“E
mais duas lousas. Pois assim se fazem as cousas”. Vem, pois,
de longe, de muito longe, este nosso carregar de cornos e pedras, a sermos
gozados e cavalgados por simbólica Inês Pereira, leviana, aventureira e
vingativa até dizer chega, bem representativa dos governos que nos têm sido
oferecidos, em nome de outras espertezas ideológicas para disfarçar os reais
apetites de quem está ao leme do coche de momento. Carregamos, sim, carregamos,
os cornos e as pedras do nosso afundamento, por via de quem no-los põe ou atira.
E não bufamos, pois que é de palhaçada contínua, sem um resquício de honra ou
de inteligência, apenas – a não ser, evidentemente, a que provém da esperteza
da nossa saloiice perpétua.
Mais um retrato extraordinário, no rubro
da sua indignação, desta vez pelo Colunista do Observador, Diogo Quintela. Mais um exemplo de uma alarvidade que
não pára, num país que nem bem se percebe como ainda “vai indo”. Talvez porque
ainda vão existindo os “Diogo
Quintela” das advertências posteriores, que poderiam implicar
travão. Assim fosse. Mas, ao invés, o peso disso a cada passo surge à luz do
dia. E nas trevas da noite, tanto faz.
Coche fazem, coche pagam /premium
Gastar 50 milhões numa garagem de
carroças pode parecer esbanjamento, mas para explicar Portugal é uma pechincha.
O Museu dos Coches desvenda o país. É uma espécie de Eduardo Lourenço de betão
armado.
JOSÉ DIOGO QUINTELA, Colunista do Observador
OBSERVADOR, 08 jun
2021
É
uma pena que Portugal tenha saído da lista verde de Inglaterra. A falta de
turistas é sempre uma maçada, mas esta é mesmo a pior altura para não termos
visitantes. Pela primeira vez na história, há um museu nacional que podemos
exibir com orgulho e dizer: “Estrangeiro que estás cá apenas durante um
fim-de-semana, mas desejas conhecer Portugal: eis o Museu dos Coches!”
Trata-se
de um museu que custou 50 milhões de euros, que gasta 3,5 milhões de
euros por ano em manutenção e onde, apesar disso e de ter só seis anos, falta a luz, os elevadores não
funcionam, há avarias no sistema de ar condicionado que prejudicam a
conservação das peças, coches por arranjar, e humidade nas paredes.
Portanto, para perceber o nosso país, um turista só
precisa de visitar o Museu dos Coches. E se estiver apertado de tempo, pode
ligar só ao “museu” e borrifar nos “coches”.
Como
noutros grandes museus europeus, o seu valor não está limitado ao acervo
artístico. Também o edifício, pela sua história, assume grande importância.
Tal como o Palácio do Louvre está intimamente ligado ao facto de ter servido de
residência real, tal como os Uffizi são indissociáveis da família Medici,
também o Museu dos Coches tem uma biografia prenhe de simbolismo. É que foi
mandado construir em 2008 por Manuel Pinho, ministro da Economia do Governo
Sócrates, apesar das críticas que diziam não ser necessário, ser caro e ser
feio. Na altura, a Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, afirmou: “Neste
espaço (…) irá surgir um equipamento que faz, precisamente, a ponte entre o
passado e o presente: um diálogo entre a arquitetura e um conceito museológico
contemporâneo e a expressão da nossa história através das viaturas dos séculos
XVII, XVIII e XIX.”
Por
acaso, lembro-me bem desse diálogo. Foi um tipo de diálogo a que se
costuma chamar conluio. A arquitectura levou o conceito museológico
contemporâneo para um canto e segredou-lhe: “Ouve lá, inventa aí umas
necessidades artísticas absurdas e eu faço um projecto caríssimo. Depois
dividimos o saque.” Uma vez que José Sócrates esteve envolvido no processo, é
seguro dizer que alguém colocou a “mama” em “mamarracho”.
(Quando,
em 1905, a Rainha D. Amélia criou o Museu dos Coches, não esperava que uma das
peças mais importantes da colecção viesse a ser o landau em que o seu marido e
o seu filho foram assassinados, em 1908. Em nome da tradição, faço votos para
que este Museu dos Coches venha a albergar a viatura em que a vida do fundador
começou a correr mal. Estou muito curioso para ver como vão lá pôr o avião à
porta do qual José Sócrates foi preso).
À
primeira vista, o museu parece uma garagem. Numa segunda observação, vendo os coches lá estacionados à balda, sem
qualquer rigor na apresentação, confirma-se que é uma garagem. A diferença é que numa garagem normal
limpam-se as mãos aos desperdícios. Nesta garagem, nunca alguém irá assumir
a responsabilidade pelo prejuízo, o que quer dizer que se lavam as mãos dos
desperdícios.
Gastar 50 milhões numa garagem de
carroças pode parecer esbanjamento, mas, para explicar Portugal, é uma
pechincha. O Museu dos
Coches desvenda o país. É uma espécie
de Eduardo Lourenço de betão armado. Como símbolo nacional está ao nível do
Galo de Barcelos. Se o Galo de Barcelos fosse líder de um bando de salteadores
de estrada, claro. Haverá metáforas da portugalidade mais baratas? Com certeza
que não. Se são baratas, ou é outra figura de estilo, ou outro país.
Na
semana passada, um italiano
leiloou uma escultura invisível por 15 mil euros. Ui, o que nós gozámos com os
papalvos que foram burlados pelo paleio intelectual deste artista!
Esquecemo-nos do Museu dos Coches e das justificações que nos foram dadas para
a sua construção. Como impostura artística é bastante mais caro e – a não
ser nas salas em que não há luz – é impossível não ver. O que significa que
nunca poderemos esquecer.
Paradoxalmente,
esta situação vem corrigir uma grande injustiça. Durante mais de um século de
Museu dos Coches, as carruagens ocuparam o lugar principal, enquanto os animais
de tiro que as puxavam nunca foram destacados. Agora,
finalmente, é feita a homenagem devida à besta que carrega, não apenas os
coches, mas todo o armazém. Falo dessa dócil azémola, o contribuinte português.
Parabéns a nós.
No
fundo, Gabriela Canavilhas tinha razão. O museu fez, de facto, a ponte entre o
passado e o presente. Aliás, para ser mais preciso, fez a ponte entre o
presente e o passado. A torrar dinheiro desta maneira, é só uma questão de
tempo até voltarmos a andar de coche como no antigamente.
CULTURA MUSEU DOS
COCHES MINISTÉRIO DA
CULTURA POLÍTICA
COMENTÁRIOS
Jorge
Marques: Com uma fracção dessa verba ter-se-iam resolvido muito provavelmente os
problemas do anterior museu no antigo picadeiro de Belém: humidade,falta de
espaço, etc. Mas num ambiente muito mais consentâneo com a sumptuosidade dos coches.
As deficiências da actual iluminação, elevadores, identificação das peças e das
épocas, reproduz apenas a situação dos outros museus. O de Arte Antiga não
ameaça fechar salas por falta de vigilantes? Não é por acaso que o dos coches
foi criado pela francesa D. Amélia, ou que tenha sido preciso o alemão
D.Fernando para salvar a custódia de Belém da fundição para recolher o ouro. O
nosso apreço pelo património cultural é atávico, se ainda se pode usar a
palavra.
FME O edifício Museu dos Coches foi uma obra polémica na altura. Primeiro,
porque o autor do projecto foi o brasileiro Paulo Mendes da Rocha e não os
premiados Siza Vieira ou Souto Moura. Depois por causa da escala, grande
demais para o local, diziam. Também o conceito de um espaço que liga dois
mundos (a teoria da Canavilhas) era muito discutido; o Museu dos Coches deveria
continuar onde estava, defendiam. Na minha opinião o edifício arrumou bem o
quarteirão e a escala de monumentalidade foi merecida. Hoje já não se fazia por
50 milhões. O que fizeram com o antigo espaço do Museu dos Coches é que eu já
não sei e gostava de saber. Quanto à
exposição, tem que ser mesmo uma garagem. Os coches eram os automóveis da
altura, e Portugal nesse tempo só construía Ferraris. Os coches mais barrocos
da exposição, hoje, para se fazer um igual, incluindo um upgrade com
microprocessadores, não se conseguiria, seguramente, por menos de meio milhão,
mesmo assim, creio, que o Ronaldo era capaz de comprar um para juntar à sua
colecção de coches contemporâneos ou para enfeitar o terraço. Cicrano TalFME:
O arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha tem o mais alto prémio de
arquitectura, considerado o nobel da arquitetura "Prémio Pritzker" o
mesmo que tem o Siza Vieira e o Souto Moura, ele e o Óscar Niemeyer são os 2
brasileiros com esse prémio.
Manuel Ferreira2: Excelente
artigo. Tudo acabará numa pré-bancarrota e num pedido de ajuda. Os governantes
dirão: fomos surpreendidos.
Américo Silva: Muito bom, quer em leitura superficial, quer numa
análise mais aprofundada. Diz o Marcelo, somos os melhores. E pioneiros. Antes
do italiano vender esculturas invisíveis, já um português e outro vendia ao
exército bacalhau invisível, e não me refiro ao famigerado Tenreiro, e num
valor muito superior, milhares de vezes superior ao escultor. Outra
característica notável, é que os portugueses são todos comunistas, da extrema-esquerda
à extrema direita. Se o Pedro Nuno Santos distribui os prejuízos da TAP por
todos os portugueses, logo o líder do CDS quer que peça desculpa por não manter
todas as mordomias a todos os trabalhadores. À custa de quem? Nas caixas de
comentários e outros é possível ver o apoio ao saque do novo banco à carteira
dos contribuintes. Ameaçam com a justiça, a mesma justiça que permite aos
grandes devedores passearem-se com relógios de cem mil euros, e usufruir do bom
e do melhor. Muito frango com hormonas é no que dá. A propósito, o Chega é um
partido por definir naquilo que realmente dói, na TAP, no Novo Banco, na
política de habitação, na educação, na saúde, nas relações com entidades
discretas como a Opus. Então como tens andado, pergunta o ceguinho ao
paralítico. É como vês.
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