de pouca ou nenhuma liberdade e de demasiada desigualdade. Nas fábricas da China e da Índia, nos bairros urbanos de África e nos campos de refugiados do Próximo Oriente, não faltam sociedades sem liberdade, sem democracia e com enorme desigualdade. E mesmo em democracias não é raro encontrar fenómenos de grande desigualdade e fragilidade social. Mas é consolador verificar que, no mundo, justiça e igualdade têm uma correlação forte com democracia e liberdade.

Mas a desigualdade ameaça também a liberdade de modos imprevistos, os de certos tipos de luta contra a desigualdade. Como se viu em tantas experiências ditas comunistas, da União Soviética à China, da Albânia ao Camboja. Criar a igualdade à força só com enorme prejuízo da liberdade. O combate contra o racismo, nas suas modalidades radicais, degenera rapidamente em racismo. A luta contra a autoridade provoca frequentemente o nascimento de poderes autoritários. Sem mérito, a luta pela igualdade educativa pode provocar empobrecimento do conhecimento.

Ora, as políticas de promoção da igualdade, indispensáveis para consolidar a democracia e criar justiça social, devem ser aceites pela maioria dos contribuintes e dos eleitores. Caso contrário, estão condenadas. A política de combate à desigualdade não deve ser de tal modo concebida que se transforma ela própria em fonte de desigualdade e de injustiça. Com o objectivo de promover a igualdade, não se devem criar situações em que as minorias, os grupos vulneráveis, os segmentos mais fracos da população e os grupos mais frágeis acabem por se encontrar em situação privilegiada relativamente aos que não foram beneficiados por intervenções oficiais, mas que vivem do seu trabalho, dos seus rendimentos e dos seus esforços.

São nefastas as leis e as políticas destinadas a promover direitos de grupos especiais, a conceder privilégios que causem nova injustiça. Os direitos gerais devem ser promovidos de modo igual para todos. Os direitos são dos cidadãos, dos seres humanos, não de minorias ou de grupos, de velhos, de mulheres, de crianças, de doentes, de LGBTQ, de imigrantes, de negros, de ciganos, de transmontanos ou de ilhéus.

A promoção do imigrante, da mulher, do negro, do judeu, do trabalhador, do desempregado, do analfabeto, do recluso e do doente não deve fomentar a criação de novos grupos, mas sim aquilo a que se chama actualmente a inclusão. A inclusão deve aumentar a integração e não a construção de sociedades fragmentadas, em tabuleiros de xadrez ou em guetos.

É racista a lei que crie sistemas e dispositivos especiais para certos grupos com características ditas raciais particulares. É racista a política que crie e defenda privilégios, garantias e direitos especiais para qualquer grupo nacional. São sectárias e desiguais as leis e as políticas destinados a proteger direitos gerais a grupos especiais.

A última fantasia da União Europeia é a da aprovação de uma moção de apoio às pessoas ditas LGBTIQ+ e de condenação da legislação repressiva húngara. Muitos países assinaram. Portugal não assinou, mas disse que estava de acordo. Parece Bill Clinton, que fumou mas não engoliu. A verdade é que este texto, carregado de boas intenções, é mais um passo no mau caminho: o que gradualmente constrói uma nova ortodoxia, um mundo feito de fragmentos, de federações e de comunidades rivais.

A propensão demagógica para criar direitos e favorecer grupos tem levado a criar um Estado repleto de novos confrontos. Não se passa um dia sem que surjam novos direitos para novos beneficiários, aumentando ou insistindo na separação, em vez de integração. Direitos dos trabalhadores, das crianças, dos velhos, dos imigrantes, dos negros, dos ciganos, dos rurais, dos urbanos, dos residentes no interior, dos analfabetos, dos LGBTIQ, dos desempregados, dos estudantes e dos doentes são direitos sectários, desiguais, racistas e discriminatórios. Todos esses direitos e garantias podem simplesmente ser os direitos de todos, dos residentes, dos cidadãos ou simplesmente dos humanos. Caso contrário, transformam-se em privilégios. Que aliás são, entre nós, favorecidos pela Constituição, que consagra mais direitos parcelares e de grupos especiais do que se pode imaginar.

O importante é a desigualdade e a pobreza. Seja esta moral, educativa ou económica. Saúde? Educação? Alojamento? Alimentos? Rendimento? Não faltam preocupações para um governo. Mas não deveria ser especialmente para ciganos ou negros. Nem para gente do interior ou dos subúrbios. Se for, é racismo, privilégio ou desigualdade. Se for para todos, é mais fácil que a população aceite e o contribuinte pague. É mais fácil que as populações aceitem politicamente pois não são forçadas a ajudar grupos especiais.

Propinas especiais para negros? Para ciganos? Para asiáticos? Nem pensar. Será racismo, desigualdade e discriminação. E é provável que a maioria da população e dos contribuintes não esteja de acordo. Bolsas e subsídios, incluindo custos de propinas, para todos os que não têm? Todos os que precisam? Sim e é mesmo possível que grande número dos beneficiários venham a ser negros, ciganos e imigrantes. Mas não é por isso, por serem negros, ciganos e imigrantes que são apoiados, mas simplesmente porque são pobres, porque não têm recursos e porque merecem.          Sociólogo

TÓPICOS

RACISMO  INCLUSÃO  DESIGUALDADES  ESTADO  CONSTITUIÇÃO  PORTUGAL  EDUCAÇÃO

COMENTÁRIOS:

Zé Goes EXPERIENTE: Obviamente que o Dr. António Barreto tem toda a razão.           Ahfan Neca INICIANTE: Excelente artigo. Uma pedra no charco, atirada por uma das raras pessoas que em Portugal ainda sabem pensar.              Filipe Paes de Vasconcellos INICIANTE: António Barreto mais uma vez lapidar. Que excelente pensador que de forma tão simples coloca conceitos essenciais de um Estado democrático. Claro que haverá sempre uma cambada de inúteis que com a sua imbecilidade não concordarão.            zav60.911576 EXPERIENTE: Se há coisa boa no AB é que ele, desde Nov/76 só enganou os que quiseram ser enganados: até Mário Soares, quando o nomeou para o MAP, em substituição do titubeante Lopes Cardoso, sabia bem que ele era o figurante ideal para cumprir o seu objectivo de “quebrar a dentadura do PCP” – já nessa altura, AB seguia o lema que é título deste seu artigo: todo ele era a favor de que os antigos operários agrícolas dos latifúndios, “colectivizados” à força pelos “comunas”, pudessem ser “Livres e iguais” aos seus restantes concidadãos e tivessem acesso ao sacro-direito pequeno-burguês da “propriedade privada”. Deduzo que toda a gente saiba como acabou o Alentejo e os ex-operários agrícolas convertidos em pequeno-burgueses proprietários de um quintalzeco… é o recente escândalo nacional de Odemira.              José Luís Sousa EXPERIENTE: As políticas de diferenciação positiva de pessoas de determinados grupos, excepto em situações muito específicas como uma deficiência, são a aceitação do falhanço das políticas sociais do estado. Quando uma escola não ensina, quando não há disciplina que promova a aprendizagem, quando aos alunos não se ensina rigor e a necessidade de esforço é natural que os mesmos não obtenham resultados. Culpa-se a classe média por providenciar explicações e afins, quando devíamos culpar o estado por não providenciar ambientes salutares dentro da escola. O problema é a política da moda, quando devíamos olhar para o que na realidade funciona. A Coreia do Sul era um país de terceiro mundo há 60 anos. A China nos anos 90 era, mesmo nas suas áreas urbanas de uma pobreza atroz. Vejam aonde chegaram           Bernardes Bernardes.794365 INICIANTE: Quem não engoliu foi a Mónica. O Bill só não inalou            Orlando-FigueiredonINICIANTE: Populismo, demagogia, saudosismo e muito cinismo.                  Fowler Fowler EXPERIENTE: Só um conservador dos quatro costados, armado em liberal para inglês ver, consegue escrever um texto destes onde a palavra solidariedade não existe e a “inclusão” é palavra vã. Políticas sociais não é com ele. Nem com a Direita radical com a qual se parece identificar.       viana EXPERIENTE: Quanto às pessoas LGBTIQ+, diga-me lá o António Barreto que privilégio ou direito estas pessoas pedem que esteja vedada às outras? A legislação húngara retira privilégios a estas pessoas, algum direito que outras pessoas não tenham? O que mete mais dó nos seus textos, e neste em particular, é ver em tempo real a degradação das suas faculdades mentais. É confrangedor ler um texto que encadeia frases que se contradizem, "raciocínios" circulares, ideias contraditórias, enfim vergonhoso para quem aparentemente ainda se considera um cientista social, um sociólogo.                    viana EXPERIENTE: Apoiado! Vamos lá deixar de favorecer certos grupos, como por exemplo os CEOs, os proprietários, os futebolistas, pá todos aqueles que têm direito (ou não têm direito?....) a uma remuneração e a usufruir de benesses (isto é, direitos) que a grande maioria não tem ou pode. Porque é que o Estado há-de favorecer estes grupos? Porque trabalham mais, se esforçam mais? A sério?!... O Ronaldo esforça-se mais do que a senhora Zita que se levanta às 5 da manhã para trabalhar 10h por dia como empregada doméstica e a lavar escadas, e deita-se à meia-noite depois da lida doméstica?! O Ronaldo não é um privilegiado, protegido pelo Estado, relativamente à senhora Zita? O AB também não é? Então afinal este texto ataca pretensos privilégios de outros mas deixa intocados os seus, ou não os tem?...             Colete Amarelo INFLUENTE: Correcto.               Fowler Fowler EXPERIENTE: A pessoa que afirmou, por várias vezes, que a Justiça funcionava melhor no tempo da ditadura é a mesma que agora diz que, nesse tempo, “a pobreza estava escondida e a desigualdade disfarçada.” É caso para dizer que o sr. Barreto desde jovem não consegue ver um palmo à frente do nariz ou, para os crédulos, um caso de degenerescência.               Alberto Pereira INFLUENTE: Em Setúbal, há 30 anos, um munícipe, que necessitava de uma casa da câmara, perguntou, ao então presidente, se "era necessário pintar a sua pele de preto para a Câmara lhe dar uma casa". Isto Há 30 anos ....               cidadania 123 EXPERIENTE: Excelente análise. As políticas de discriminação positiva são isso mesmo: discriminação! E que só é positiva para uma parte. Importa não esquecer que por cada um que é artificialmente beneficiado está alguém com maior mérito que foi prejudicado. Questão diferente é tratar diferente o que é diferente, nomeadamente a deficiência, ou ou p.ex., testes de natureza física entre homens e mulheres. Vivemos num país de mediocridade, onde cada um procura valer-se de um qualquer privilégio, porque o mérito não é muitas vezes razão suficiente para progressão social. Um exemplo dessa sociologia ideológica, é a discriminação baseada na estatística de que o sucesso depende do nível de estudos dos pais. Ganham o estatuto de vítima que deve ser apoiada: milhares de portugueses de sucesso contrariam isso...              GMA EXPERIENTE: Óptima reflexão do Professor António Barreto!               André Nascimento INICIANTE: Olhei para o título da crónica e suspirei “é melhor nem ler”. Todas as fibras do meu corpo gritaram “ não faças isso, está um lindo dia, não te chateies”. Ignorei-as. Comecei a ler, “isto até está porreiro, estava a ser injusto”…depois lá desapareceu o sociólogo respeitado, e apareceu o tio chato. O texto é uma mistura de conservadorismo bacoco e achismos chatos. Não, as políticas de inclusão não prejudicaram o conhecimento, nunca como agora se produz conhecimento e a uma velocidade muito superior. Era óptimo que mentalidades e preconceito estrutural se alterassem do dia para noite, mas nunca aconteceu, políticas de inclusão a jusante combatem a injustiça agora e contribuem para mudança , até podem ser episodicamente injustas , mas injustiça por injustiça é preferível aquela que protege os mais fracos os mais atingidos pelo preconceito. Quanto à questão da Hungria…nem sei o que escreva, é tudo mau. É uma mistura da história da carochinha com os argumentos de uma direita sonsa e aparentemente frágil. Já não há muita pachorra.           Magritte EXPERIENTE: Não conseguiria escrever melhor se tentasse! Tive exactamente a mesma experiência: do 'não vou ler isto" a "até nem está mau" acabando na desilusão. A escola que Barreto - e Bonifácio - vão trilhando por aqui (mistura de academismo ignorante e cruzada contra o politicamente correto) tem neles o seu zénite. As fileiras do meio são populadas por personagens como Rui Ramos do observador e entre o refugo e o meio está o JMT. Aí está uma pirâmide bem deprimente! Joao Garrett EXPERIENTE: Excelente, um bálsamo de inteligência e bom senso neste nosso mundo insano! Para meditar a sério.              EuQuixoteEXPERIENTE: Concordo com o António! Até que enfim vem alguém defender que o caminho é igualdade para todos, não a descriminação, a negativa e a positiva que só causam conflito.            Catarina Fiolhais INICIANTE O texto do Professor está bastante bom, mas, possivelmente, do mesmo, não estará ao alcance de todos compreender a essência da questão. A forma como a extrema-esquerda universitária americana, que capturou o PD e os media, tem vindo a instrumentalizar as raças e a conceber e aplicar embustes como 'anti-racismo' e 'equidade/igualdade de resultado', são racismo em estado puro. Racismo biológico, anti-branco. A maior tragédia, porém, é que o percurso de tal insânia se faz conduzindo a totalidade da sociedade ocidental de volta à idade da pedra e à mediocridade. Para 'incluir' os incapazes, exigir que a matemática o seja, passou a ser 'racista', as Leis da Física, são agora 'racistas', o Latim é 'racista'; música? substituída por grunhidos obscenos e barulho computadorizado. A Cinha, ri, ri muito.            Luís bernardo INICIANTE: Tratar alguém por Professor é racismo puro, discrimina, apela ao conceito de casta.               Jose MODERADOR: Caro Luís bernardo "Tratar alguém por Professor" será servilismo, classismo elitista ou outros anacronismos, mas não é necessariamente racismo. A humanidade é uma espécie entre milhões de espécies da biodiversidade. Não há raças entre a espécie humana. A ignorância precede o conhecimento. Foi a ignorância de ancestrais sábios que permitiu a Aristóteles admitir que a sua democracia de Atenas incluía cidadãos e excluía os que nasceram para escravos. Arrepia, apesar de ser um conceito com cerca de 2,5 milénios. O racismo de que hoje se fala é filho do colonialismo que tomaram os colonizados como bestas de trabalho para uso, abuso e comercialização. O colonialismo está aí de pedra e cal racista supremacista branco em todo o mundo. Essa é a luta! Anticolonialismo em todo o mundo!

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