sábado, 5 de junho de 2021

Foi no Continente


Supermercado, é claro, neste cantinho europeu. É só mais uma historieta comprovativa de que as pessoas estão orgulhosas, porque transportam uma máscara, são obrigadas a confinar, excepto para as compras do alimento, o que as torna preguiçosas, e digo-o por mim, mas também pelo silêncio em meu redor, excepto, por vezes, no supermercado. Cheguei à caixa, apenas com três compradores na fila. Logo que o segundo se chegou à beira do caixa, com apenas uma ou duas mercadorias nas mãos, eu aproximei-me do balcão e comecei a retirar as compras do cesto, para ir adiantando serviço e não fazer esperar quem viesse a seguir. Mas o segundo não gostou do meu avanço ainda que no início da Caixa, estando eu de costas voltadas, e ergueu a voz, na importância do seu cumprimento obediente das ordens facilmente apreensíveis: «A senhora não acha que está muito próxima de mim?” Fingi não ouvir, é claro, estando de costas e de máscara. Mas apreciei o facto de um sujeito na posse de um qualquer saber, escudado num qualquer alto poder, ensaiar com arrogância uma interpelação exibicionista, naturalmente, e destinada a provocar o escandalozinho da sua importância de ocasião. Não resultou, é claro, as minhas compras eram de peso, obrigando-me a baixar-me várias vezes sobre o cesto. De resto, o rapazinho da Caixa, talvez indignado pela “tempestade no copo de água” que não chegou a erguer-se, dada a indiferença – desprezo, diria – que silenciou o homem, para mais sem outra assistência – “só nós três” – além do Caixa que me atendeu com extrema delicadeza, que intimamente registei. Uma história insignificante, mas outras podia contar, que tenho apreciado, sobre a importância que se dão os seguidores destas regras da nossa emoção cumpridora. É claro que foge um tanto ao conteúdo da indignação de Alberto Gonçalves, mas os seus comentadores aclaram perfeitamente a questão. Eu apenas manifesto a minha anuência às observações de Alberto Gonçalves sobre uma passividade generalizada, das pessoas que o medo e a inércia dominam e arruína o país.

 Ao contrário do dr. Ventura, eu sou “negacionista” /premium

As opiniões do dr. Ventura não me interessam. A atitude dos “jornalistas”, sim. Desde o início da epidemia que esta classe profissional adoptou a defesa incondicional de tudo o que o governo diz e faz

ALBERTO GONÇALVES. COLUNISTA DO OBSERVADOR

OBSERVADOR, 05 JUN 2021

Em entrevista a um canal televisivo, acusou-se o dr. Ventura de pertencer à pior cáfila que a humanidade já produziu. Não, não falo de neonazis, violadores de criancinhas (olha quem), canibais da Papuásia, acólitos do presidente do Benfica ou apreciadores dos Rádio Macau. Falo dos “negacionistas” da Covid, que ao contrário do que o nome indica não são as pessoas que negam a existência da Covid, mas as que criticam as reacções geradas a propósito, e a despropósito, da Covid. Perante matéria tão delicada, o dr. Ventura rejeitou tudo, e com razão: ao longo de quinze meses, pouco se lhe ouviu sobre os abusos do governo, e nada se lhe ouviu sobre os decorrentes abusos da polícia, que também concorreu com afinco para humilhar os portugueses sob os mais estapafúrdios pretextos. O dr. Ventura, que gosta de ordem e autoridade, está nos antípodas dos que questionam a legitimidade do poder para reprimir os comportamentos triviais dos cidadãos. Não é, portanto, um “negacionista”, apesar dos esforços dos “jornalistas” em identificá-lo com esse medonho epíteto para aumentar a estigmatização do Chega.

Confesso que as opiniões do dr. Ventura não me interessam. A atitude dos “jornalistas”, sim. Desde o início da epidemia que esta classe profissional adoptou, com uma cegueira que salvo o erro não vem nos respectivos estatutos, a defesa incondicional de tudo o que o governo diz e faz. Não se trata apenas de falta de escrutínio ou excesso de subserviência, características que só por si transformam o jornalismo autêntico numa fonte de chacota. Talvez movida pelos subsídios recebidos ou pelos subsídios que esperam receber, talvez por pavor da irrelevância que se avizinha, ou talvez por genuína idiotia, a vasta maioria dos “jornalistas” decidiu funcionar assumidamente como extensão dos serviços governamentais e, entre outras proezas, reproduzir com indisfarçado entusiasmo as mentiras oficiais, desvalorizar os crimes oficiosos, colaborar na denúncia de “ilegalidades” e dar voz a “especialistas” especializados em não dar uma para a caixa, na verdade pantomineiros que descobriram na Covid um veículo para a relevância. A ridicularização dos “negacionistas”, comparando-os aos chalupas da Terra plana, integra o estratagema. Sem tirar nem pôr: quem acha grotesca a histeria da Covid acredita inevitavelmente que o planeta termina nas bordas. Meus caros “jornalistas”, vocês acreditam no “especialista” Carlos Antunes.

Por razões distintas e discutíveis, o objectivo dos “media” e, convenhamos, quase geral é a perpetuação do medo. Donde o horror aos “negacionistas”, indivíduos que por leituras ou intuição desconfiam que o medo é o melhor caminho para manter uma sociedade apática face à sua destruição. Há séculos que se subjugam massas pelo medo, e há pelo menos um quarto de século que se ensaiava a subjugação das massas, que décadas de paz e prosperidade tornaram crescentemente avessas ao risco, por este exacto tipo de medo sanitário. As primeiras tentativas, da gripe suína à gripe das aves, falharam por inoperância dos próprios vírus. Depois, arriscou-se mudar de estratégia e abraçar a ameaça climática, a qual, à semelhança de diversos apocalipses, falhou sempre que passava a data prevista para o fim do mundo e o mundo não findava. A Covid realizou os sonhos húmidos da indústria dos cataclismos, na medida em que permitiu somar aos efeitos de uma doença real os perigos de uma devastação imaginária. Ao invés da Gripe de Hong-Kong, que no ano em que nasci matou perto de 4 milhões sem fechar lojas nem deixar memória, a Covid foi a maleita certa no tempo certo. E com os alvos certos.

Pelo Ocidente afora, a coisa correu bem. Em Portugal, dada a vocação dos nativos para a obediência e a exibição de virtude, a coisa correu maravilhosamente. Por tradição de pobreza e dependência, os portugueses não só engolem com prazer regras sem nexo: têm um prazer ainda maior em condenar os infiéis. É graças a isso que, aqui, o sucesso das restrições à liberdade não se limitou ao período em que a Covid matava, mas continua numa fase em que a Covid deixou de matar. Em países normalzinhos, a propagação da imunidade e a progressão das vacinas são vitórias que se anunciam e festejam. Por cá, são pormenores desprezíveis: a vacina, avisam os profetas, não dispensa a cautela. Cautela significa “distanciamento social”, testes em barda, babugem nas mãos, negócios falidos, hospitais sequestrados, velhos abandonados e, claro, as vergonhosas máscaras, cuja inutilidade o famoso dr. Fauci afinal sempre admitiu em privado. O absurdo chegou a tal ponto que os poderes públicos que promovem a vacinação promovem em simultâneo a desvalorização das vacinas com o zelo dos movimentos “anti vaxxers”.

Nas regras “contra” a Covid, aliás, o absurdo é a regra. Eu podia encher trinta e cinco crónicas com exemplos da loucura instalada. As opções sensatas não encheriam um parágrafo pequenino. Nem toco na hilariante converseta do “R(t)”, que procura suprir a escassez de internados e falecidos. A lengalenga do “É preciso ganhar o Natal/a Páscoa/o Verão/a Ovibeja de 2034” e o refrão “As próximas duas ou três semanas serão decisivas” deveriam bastar para que um adulto sem perturbações mentais percebesse o prodigioso ridículo disto. Infelizmente, não bastam. O medo, a obediência e a exibição de virtude mantêm-se, à revelia das evidências e em prol da precaução. Ai, a precaução. A precaução teria evitado centenas de milhares de mortos em acidentes rodoviários: bastava nunca ter permitido a circulação de carros nas estradas nacionais. E evitado largos milhões de mortos em fatalidades diversas: bastava ter abolido a procriação. Hoje, inúmeros portugueses que não podem abdicar de ter nascido resolveram abdicar de viver. E aos raros compatriotas que não estão para isso chamam-lhes “negacionistas”.

Por mim, enfio a carapuça. Por um lado, é menos embaraçosa que a máscara. Por outro, separa-me da demência colectiva em que caímos, e permite-me levar os dias de acordo com os factos: nas estatísticas que contam, a Covid já não conta. Ou não conta mais do que os incontáveis riscos que corremos se insistirmos em ser adultos. Se a responsabilidade e a autonomia são “negacionismo”, sou “negacionista”. A alternativa é ser tonto. Ou oportunista. O dr. Ventura, os demais políticos, os “jornalistas”, os “especialistas” e restantes “covidistas” que escolham.

CORONAVÍRUS   SAÚDE PÚBLICA   SAÚDE   PANDEMIA

COMENTÁRIOS

Pedro Pedreiro: Fiodor Dostoievski, nos irmãos Karamasov, pela voz do General que explicava porque é que Cristo que tinha vindo pela segunda vez à Terra tinha de ser novamente crucificado faz (e explica) a genial constatação: "o povo facilmente troca liberdade por pão". Mais tarde Orwell acrescentaria "segurança" à equação. Para que precisamos de Liberdade se nos querem dar Segurança? (Veja-se a este título, a Nova Carta da Censura Digital. Ou ouçam-se as declarações de um agente da autoridade a explicar que o vírus já não está a favor da polícia!) Muito lá atrás, os romanos já o sabiam e complementavam esta fórmula com o "circo": um povo distraído não questiona o poder. Hoje o circo são os futebóis, as novelas e a trica-trica partidária ou outra. Assim, um povo a quem não falte «panem et circenses», adbica da liberdade, julgando até que a tem. A maior vítima desta pandemia foi, é, e será por muito tempo, a Democracia Liberal.             Carlos Dias: Muito bem Alberto Gonçalves. Sempre incisivo e certeiro na crítica a estes Xuxalistas mentirosos e incompetentes que nos desgovernam            DS: Uma característica marcante do nosso "jornalismo" é a subserviência ao poder político instituído. A outra é o analfabetismo funcional e, por esta, o colunista entra "a pés juntos à campeão" dentro do grupo. Mas como um relógio parado que duas vezes ao dia está certo, desta vez acerta quanto aos exageros "cauteleiros" do desGoverno de Portugal que anda com o relógio anti-Covid ainda pela hora de Inverno. A prova de fogo para todos, desGoverno, especialistas, cientistas, farmacêuticas, vendedores de máscaras, testes e gel, opinadores e colunistas, covideiros e negacionistas, chegará no início do Outono quando todos estiverem vacinados e o vírus regressar de férias com a sua agressividade retemperada. Esse será o dia D da verdade onde muitos, de um e do outro lado da barricada, ficarão "em pelota". Aguardo ansiosamente por esse dia. Já encomendei pipocas antes esgotem!           Troca Tintas: Estas epidemias normalmente duram 3 anos (ou 3 vagas), com os recursos que temos hoje vamos conseguir resolver isto em 9 anos. Obrigado a todos os Covidiotas, a começar no gajo da OMS ao Fauci e a acabar nos jornalistas.              Francisco Reinhardt Tive me de converter à máscara para entrar no supermercado. Ao princípio ainda resisti, mas a persuasão agressiva de um agente da autoridade, comedida pela intervenção de vários cidadãos, convenceu-me da protecção que as máscaras conferem ao vírus. Agora 'babugem' nas mãos jamais!                mais um Por vezes abandono a crónica a meio ou até no inicio. Esta li até ao fim com prazer. Perfeita descrição da actualidade.         Alberto Pires O medo é o pior dos conselheiros, bem pior do que a fome. E agora, que a onda da Covid parece estar a abrandar (bendito Sol, benditos ultravioletas) assiste-se a um redobrar de manifestações da mais elementar burrice à mistura com doses descabidas de pânico. Conheço pessoas que não se sentam numa cadeira, mesmo que seja no consultório de um médico. O tema das conversas já não é: - então como vai? É: - Já tomou a 2ª dose? Fazer retroceder isto a uma situação de normalidade vai levar tempo e sobretudo vai custar imenso em termos sociais. As pessoas manifestam, cada vez mais, nojo umas pelas outras, afastam-se do convívio e aquilo que se poderia esperar como natural, a imunização de grupo, enormemente prejudicada pelo confinamento (tipo idade média), vai continuar a atrasar-se e a dar motivos aos políticos de pacotilha e aos jornalistas de 5ª categoria para continuarem a inundar-nos com este discurso grotesco e persistente das variantes, dos infectados, dos que não cumprem as medidas sociais. Torna-se demasiado aturar esta gente desmiolada e burra. E há os que são pagos para contra-atacar, para denegrir, enxovalhar e ostracizar quem não esteja de acordo. A festa do Sporting não deu nada? Não interessa, poderia ter dado. E vêm os "se" e os "se", seguidos de mais "se". Viver tem algo de perigoso e o mundo está cada vez mais cheio de cobardes. Fiquem em casa, resguardados, e deixem-nos em paz, ficam bem e nós melhor. 

VICTORIA ARRENEGA > Alberto Pires: Bom dia Alberto: Ora aqui está um aspecto da pandemia que eu já tinha notado mas que o Alberto sintetiza muito bem: os novos leprosos. Quando várias pessoas se reunem no mesmo espaço, a questão que não quer calar é se já tomou a vacina e qual. Há uma espécie de solidariedade e identificação consoante a vacina que se meteu aqui no braço: a da Pfeizer, a Astrazeneca...... Seguidamente podemos relaxar porque a pessoa junto a nós tem pelo menos a primeira dose. Quem já tem as duas doses é o rei do pedaço. Já quem ou pela idade, ou pela recusa, ou pela condição de saúde ainda não levou a picadela é olhado como uma espécie de leproso: ajusta-se a máscara, afastamo-nos e fazemos um Ah! de compreensão. As coisas que nos acontecem e que nós nunca imaginamos possíveis!

FME > Alberto Pires: É verdade, a conversa das vacinas é o novo "passou-bem" dos tempos que vivemos. Depois lá vem a marca da vacina a substituir "como vai a família".  Mas, não acredito que a 2ª dose vá resolver isto. Os grandes covidários não vão sossegar com a 2ª dose. O discurso já começou a ser ensaiado pelos epidemiologistas de serviço. A vacina inibe o vírus de atacar com a potência máxima, ou seja, com a vacina o ataque do vírus raramente passa de uma simples constipação, ou de uma gripe normal, e, pelo sim pelo não, é melhor manter as restrições e o uso obrigatório da máscara. Hoje, acredito, que existe um movimento, talvez inconsciente (não quero imaginar organizações secretas a trabalhar este fenómeno), de manter o medo na sociedade, que influencia especialistas, parte da ciência, comunicação social e política (esta compreensível como luta política) se bem, que muitos já arriscam entrar na classificação de negacionista (não terraplanista). O vírus veio para ficar. De pandémico passa a endémico, mas a psicologia do medo até passar a precaução vai demorar muito tempo.

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Coronavirus corona: Uma das crónicas que mais gostei de ler. Não só toca como aprofunda (sempre num estilo de caricaturização) alguns aspectos desta paranóia que vivemos. Não é fácil conciliar a caricatura, a ironia, com o desenvolvimento aprofundado do que está em causa. Mas este texto consegue-o de forma sublime.

Eduardo L > Coronavirus corona: Concordo inteiramente. Para quem está minimamente por dentro do que se está a passar este texto é sublime.

 

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