Só não percebo a que vem a referência a Mário Soares, como incapaz de seguir iguais trâmites socialistas – certamente o da estratégia de aliança com a esquerda – que, realmente aquele não fez, bastando-lhe um CDS da altura, para o necessário quorum governativo. Realmente, Mário Soares manteve sempre os seus pruridos anti-comunistas, ao que dizia, o “Olhe que não” bisado por Álvaro Cunhal, na sua refutação à acusação feita pelo seu parceiro – e na altura opositor – socialista, de querer transformar Portugal em país comunista, um dos canais televisivos, creio que o da Memória, ainda há pouco patrioticamente o repetia, mas ordens deve ter recebido das altas esferas governativas para eliminar tal anúncio actualmente inverdadeiro e inadequado ao status da nova era, da parceria com esses tais – por necessidade de governança eficaz, é certo, que Marcelo R. S também aceita, todos de Olhão para o negócio honroso. Mas Soares não merece a citação lisonjeira de Maria João Avillez, pois foi ele o cavador-mor de uma viragem política que Marcelo Caetano poderia ter feito sem tanto atropelo de lesa-pátria. De resto, as consequências disto tudo de agora, e mais daquilo de então, Maria João Avillez as define, na irremediabilidade da descrença e da apatia gerais, embora haja muitos comentadores satisfeitos, que até se riem dela – e doutros de idêntica sensatez crítica – que omiti, na sua maioria, geralmente merecedores de asco…
Irremediabilidade /premium
Uma coisa é uma “crise”, outra, o peso
da palavra presidencial, que não do seu comentário; ou a influência da sua magistratura,
que não omnipresença.
Maria João Avillez
OBSERVADOR 24 jun 2021
1 Há
um sopro de irremediabilidade no ar. Vive-se entre o alheamento e a descrença,
numa espera parada. Ninguém
(ou quase) acredita em nada. Seis anos
deste socialismo que Mário Soares nem abraçaria, nem praticaria, forçaram-nos a uma
condição muito pouco parecida com o que deve ser uma vida de plena cidadania: um
colectivo de mais de setenta pessoas (o maior de sempre) que em vez de governar
nacionalmente – para isso foi (finalmente) eleito há dois anos – o faz para os “seus”
e para o funcionalismo público, dividindo os portugueses entre filhos e
enteados. Não há
procura de bem comum, há afã e afinco numa acção política de defesa de uns e
desconsideração dos outros: beneficiando quem pertence ao universo do voto
antecipadamente assegurado e desconfiando de quem se activa a produzir riqueza,
que é o outro nome para quem tenta fazer crescer um país impedido politicamente
de crescer. Cresce o Estado.
(e até onde crescerá ainda?), ampliando
diariamente uma administração pública cuja dimensão é directamente proporcional
à sua estrondosa, vergonhosa, indecente, ineficácia. Não é
difícil antecipar uma herança que um dia, indefesos e aflitos, os nossos netos
descobrirão que se chama Portugal.
2 As
sondagens mais-dia-menos-dia são assim capazes de começar a
resvalar para o ilusório: a abstenção
tem sido demasiado eloquente para ser disfarçada, o governo – minoritário –
representa quarenta por cento de muito menos do que se pensa. De fora do perímetro do funcionalismo
público e dos dependentes da família socialista alargada (ambos solidamente
ancorados na forma-mentis portuguesa, é verdade) há no entanto muita gente que
começa a não gostar do que vê. Há sim,
mesmo que não pareça ou que ainda não seja a toada geral. Gente que não gosta deste modus faciendi político,
que não gosta de se saber enteada em vez de filha de pleno direito; gente que já
se apercebeu que como nos termómetros a febre da corrupção tem subido
(e a decência descido); que se
enoja (desculpem) de ver governantes sentados na sua própria
irresponsabilidade, continuarem também sentados no conselho de ministros; de
ouvir a toda a hora – sem sombra de pudor ou vergonha –evocar os milhões para a
TAP ou para os Novos (e velhos) bancos, enquanto se atrasam prometidos e
calendarizados apoios ou quando as (insubstituíveis) Instituições de
Solidariedade Social quase agonizam.
Já se sabe? Já, nada disto é de agora. O que pode ser novo é a
consciencialização disto, ou seja o poder transformador dessa mesma
consciencialização, assuma ela a forma que assumir. Não
há alternativa? Até haver, não há (La Palice não o diria como mais brilho).
A diferença é que essa espécie de paralisante ausência de alternativa que o
país interiorizou como um “dictat”, um dia também se sumirá do horizonte. A
política é pródiga em surpresa.
3 Claro,
já se sabe, vem aí muito, muito, dinheiro. Outra ilusão: sulfúrica para
Portugal, venenosa para o governo, nefasta para os portugueses. De resto, fora do reduto do “eles” (“eles” são
a vasta família que nos desgoverna mais os seus dependentes) quantos são
os portugueses que acreditam: 1) que o
tal Plano de Recuperação irá ser bem aplicado? 2) que a sua concretização
contemplará as prioridades e necessidades prementes do todo nacional e não só
alguns dos seus sectores políticos, económicos, sociais, sociológicos, em
detrimento dos do costume? Poucos
acreditarão. Ou seja, poucos acreditam que daqui a meia dúzia de anos, o
país tenha dado boa, proveitosa e equitativa conta dos milhões que pediu para
ir com pressa levantar ao banco (pedido infelizmente imortalizado por uma
câmara de televisão: dormiríamos melhor se quando nos contassem, pudéssemos ao
menos duvidar).
4 Ninguém
melhor do que o Presidente da República sabe tudo isto. E como sabe, Marcelo teme: pelo destino do PRR, pelo efeito
potencialmente errado das escolhas e prioridades nele contidas, pela incerteza
que dessa lista de escolhas resulte um Portugal “melhor”; pelas divisões que
acentuará no país e na sociedade portuguesa.
E
por isso repete a-torto-e-a-direito que “crise” nem pensar: está fora do menu
presidencial ou como dizem nas perfumarias “o artigo está descontinuado”. Somar uma crise de proporções desconhecidas à
complexíssima concretização de um Plano desta envergadura financeira e
política, ”nem pensar”. Por saber
que Marcelo pensa tudo isto, pertenço assim ao (diminuto?) grupo dos que nunca
acharam que aquele torpedo disparado sobre António Costa – “sou eu que nomeio o
Primeiro-Ministro e não ele que nomeia o Presidente da República” – fosse um
pré-aviso de crise ou um anúncio de ruptura. Foi um sinal de desagrado,
o que não é o mesmo. Ou melhor, foi o que o Presidente acha
que pode fazer.
5 Acha
mas é pena que ache. Sucede que o Chefe de Estado não está infelizmente certo
ou tão certo como pensa. Ou melhor, tão “limitado”. Há folga
(se ele tiver fôlego) para mais exigência de responsabilização ou pelo menos
uma considerável parte dos portugueses e não apenas do centro ou da direita,
percepciona que há.
Muito
provavelmente se o PR me ouvisse, diria que o faz em privado. Seja, mas não
chega: o país precisa de saber que o faz, que também se
espanta, se indigna, se aflige. Mais: uma coisa é uma crise, outra, o peso da
sua palavra, que não do seu comentário; ou a influência da sua magistratura,
que não se pode confundir com omnipresença.
E
ainda: uma coisa é infantilizar os portugueses com selfies e excesso de
proximidade, outra, saber mobilizá-los para um combate e o país precisa de
alguns. (e só estou agora a pensar na educação e na justiça).
6. O
pior que podia acontecer era o Presidente da República também se deixar
contaminar pela sensação de irremediabilidade que tinge boa parte do ar deste
tempo.
Ou
já deixou? Às vezes parece. Mas pode ser que eu esteja enganada.
COMENTÁRIOS:
carlos Heitor: infelizmente a maria João não
está enganada...quem está enganado são os milhares/milhões de portugueses, uns
ingénuos ,outros que se aproveitam dos restos deste socialismo corrupto. Enquanto
isso acontecer temos que sustentar esta tropa fandanga, medíocre, sem ambição e
a encher os bolsos à nossa custa.
Domingas Coutinho: Isto está tão mau tão mau que até
a ética devia ser Lei já que se baseiam na Lei para fazer tudo o que querem
dizendo estar dentro da Lei, esquecendo a ética. Veja-se o artigo do Público de
hoje de João Miguel Tavares. Hugo Filipe: o
presidente faz parte do problema advoga diabo: A
severidade e inconstância da pandemia tem semeado um sentimento de
irremediabilidade, por isso, particularmente os mais altos responsáveis pelo
país, têm de ser fortes e não esmorecerem com estes falsos profetas da
desgraça, só o são quando lhes convém. É o que tem acontecido, a recuperação
está em marcha!
Luisa Falcão: Os nossos filhos e netos não nos
vão perdoar a falta de decência política que tudo inquina. Como lhes iremos
explicar? VICTORIA ARRENEGA: Só
uma palavra para classificar esta crónica: FABULOSA. MJA vai fazendo o
diagnóstico da situação, cada vez mais agravada pelo crescente descontentamento
e chega precisamente ao essencial: o apelo ao PR. este é um dos apelos mais
«gritantes» que nós temos lido: Marcelo simultaneamente o omnipresente e o omniausente.
É impossível que Marcelo não pense na hipótese de um dia ser mesmo obrigado a
tomar uma atitude, aquela atitude que já várias vezes tem rejeitado. Será que
isso lhe tira o sono? Será que é nisso que pensa quando dá as suas braçadas na
baia de Cascais? Carlos
Quartel: Hoje as crónicas do dia são de derrota, de desânimo,
de desesperança. Com vários tons e intensidades, em todas elas se nota um
sentimento de inevitabilidade, da impossibilidade de qualquer alteração. De
facto, com todas as tropelias governamentais (e camarárias) o alheamento
popular é desesperante. Nem golas, nem Cabritas, mais ou menos Adão, ou
Vitorino, com ou sem procurador para Bruxelas, com declarações sobre a PGR, com
primeira página do Expresso referindo o nível da aldrabice em 70%, tudo isso é
conversa que entra por um ouvido e sai pelo outro, para a grande parte da
população. O futebol tudo cobre e para quem não gosta, aí temos as Cristinas e
as Júlias. Todo o arco da imbecilidade está preenchido e ninguém escapa.
Quanto a Marcelo é um colaborador necessário ao
sistema, com algumas independências avulsas, mais para justificar a função.
Enquanto a teta de Bruxelas não secar, que ninguém
conte com modificações. O povo está feliz e
passámos aos oitavos ..... Simplesmente Maria: Um
artigo que excede o superlativo de excelente. Pena não ser lido pelo PR, mas a
história o julgará. Pontifex
Maximus: Artigo manhoso, a bater na tecla
estafada de que os funcionários públicos votam PS (acredito que muitos votem,
mas com que base legitimária se assume a parte pelo todo?) e sobretudo
desculpabilizadora do papel do Marcelo no lodaçal em que o país está transformado.
Tudo como dantes quartel general em Abrantes… Manuel Ferreira21: Brilhante
artigo. A Maria João sabe que ele a lê e não deixa de ler os nossos
comentários. Um presidente tentar contrariar a nossa mediocridade tem custos,
incompatíveis com as memórias fofinhas que os presidentes gostam de escrever. Tal
como ficou demonstrado com Cavaco, um dos melhores políticos da democracia, ao
deixar falir o país pelo Sócrates, sendo Cavaco um economista conceituado, não
podemos esperar milagres de Marcelo, um situacionista deste "Estado
Novo" da democracia. A presidência da república é irrelevante e o
parlamentarismo matará a democracia, como aconteceu na 1ª República. Reitero,
caminhamos para nova pré-bancarrota e
consequente pedido de ajuda. Nada de angústias, o futebol é a prioridade e
agora temos de arranjar autocarros e ir todos para Sevilha, segundo Ferro
Rodrigues. Uma questão para os avençados da comunicação social: como
está o caso da marquise do Ronaldo? Devíamos voltar a colocar panos negros nas
estátuas do Camões em todo o país e ter um assomo de dignidade. Se continuarmos
assim, vamos acabar a disputar o 1º lugar na Europa com os Romenos. Mas
atenção, nem tudo está mal: há 136000 portugueses com um património de 1 milhão
de dólares, parece impossível, não é? bento guerra: Um
país em decadência ,social e económica. Que interessa aos políticos?"The
show must go on"
Henrique Ribeiro: A preocupação é assaz genuína e
sobremaneira pertinente. No rol dos que a sentem, angustiados, há muitos que
vivem o dia-a-dia com o credo na boca. Contudo,
a conduta de "... infantilizar os portugueses com selfies e excesso de
proximidade..." evidencia que o presidente prefere aquela postura à de
"... saber mobilizá-los para um combate e o país precisa de alguns (e só
estou agora a pensar na educação e na justiça)". A
inteligência que os media lhe atribuem não tem expressão efectiva no que ao
exercício do poder concerne. Andrade QB: Para se começar a
centrar o discurso no que se pode fazer com os tais de que depende o
desenvolvimento do país e menos com a denúncia de como o PS manipula os sectores
de eleitores a quem compra os votos, falta resolver essa púdica tolerância com
Marcelo Rebelo de Sousa. Não, Marcelo nem
uma vez fez um dos seus alertas para alterar o que Costa quis fazer. Os seus
"alertas" destinam-se a deixar passar o jogo sujo de Costa.
Quando faz o alerta para o necessidade de um bom uso das esmolas é para fazer
passar o descarado apoio que deu à substituição no aparelho da justiça e
Tribunal de Contas de quem poderia velar por isso. Antonio Alvim:
"Presidente da República considera que
legislativas de 2023 devem servir para julgar uso dos fundos europeus".
penso que com esta frase Marcelo se pôs fora de jogo. Deixou para os eleitores
a avaliação. Daniel
José > Antonio Alvim É especialista em
estar fora de jogo, estar dentro é que é de valor. Graça Ribeiro > Antonio Alvim: É verdade! Bem
observado
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