domingo, 13 de junho de 2021

Modernidade


Afinal temos os mesmos direitos de colaborar em espionagem, como fazem os da CIA, da KGB e Cia, (parece que extinta, mas nunca se sabe, há sempre remanescentes). Temos o dever de dar o nosso contributo para a segurança do mundo e assim nos valorizarmos, ora essa!  Tanta agitação cheira antes a truque para nos irem ao bolso…

Delação!

Medina garante que a delação foi um erro técnico administrativo de procedimentos. Não é verdade! Não é um caso de protocolo, nem um erro de rotinas, é uma questão de controlo da liberdade de expressão!

ANTÓNIO BARRETO

OBSERVADOR, 12 de Junho de 2021

Em 2021, na Europa, continente dos direitos e das liberdades, terra de asilo e refúgio, em Portugal, Estado democrático há quase cinquenta anos, mais propriamente na capital, Lisboa, a câmara municipal tem gesto horrendo de delação e insídia.

É possível que o presidente da câmara, Fernando Medina, e o seu gabinete de apoio não tenham querido expressamente agradar ao governo russo e entregar os cidadãos que se manifestaram em Lisboa. É também possível que a Câmara de Lisboa não tenha desejado encantar os governos de Israel, da China e da Venezuela, fornecendo-lhes coordenadas de opositores. É finalmente provável que, dada a diversidade de governos em causa, a Câmara de Lisboa não esteja a seguir os caminhos da cumplicidade política. Muito bem. É sempre bom deixar a porta aberta a uma explicação inocente. Mas a verdade é que a Câmara de Lisboa praticou, durante anos, actos moralmente reprováveis e politicamente condenáveis.

O presidente da câmara pediu desculpas. Mas não respondeu a dúzias de perguntas. Não revelou responsabilidades, não esclareceu o comportamento da sua instituição. O presidente da câmara pediu perdão, mas defendeu-se mal e não foi convincente. Depois das desculpas de mau pagador, criticou os adversários políticos. Donzela ferida, tratou-os de oportunistas. Contra-atacou, na crença de que era essa a melhor defesa. Mas admitiu que as informações poderiam ser dadas a países democráticos.

O Governo, a quem se exige explicação pronta, parece estar ausente. Pretende que o problema se limite a Lisboa e seja uma questão municipal. Mas não pode escapar a várias exigências, como seja a de verificar quantos municípios fazem o mesmo. Assim como de responder a afirmações claras do embaixador russo, segundo as quais a sua embaixada recebe muitas informações deste tipo e que as outras embaixadas também.

Os silêncios e os adiamentos do primeiro-ministro foram confrangedores. Assim como os dos ministros dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e da Justiça. Onde está a decisão de mandar efectuar inquérito urgente? Que outros organismos fornecem dados pessoais e políticos às embaixadas? E às polícias? Quantas câmaras municipais (são 308 no país inteiro) têm as mesmas rotinas? Quantas enviam dados pessoais e políticos às embaixadas? E aos serviços de informação?

Medina lidera Lisboa há seis anos e candidata-se a novo mandato

Em tudo quanto se vê, ouve e lê sobre este assunto, há frequentemente um gosto amargo. Muita gente, autoridades, jornalistas, comentadores e académicos, sugere que há modos aceitáveis e denúncias justificadas. “Se é um país democrático…”, alvitra um. “Se for um país da União Europeia…”, sugere outro. “Se ainda fosse um país da NATO…”, aconselha ainda outro.

Ou então, há quem aceite facilmente que nomes de pessoas possam ser enviados para a PSP, a GNR, o SIS e outras polícias. Nomes individuais? Com dados e coordenadas? Para as polícias? Enviados pela autarquia? A que título? Denúncia? Vigilância? Moralidade de costumes? Espionagem politica? Custa acreditar que os nossos contemporâneos, portugueses ou europeus, estejam assim tão insensíveis às questões de direitos fundamentais e da liberdade individual.

Parece que estão aceites normas condenáveis. Por exemplo, pode enviar-se informação pessoal e política a embaixadas de países democráticos, amigos e aliados! Tal é errado! Não se deve enviar informação deste tipo a nenhuma embaixada, amiga ou não. Desde que ao abrigo de tratado internacional e sem qualquer implicação política, as únicas informações pessoais que poderão ser objecto de transmissão cuidadosa e condicional são as que dizem respeito a criminosos procurados pela Interpol, assassinos, salteadores e traficantes de qualquer coisa.

Parece que se pode enviar informação pessoal e política a países democráticos que respeitem a Convenção dos Direitos Humanos. Falso! Não se pode nem deve enviar informação deste género a nenhum país, seja qual for o regime. Até porque seria necessário avaliar, caso a caso, a democracia de cada Estado.

Há quem não veja inconveniente em que se possa enviar informação pessoal e política aos países da União Europeia com os quais existe já uma tradição de partilha de informação e de canal aberto entre as polícias. Errado! A informação pessoal e política não deve ser enviada a nenhum país, seja ele da União Europeia, da NATO, da CPLP ou de qualquer outra associação internacional. Tanto faz que seja a Rússia ou a China, a Espanha ou a Itália! Isto não se faz, ponto final!

Pode uma câmara municipal, no quadro das actividades da liberdade de manifestação, enviar informação pessoal e política às polícias portuguesas, à PSP, à GNR, ao SEF e ao SIS. Errado! Isso também é próprio de Estado policial. A câmara só deve saber onde se desenrolam as manifestações e disso, apenas disso, informar as polícias e os agentes de trânsito. Não tem de dar nomes de pessoas.

Dizem ainda que se pode enviar informação pessoal e política a empresas, instituições e organizações diante das quais se fazem manifestações. Errado! A câmara pode informar sobre a ocorrência prevista, o local e a hora, mas nada deve dizer sobre as pessoas e as suas coordenadas!

O problema não é o de protecção de dados, como tanta gente diz. Não é um problema de segredo informático, nem de procedimento administrativo. O problema é político e fundamental. Uma câmara não pode usar prerrogativas oficiais para obter dados pessoais e políticos a fim de os transmitir seja a quem for!

Medina garante que a delação foi um erro técnico administrativo de procedimentos. Não é verdade! Trata-se de cultura de poder! De Inquisição! De espionagem política. De denúncia e delação. Não é um caso de protocolo, nem um erro de rotinas, é uma questão de controlo da liberdade de expressão!

A ideia de que esta é uma “partilha de dados” é sinistra e faz pensar em relações comerciais, burocráticas e similares. Aqui não se trata de partilha do que quer que seja. Há entrega, delação e denúncia de pessoas cujas coordenadas podem facilitar a espionagem, a perseguição e a represália. Não estamos a falar de hábitos de consumo ou de preferências comerciais, dados que, aliás, nunca deveriam ser recolhidos sem autorização. Estamos a tratar de liberdades, de garantias constitucionais e de direitos fundamentais. E de instrumentos, aparentemente neutros, que podem servir eficazmente para a perseguição pessoal e política. Falamos de liberdade!

Sociólogo

TÓPICOS

LISBOA  CÂMARA DE LISBOA  FERNANDO MEDINA  GOVERNO  RÚSSIA  LIBERDADE  POLÍCIA

COMENTÁRIOS:

Bom dia, Lisboa! MODERADOR: Belíssimo texto de António Barreto! Incisivo quanto baste! A situação tem de mudar radicalmente, com efeito. Obrigado!           Henrique Duarte MODERADOR: Subscrevo em absoluto.            Mário Guimarães EXPERIENTE: Não acredito que outros organismos do Estado forneçam dados pessoais a outros Países quando uma formação claríssima para que isso não aconteça. Falamos de um presidente negligente, insensato, que no início nem valorizou. Pouco inteligente passou ao ataque sem reconhecer o erro. Devia ser incriminado. Merecia. Não tem hombridade para se demitir. Porque está degradado no cargo que ocupa.             Carvalho Carvalho.881625 INICIANTE: Este caso é lastimável. Nada justifica que as entidades públicas de um país tenham que informar e identificar os promotores de manifestações e comunicar esses dados a outros países, sejam estes quais forem. Contudo, parece que há um tom excessivo em toda esta polémica, como se a democracia esteja ameaçada e a PIDE a caminho. Não será por um acto burocrático que a democracia se fragiliza, por indigno que seja. Talvez o teor das reacções a esse acto firam mais a democracia, por instigar azedume contra o próprio sistema democrático. Mais grave, muito mais grave, foi a espionagem que durante anos se fez a presidentes e membros de governos europeus, caso que não suscitou tamanha indignação apesar de atingir, claramente, todos os direitos dos espiados e dos países em que eram, e são, governo.               José Cruz Magalhaes MODERADOR: A opinião expressa por AB é clara e lúcida, acerca de um caso que deveria interrogar e incomoda todos os democratas. Como foi possível manter durante uma década, uma reiterada prática de denúncia, a coberto de uma pretensa lei que colide e viola artigos e normas constitucionais? Como foi possível que um procedimento considerado de rotina, da competência de extintos Governos Civis, nunca tenha sido questionado, por total incompatibilidade com a Lei Fundamental do país, em quarenta anos de democracia Constitucional? Por que exercício, de contornos suicidas, se transferiu uma prática indigna e ilegal, para as Câmaras Municipais, depois da extinção, ditada por meros critérios de diminuição de custos do Estado, sem que este procedimento levantasse dúvidas, esclarecimento, ou simples rejeição? Incognito INICIANTE: A ironia neste lamentável episódio é ser a Rússia a vir dar lições (elementares) de democracia a Portugal. Medina, pelo que afirma, parece nem saber o que isso é (uma democracia, e como funciona) e suspeito que António Costa e o governo também não.            Fowler Fowler EXPERIENTE: Este é mais um caso ilustrativo da falta de cultura e visão democrática de pessoas e instituições: muitos dizem defender as liberdades, as garantias constitucionais e os direitos fundamentais, para depois, na prática, revelarem que, afinal, faltaram às primeiras lições. Sobre esta matéria, nos organismos públicos, deveria ser obrigatório a frequência de acções de formação contínua para actualização de informação/ conhecimento e desenvolvimento de capacidades. Espero que se aproveite esta boa lição de Barreto, apesar de eu achar que se lhe aplica o dito “Olha para o que eu digo, mas não olhes para o que eu faço”.          Madala1903 EXPERIENTE: Não posso senão apoiar a opinião de AB. Tem toda a razão.          ATV EXPERIENTE: O mais curioso de tudo isto é que se falarmos na PIDE dizem-nos que foi extinta, mas estas delações são em tudo semelhantes ao que sucedia durante esse período. Mais uma vez as liberdades individuais estão em causa. Nota-se que, apesar de todos podermos comprar qualquer livro, há temas que não se discutem. Estamos em período de silêncio, um silêncio opressor que deixa o mais atento preocupado com as eventuais consequências. Até quando? Quando é que nos poderemos realmente sentir livres e dizer o que pensamos sem considerar eventuais represálias? O comportamento do Estado é deplorável e deixa a claro que não existe um Estado de Direito onde os indivíduos gozam de liberdade e protecção. Vamos também ter uma lista dos assuntos que não se podem discutir nas escolas e universidades? Manuela INICIANTE: Subscrevo inteiramente!          Manuel Marques INICIANTE: Obrigado António Barreto! Era isto que faltava dizer, é a isto que se chama por os pontos nos is!        fmart8 EXPERIENTE: Concordo na íntegra. Isto é um problema de democracia.           zav60.911576 EXPERIENTE: De todas as notícias e artigos de opinião que li sobre este assunto, cheira-me que este foi o que mais se aproximou da verdade: este acontecimento não passaria de mais um “fait divers” se não estivessem próximas as autárquicas (calhou acontecer com a dupla FM/AC mas aconteceria se fosse a do CM/RR) e não envolvesse a Rússia (ex-“soviética” – relembro que já aconteceu com a China, Israel e Venezuela). Há alguém que me consiga informar desde quando é que passou a ser uma prática legal informar as embaixadas de que vão ser alvo de uma manifestação? É que foi aí que nasceu o problema          Esteves EXPERIENTE: Vivemos uma falsa democracia. os boys da política cativaram a liberdade, reduzindo-a aos seus estreitos interesses, usam a democracia como o casulo da realização das suas ganâncias pessoais e de grupo. Permitem uma liberdade controlada, tola, indigente, fingem que são democratas e assim, pouco diferem das velhas ditaduras fascistas e comunistas. Servem-se do capitalismo, como fizeram os chineses, e este só é possível com alguma liberdade. São uma espécie de "Traição dos Porcos filósofos" Dão migalhas aos pobres e repartem as fatias do bolo entre si. Este caso Câmara de Lisboa, o recente caso da virgula, a nomeação do PAS, a falsificação do currículo do procurador, centos de casos, mostram como ludibriam, são corruptos e mentirosos, logo mais pedem-nos o voto e prometem tudo de bom.          OldVic1 MODERADOR: Se alguma vez Portugal se tornar uma democracia liberal adulta, haverá a mesma preocupação com a liberdade individual que há agora, de forma às vezes obsessiva, com a igualdade. Enquanto isso não acontecer, seremos os medíocres do costume.        Joao MODERADOR: Nesta super concordo.         SeuMatois EXPERIENTE: Da forma como escreve parece que é a CML que decide que dados pede e a que Instituições os remete. Há uma lei que a CML cumpre. Vai na volta o AB até esteve na elaboração dessa lei de 1974…. Talvez mais honestidade intelectual não fosse má ideia.        Paula Reis Lobo MODERADOR: O que diz é falso.           OldVic1 MODERADOR: António Barreto esteve no governo de Vasco Gonçalves que fez a lei!? Acho que o seu comentário "foi na volta".         Miguel Leitão 77 EXPERIENTE: Uma lei de 1974! A sério que escreveu isto?! Para mim foi Afonso Henriques ou Passos Coelho, sem dúvida os maiores culpados de toda a malfeitoria nacional!          António Silva M INICIANTE: Os dados que pede estão, e muito bem, na minha opinião, na Lei. A quem os remete, ou está escrito em tinta invisível na Lei, ou não constam da Lei. Pelo que se pode ver, por uma leitura da imprensa (salvaguardando a veracidade do que sai na imprensa) esta prática é comum na CML, desde 2011 (quando a responsabilidade pela autorização das manifestações passou para as câmaras municipais, por extinção dos governos civis). Estranho é que as outras câmaras (por exemplo Porto, Coimbra e Faro) "desobedeçam" a essa "lei", que "surgiu" em 2011 e que obriga a partilhar os dados dos organizadores das manifestações. Obviamente que os autarcas de Porto, Coimbra, Faro e de outras câmaras que não cumprem a tal "lei" de 2011, já deveriam ter apresentado a demissão!            Conde de Montecristo INICIANTE: Se é ingenuidade, fica-lhe mal. Se for mais do que isso, terá de ir para as terras do Facebook. As pessoas que por aqui andam não perdem tempo com argumentos que se esgrimam nos cafés. cidadania 123 EXPERIENTE: Organizar uma manifestação na via pública, em minha opinião, não pode ser razão para fichar pessoas em nenhuma base de dados, sobretudo de cidadãos portugueses, por um país estrangeiro. Não percebo a necessidade da morada pessoal, mas também considero que não pode ser um acto anónimo, pois a política não deve ser uma actividade na clandestinidade . Teriam os agora indignados e a comunicação social, a mesma postura se fossem manifestações da extrema direita,ou a defender o racismo ou o fascismo? A defesa da liberdade de expressão não significa anonimato de quem organiza actividade política na via pública, pois também implica responsabilidade sobre o que pode acontecer.            timóteo_p INICIANTE: Não há margem para equívocos, neste caso a CML actuou como agente/informador do KGB, mas a gravidade da sua conduta, que sabemos agora repetida, em nada depende da natureza da parte a quem enviou as informações. É grave para a Rússia e as outras ditaduras, mas tem a mesmíssima gravidade quando para a Espanha, França ou qualquer um. Impensável que estes fulanos não se tenham ainda demitido, andem a meter os pés pelas mãos e a mentir por todo o lado e, claro, a dizer que a culpa é da lei !!!          Joao MODERADOR: Nesta tem razão... “Se é um país democrático…”, alvitra um. “Se for um país da União Europeia…”, sugere outro. “Se ainda fosse um país da NATO…”, aconselha ainda outro... Ah Ah tal e qual, a turminha de bufos e cúmplices alegres de crimes e perseguições do seu clube só sabe fingir defender os direitos humanos fora do seu clube, já dentro é um fartar vilanagem. Hipocrisia do costume.         Lars Arens EXPERIENTE: O pai escreve “(...)só sabe fingir defender os direitos humanos fora do seu clube, já dentro é um fartar vilanagem. Hipocrisia do costume”. Sabe que respeito o pai por ser o pai. Mas pergunto: você dentro da perspectiva do “seu clube” não age da mesma forma? Isso não será hipocrisia também?          Joao MODERADOR: Caro Lars, percebo o que diz mas não tenho clube, tenho sim um instinto "pobrezinho" de me condoer dos mais fracos e explorados, quando vejo um robusto engravatado loiro à porrada a um franzino desdentado e esfarrapado não aplaudo como a turminha bem pensante faz, antes pelo contrário, critico. Aqui por exemplo nunca censuro nem denuncio comentários, bem ao contrário de outros que enchem a boca com "democracia" e que me censuram à dúzia por dia só porque sim. Por exemplo já votei do Lucas Pires ao Garcia Pereira, sou livre e gostaria que os outros fossem livres. Mas sérios, claro, o que mais critico é a hipocrisia e a propaganda hipócrita, no internacional a omissão e o branqueamento das guerras e terroristas ao serviço dos que se auto proclamam "democratas".           Luis Rocha EXPERIENTE: Bravo! Obrigado. Era isto.

 

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