sábado, 12 de junho de 2021

Nomes que por nós passaram


Um movimento revolucionário decisivo, em tempo de crise, que poria fim à Primeira República, de uma Pátria em desordem. Sem flores na botoeira. Texto do Facebook de LUÍS SOARES OLIVEIRA.

 

LUÍS SOARES OLIVEIRA:

O HOMEM CONDENADO A CHEFIAR O GOVERNO

Obra na forja XII OBRA DE SOLDADOS

Como ficou expresso no Episódio anterior, para Mendes Cabeçadas, articulador do levantamento militar "28 de Maio", a adesão da forças aquarteladas em Estremoz e Évora era de importância capital. Para tanto, enviou vários intermediários que DO se recusou a receber, até que o capitão Jaime Baptista, adepto de Cabeçadas, se lembrou de confiar a missão ao capitão Abel Moutinho que era amigo do meu tio Augusto, filho mais velho de DO.

Quem conta a história é Moutinho .

"No dia 26 de Maio, pela tardinha, apareceu-me em casa, na Rua Viriato, em Lisboa, o capitão Jaime Baptista que dias antes se havia evadido da Torre de São Julião e, desde então, vivia escondido no palacete do sr. Paiva e Pona, na Praia das Maçãs. Vinha pedir-me pousada e ajuda para fazer chegar ás mãos do Coronel Domingos de Oliveira, em Estremoz, importantíssimos documentos do Comandante Cabeçadas com instruções para cooperar com as forças do seu comando no movimento militar a eclodir naquele dia.

Eu disse-lhe:

- Pousada têm, mas peço-lhe para não contar comigo para essa missão.

Respondeu-me:
- Porque negas missão tão honrosa e urgente?

Acrescentei:

- Com toda essa mistela de conspiradores, é de prever que, após o triunfo, vão-se comer como ratos, visto não existir um grupo numeroso de homens às direitas que possa vir a governar o país, dando-lhe rápido e acelerado progresso material indiscutível, a par dos actos morais.

Baptista acusou-me de cobardia e eu acabei por aceitar a incumbência e pus-me em contacto com o coronel Raul Esteves que me garantiu que Passos e Sousa, em Elvas, e Domingos d' Oliveira, em Estremoz, já estavam em ligação com o movimento.

Mais sossegado, fui pedir a um amigo o seu automóvel «Buick» para a minha rápida deslocação a Estremoz, pedindo-lhe que o armasse em táxi e me cedesse o motorista ao seu serviço. Embarquei no vapor da Parceria deveriam ser umas 4 da tarde. Com as estradas de terra batida em mísero estado e apesar de não ter parado em Vendas Novas - para não levantar suspeitas - acabei por chegar Estremoz às 0 horas. Procurei em primeiro lugar o capitão Caeiro Carrasco. Encontrava-se de cama com uma terrível gripe, cheio de febre. Levantou-se imediatamente e pôs-me em contacto com tenente Bivar de Brito, ajudante do Comandante da Brigada (DO). Recolhi a um Hotel e pelas 9 horas do dia seguinte, B de Brito veio anunciar-me que o Comandante da Brigada me receberia às 12,00, no Quartel-General. Este acolheu-me e disse : «depois de tantos mensageiros que me recusei a receber, recebo-o a si porque sei pelo meu filho, de quem é amigo, das suas qualidades morais e patrióticas»."
Entreguei-lhe todo a documentação que levava que ele leu atentamente e disse-me:
- «Eu não tomei qualquer compromisso com o comandante Cabeçadas quando, a seu pedido, me encontrei com ele em Lisboa».

Informei-o então da minha conversa com o Coronel Raúl Esteves e ele disse-me que poderia regressar ao Hotel que me mandaria recado pelo ajudante. No dia seguinte, 27, chamado de novo ao Quartel-General, fui ali informado que oficiais da guarnição de Évora tinham tentado sublevar a praça, sem êxito, e se haviam refugiado em Estremoz. Domingos d'Oliveira aconselhou-me a regressar imediatamente a Lisboa e disse-me «pode informar o comandante Cabeçadas que estou em ligação com o general Carmona e com o coronel Passos e Sousa. Se o Governo me mandar seguir com a brigada para Lisboa para reprimir o movimento, ao chegarmos ao Barreiro, nos revoltaremos».
Com esta visita Cabeçadas conseguiu evitar o pio
r, ou seja, a contra revolução com base no Alentejo. Já antes,
Gomes da Costa tinha mandado o seu adjunto a Horácio Ferreira, comandante do Grupo de Metralhadoras Pesadas, com um papel escrito à mão com a pergunta «Com que é que posso contar»? O coronel respondeu também por escrito «É só dizer dia e hora, senhor General».

«««»»»
O hábito que adquiri no serviço diplomático de ler o que consta dos comunicados e - sobretudo - o que lá não consta (área do desacordo persistente) levou-me a reparar que
nas instruções de Cabeçadas
- escritas ou ditadas, mas assinadas pelo próprio - abaixo reproduzidas, há uma omissão de grande significado. Nenhuma referência ao general Carmona que era então o chefe militar revolucionário de maior prestígio. Cabeçadas atribui ostensivamente o comando a DO, «ou outro oficial mais graduado ou antigo»". Quer dizer, Carmona tinha o seu lugar reservado, mas Cabeçadas estava ciente que Carmona tinha ideias diferentes das suas e aspirações conflituantes com as suas. O comandante considerava pois o general mais perigoso dentro do esquema do que fora do mesmo.

Como resultado, a situação em Évora estava algo confusa. O governo de António Maria Pereira tinha retirado o comando da Região Militar a Carmona punição por este, como promotor publico, ter elogiado - em vez de acusado - os revolucionários da revolta do ano anterior (Abril de 1925). Foi aí que Carmona pronunciou o seu famoso «A Pátria está doente» enunciado que inspirou a mobilização para o 28 de Maio. A punição de Carmona não recebeu, claro, agrément militar. Entretanto, o coronel Pires Viegas assumiu o comando interino da Região Militar e mostrava-se pouco decidido a envolver-se em polémicas. Perante isto, DO enviou o seu ajudante de campo, tenente (e futuro genro) Carlos Chaby a Évora para recomendar a Carmona que se deslocasse subrepticiamente para Montemor-o-Novo. A Cavalaria faria o resto. DO confiava na prontidão dos seus homens porque lhes impunha constantes exercícios.

A 28, ao final do dia, DO deu ordens para se abrirem os paióis de armamento e distribuir armas e munições à tropa. Em 29, ao romper do dia, formou-se uma coluna que, sob comando de DO, marchou até Évora. Ao recolher, o comando da Região tentou dispersar a força militar por vários quartéis mas foi-lhe prontamente respondido que "a coluna bivaca mas não dispersa". (DO não esquecera como Wellington venceu Massena ).

E assim foi. No dia seguinte, a coluna coesa retomou a marcha para Montemor-o-Novo - onde Carmona assumiu nominalmente o comando - e daí para Vendas Novas. O comandante em Vendas Novas - Escola Prática de Artilharia - era o coronel Bilstein de Meneses, homem culto, (ao tempo, proprietário da quinta e da casa senhorial em Cascais, onde hoje está instalada a Biblioteca Municipal). Carmona apresentou-se-lhe e declarou:

- "Sou um revoltado. O senhor Comandante tem duas alternativas: ou me prende ou me obedece."
Bilstein r
espondeu:

- «Revoltado, não…revoltoso, meu General». A semântica para ele era mais importante do que a disciplina militar.

Entretanto juntou-se ao grupo o coronel Pires Viegas, o tal comandante interino da Região Militar. Reuniu os oficiais e fez a seguinte declaração que nos chegou graças ao relato de major Mário Pessoa:

_ «Toda a gente me dizia «Se o exército quisesse!!!»...E parece que o Exército quis." Depois, virando-se para Carmona, acrescentou:

- Tome V. Exª, meu general, o comando da Divisão e seja o que Deus quiser» .

Escreve Mário Pessoa: «Só então soubemos que uma coluna da Marinha tinha sido enviada para interromper a marcha da nossa. Vinha de comboio pelo que lhe cortámos a via férrea em Bombel e ali montámos a emboscada. Ao darem conta do sucedido, os marinheiros decidiram que o Alentejo não era o seu mar e regressaram ao Arsenal de Marinha".

DO não precisou marchar até ao Barreiro. Carmona foi chamado a Lisboa e logo integrado no directório revolucionário. Eram dois - Gomes da Costa e Cabeçadas - passaram a ser três. Cabeçadas lera correctamente a mensagem da Cavalaria sob comando de Domingos d'Oliveira.
Está na natureza das cousas, que os três iriam ficar reduzidos a um, mas, agora,
Carmona era uma das hipóteses.
(continua)

COMENTÁRIOS.

Isabel Themudo Gallego. Que interessante! Começou a acção e traz com ela uma frase de enorme actualidade: “A Pátria está doente” Gosto            Francisco G. de Amorim. Muito, muito boom, como sempre. Obrigado. Um abraço – Gosto            Fernando Figueiredo: É necessário conhecer o passado para compreender o presente e preparar o futuro.

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