Que com a sua cara impávida e serena
fingindo não estar a par de nada, numa de atrasado mental para despertar o
veredicto da impunidade que merecem todos os atrasados mentais, serviu
convenientemente a Sócrates – e a tantos
mais de idêntico calibre usurpador - para se esconderem por trás dele, fazendo
passar mais despercebidas as suas próprias falcatruas. O certo é que, contra a
imbecilidade não há resistência, e o aspecto de Berardo, de parolo
risonho e finório, que nada sabe e tudo nega e de todos assim troça, mereceu
sempre uma comiseração que fez arrastar o seu processo, o qual volta hoje à
tona, talvez para novamente cair no silêncio da indiferença e do esquecimento,
até se esgotarem os dinheiros externos, que nos possibilitam tal passividade
lorpa, de quem cai em todas as esparrelas, na indiferença astuta da nossa falta
de princípios e manha ancestrais, com que nos vamos desculpabilizando dos
nossos próprios artifícios de “rabos cortados
que somos, para aquém dos lagartos,
remexidamente”, apenas, como dizia o outro…
Felizmente que muitos ainda, e entre
esses, Maria João Marques, que o
descreve com saber e consciência, a isso reagem. Mas os focos de incêndio são tantos
e as águas para os apagar tão cada vez mais escassas, que não nos trazem
quaisquer laivos de esperança de outro modus
vivendi e essendi…
OPINIÃO: Então e quem decidiu emprestar dinheiro a
Berardo?
Se de um financeiro espertalhão não
espanta que não pague o que deve, já a incompetência de quem administra um
banco público é mais grave.
MARIA JOÃO MARQUES PÚBLICO, 29 de Junho de 2021
Qualquer
pessoa que assistiu à prestação de Joe Berardo na Comissão Parlamentar de
Inquérito à CGD em 2019 sentiu o coração aquecendo ligeiramente
quando leu ou ouviu a notícia que dava Joe Berardo detido por suspeitas de fraude fiscal,
burla agravada e branqueamento de capitais. O gozo e o desrespeito ostensivos de Berardo para com
os deputados da comissão de inquérito – e, donde, o gozo e o desrespeito para
com os eleitores que os deputados representam – foi um dos momentos mais
subterrâneos acontecidos na Assembleia da República nos últimos anos. Tendo em conta que a CGD recebeu de 2007 a 2019 mais de seis mil milhões
de euros de dinheiro dos contribuintes – incluindo daqueles que
passam horas nos transportes públicos para ir diariamente trabalhar e ao fim do
mês recebem umas centenas de euros –, e que as relações de Berardo com a CGD
deram um simpático contributo para tal cogumelo atómico, o desprezo evidenciado
sem pejo no Parlamento pelos danos causados aos seus concidadãos foi
insuportável de ver.
Mas
este caso de Joe Berardo tem outro lado, mais pestilento ainda. A saber: quem e por que razão decidiu que a
CGD deveria emprestar milhões de euros sem fim a Joe Berardo. Se de um financeiro espertalhão e sem sentido
ético desenvolvido não espanta que se se envolva em todos os esquemas para não
pagar o que deve, já a displicência, a incompetência e as motivações políticas
de quem administra ou tutela um banco público são mais graves, porque vindas de
quem tem obrigação de zelar pelo bem comum.
Os empréstimos da CGD a Joe Berardo
têm razão conhecida: a vontade do
governo de José Sócrates controlar o BCP. Há
uns anos, Jardim Gonçalves disse a este jornal, sobre
os sobressaltos do BCP naqueles anos, “O que sei é que o primeiro-ministro
[José Sócrates] e o ministro das Finanças [Fernando Teixeira dos Santos]
precisavam de ter um controlo mais fino do sistema financeiro para fazerem a
colocação da dívida pública. Mandavam na CGD e o BES era dócil e tomava a
dívida pública e o BCP era independente”. (Dívida
pública – aquela realidade que cresceu tanto durante os governos Sócrates que
os juros se tornaram incomportáveis, às tantas era considerada lixo e obrigou a
um resgate financeiro internacional em 2011.)
Vai daí, a CGD emprestou dinheiro a vários empresários
conhecidos, entre eles Joe
Berardo, para que comprassem
acções do BCP e forçassem uma administração amigável ao governo. Armando Vara (eterno presente em esquemas
estranhos) e Carlos
Santos Pereira estavam na administração da CGD quando os empréstimos
foram aprovados. E
terminaram ambos – grande coincidência – como administrador e
presidente do BCP. As
escolhas para os lugares cimeiros de ambas as instituições não terão
sido por mérito, certamente, uma vez que a
dupla está ligada aos piores momentos dos dois bancos.
Claro
que nos tempos socráticos esta rebaldaria entre negócios privados e públicos
era negócio como de costume. Ninguém investigou, poucos
criticaram. Os esquemas passaram-se em 2006 e
2007. Em 2017 (dez anos depois; perfeitamente a tempo, portanto), a esquerda
parlamentar encerrou a correr uma comissão parlamentar de inquérito à CGD para
impedir que o banco público tivesse de enviar aos deputados a lista dos grandes
devedores.
Segundo
a Polícia Judiciária, desde 2016 (há cinco anos, dez anos após os
eventos suspeitos – que ser
apressado causa burnout) investigam-se estes empréstimos, obtidos, suspeita-se,
por Joe Berardo através de “relações privilegiadas” com o governo Sócrates. A PJ “identificou procedimentos internos em processos de
concessão, reestruturação, acompanhamento e recuperação de crédito, contrários
às boas práticas bancárias e que podem configurar a prática de crime”. Estamos em 2021, investigando se há quinze anos os
governantes e os administradores de um banco público cometeram crimes na
concessão de um empréstimo. Mais um prazo perfeitamente normal para uma
investigação, claro.
A Polícia Judiciária
aparentemente também investiga a
ligação entre a cedência das obras do Museu Berardo expostas no CCB e estes
empréstimos da CGD a Joe Berardo. O acordo para a colecção de arte, cedendo o Estado em todas as exigências de
Berardo, foi duramente criticado pelo então Presidente da
República, Cavaco Silva, por desproteger os interesses públicos, e
inicialmente recusado com veemência pela então ministra da Cultura,
Isabel Pires de Lima. Porém, por artes mágicas, contra a
vontade do PR e da ministra, o governo Sócrates assinou o acordo vantajoso (e
repleto de ambiguidades) para Berardo.
Na
CGD, os empréstimos foram concedidos com a incompetência que a mistura
ilegítima entre interesses públicos e privados exigia. Um aval
pessoal de trinta e oito milhões de euros de Berardo à CGD nunca foi localizado.
Ninguém se lembra de ter proposto os empréstimos (a memória seletiva é sempre
conveniente). Quando Berardo fez a manigância de diluir os poderes dos bancos
na Associação Coleção Berardo, a CGD não deu pela perda de parte das garantias.
No
meio disto tudo, é impossível não nos repugnarmos com a impunidade de toda a
gente envolvida e garantida por – outra vez – toda a gente. Perante a decisão
da instrução da Operação Marquês, e tendo em conta prazos de prescrição,
só podemos sorrir com as investigações da PJ ao que se passou há quinze anos.
Servem para quê?
A
CGD foi descaradamente usada para servir os interesses de Sócrates e Berardo (e
outros), mas que fazer? Se tudo se passou à frente de toda a gente e ninguém
quis saber, por que nos incomodaríamos quinze anos depois?
Politicamente, também não haverá
consequências. As comissões parlamentares
de inquérito aos bancos estão transformadas em reality shows de gosto duvidoso
em que os deputados – e alguns têm excelentes prestações, como Cecília Meireles ou Mariana Mortágua – são gozados por empresários e gestores
desmemoriados e sem qualquer espírito cívico. O PS,
não querendo reclamar a herança socrática, finge afincadamente que o partido
não teve nada que ver com Sócrates, essa personagem duvidosa que hipnotizou e tirou a capacidade crítica a toda a
gente que com ele esteve no governo e no partido.
Economicamente
não há crise, que os contribuintes são mansos e agora estão compreensivelmente
mais ocupados com as consequências económicas da pandemia. A CGD foi descaradamente
usada para servir os interesses de Sócrates e Berardo (e outros), mas que
fazer? Se tudo – empréstimos a Berardo, ofensiva sobre o BCP, acordo para a
colecção – se passou à frente de toda a gente e ninguém quis saber, por que nos
incomodaríamos quinze anos depois?
Avancemos,
não há nada para ver aqui.
Economista
TÓPICOS
JUSTIÇA
JOE BERARDO JOSÉ SÓCRATES ARMANDO VARA BANCA CGD POLÍCIA JUDICIÁRIA
COMENTÁRIOS:
DemocrataXXI INFLUENTE: O polvo, é imenso Zé Goes EXPERIENTE: Muito bem professora. Essa é, de facto, a pergunta que
se impõe. Temo que vá ficar sem resposta. SE EXPERIENTE: Ofuscados
pela estrela fandanga, esquecemos os buracos negros que lideraram o banco
público entre 2005 e 2008. É bom serem lembrados aqui pela Maria João Marques,
mesmo que a Justiça os atire para o nevoeiro da prescrição. Ao menos que da
vergonha não se livrem, presumindo que tenham alguma. Liberal Duro de Desactivar Regressou a INICIANTE:
Não querias mais nada! M Cabral EXPERIENTE: Muito interessante resumo e perspectiva. fernando jose silva INFLUENTE: Quinze anos depois não são muito tempo. Se houvesse
arraia miúda metida nisto o processo tinha avançado. O problema é que na Caixa
há grandes gorduras implicadas no caso. Quem autorizou os empréstimos com
garantias de perspectivas bolsistas? Quem os despachou assinando? Como correu
todo este processo? Não esquecer que a Caixa deu sempre lucros ao Estado e só a
partir de Sócrates e do seu testa de ferro Vara, passou a dar prejuízos. e
surgiram as imparidades impossíveis.. Há uma fraude gigantesca em tudo isto,
possível de esclarecer se houver vontade política e seriedade na justiça.. A
CGD não foi enganada por acaso nem pela mão dos funcionários. O logro veio do
alto, do poder. Acusa-se muito Salazar, mas Salazar nunca faria tamanha
trapaça. A conjuntura foi construída. HNeves EXPERIENTE: Indo lá mais atrás, situando a teia de amizades, não
esquecer aquele seu inicial amigo do peito, de nome “Pik” Botha, ministro do
Apartheid, que tinha com Cavaco Silva relações de grande cordialidade,
lembram-se? Tudo malta muito ligada, alimentando o sistema que nos asfixia.
Sim, "é impossível não nos repugnarmos com a impunidade de toda a gente
envolvida", mas não tenhamos memória selectiva: o regabofe com as empresas
públicas e os dinheiros públicos vem de longe e teve sempre no seu famoso
"arco do poder" o seu principal protagonista. A história
é longa e é de arrepiar! Não nos queiram distrair com os "casos" destas tenebrosas personagens, nem com
as cartilhas ideológicas que nos massacram todos os dias que somos um país
atrasado porque vivemos acima das nossas possibilidades.
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