sexta-feira, 25 de junho de 2021

Palavras do nosso vento


Só não percebo a que vem a referência a Mário Soares, como incapaz de seguir iguais trâmites socialistas – certamente o da estratégia de aliança com a esquerda – que, realmente aquele não fez, bastando-lhe um CDS da altura, para o necessário quorum governativo. Realmente, Mário Soares manteve sempre os seus pruridos anti-comunistas, ao que dizia, o “Olhe que não” bisado por Álvaro Cunhal, na sua refutação à acusação feita pelo seu parceiro – e na altura opositor – socialista, de querer transformar Portugal em país comunista, um dos canais televisivos, creio que o da Memória, ainda há pouco patrioticamente o repetia, mas ordens deve ter recebido das altas esferas governativas para eliminar tal anúncio actualmente inverdadeiro e inadequado ao status da nova era, da parceria com esses tais – por necessidade de governança eficaz, é certo, que Marcelo R. S também aceita, todos de Olhão para o negócio honroso. Mas Soares não merece a citação lisonjeira de Maria João Avillez, pois foi ele o cavador-mor de uma viragem política que Marcelo Caetano poderia ter feito sem tanto atropelo de lesa-pátria. De resto, as consequências disto tudo de agora, e mais daquilo de então, Maria João Avillez as define, na irremediabilidade da descrença e da apatia gerais, embora haja muitos comentadores satisfeitos, que até se riem dela – e doutros de idêntica sensatez crítica – que omiti, na sua maioria, geralmente merecedores de asco…

Irremediabilidade /premium

Uma coisa é uma “crise”, outra, o peso da palavra presidencial, que não do seu comentário; ou a influência da sua magistratura, que não omnipresença.

Maria João Avillez

OBSERVADOR 24 jun 2021

1 Há um sopro de irremediabilidade no ar. Vive-se entre o alheamento e a descrença, numa espera parada. Ninguém (ou quase) acredita em nada. Seis anos deste socialismo que Mário Soares nem abraçaria, nem praticaria, forçaram-nos a uma condição muito pouco parecida com o que deve ser uma vida de plena cidadania: um colectivo de mais de setenta pessoas (o maior de sempre) que em vez de governar nacionalmente – para isso foi (finalmente) eleito há dois anos – o faz para os “seus” e para o funcionalismo público, dividindo os portugueses entre filhos e enteados. Não há procura de bem comum, há afã e afinco numa acção política de defesa de uns e desconsideração dos outros: beneficiando quem pertence ao universo do voto antecipadamente assegurado e desconfiando de quem se activa a produzir riqueza, que é o outro nome para quem tenta fazer crescer um país impedido politicamente de crescer. Cresce o Estado. (e até onde crescerá ainda?), ampliando diariamente uma administração pública cuja dimensão é directamente proporcional à sua estrondosa, vergonhosa, indecente, ineficácia. Não é difícil antecipar uma herança que um dia, indefesos e aflitos, os nossos netos descobrirão que se chama Portugal.

2 As sondagens mais-dia-menos-dia são assim capazes de começar a resvalar para o ilusório: a abstenção tem sido demasiado eloquente para ser disfarçada, o governo – minoritário – representa quarenta por cento de muito menos do que se pensa. De fora do perímetro do funcionalismo público e dos dependentes da família socialista alargada (ambos solidamente ancorados na forma-mentis portuguesa, é verdade) há no entanto muita gente que começa a não gostar do que vê. Há sim, mesmo que não pareça ou que ainda não seja a toada geral. Gente que não gosta deste modus faciendi político, que não gosta de se saber enteada em vez de filha de pleno direito; gente que já se apercebeu que como nos termómetros a febre da corrupção tem subido (e a decência descido); que se enoja (desculpem) de ver governantes sentados na sua própria irresponsabilidade, continuarem também sentados no conselho de ministros; de ouvir a toda a hora – sem sombra de pudor ou vergonha –evocar os milhões para a TAP ou para os Novos (e velhos) bancos, enquanto se atrasam prometidos e calendarizados apoios ou quando as (insubstituíveis) Instituições de Solidariedade Social quase agonizam.

Já se sabe? Já, nada disto é de agora. O que pode ser novo é a consciencialização disto, ou seja o poder transformador dessa mesma consciencialização, assuma ela a forma que assumir. Não há alternativa? Até haver, não há (La Palice não o diria como mais brilho). A diferença é que essa espécie de paralisante ausência de alternativa que o país interiorizou como um “dictat”, um dia também se sumirá do horizonte. A política é pródiga em surpresa.

3 Claro, já se sabe, vem aí muito, muito, dinheiro. Outra ilusão: sulfúrica para Portugal, venenosa para o governo, nefasta para os portugueses. De resto, fora do reduto do “eles” (“eles” são a vasta família que nos desgoverna mais os seus dependentes) quantos são os portugueses que acreditam: 1) que o tal Plano de Recuperação irá ser bem aplicado? 2) que a sua concretização contemplará as prioridades e necessidades prementes do todo nacional e não só alguns dos seus sectores políticos, económicos, sociais, sociológicos, em detrimento dos do costume? Poucos acreditarão. Ou seja, poucos acreditam que daqui a meia dúzia de anos, o país tenha dado boa, proveitosa e equitativa conta dos milhões que pediu para ir com pressa levantar ao banco (pedido infelizmente imortalizado por uma câmara de televisão: dormiríamos melhor se quando nos contassem, pudéssemos ao menos duvidar).

4 Ninguém melhor do que o Presidente da República sabe tudo isto. E como sabe, Marcelo teme: pelo destino do PRR, pelo efeito potencialmente errado das escolhas e prioridades nele contidas, pela incerteza que dessa lista de escolhas resulte um Portugal “melhor”; pelas divisões que acentuará no país e na sociedade portuguesa.

E por isso repete a-torto-e-a-direito que “crise” nem pensar: está fora do menu presidencial ou como dizem nas perfumarias “o artigo está descontinuado”. Somar uma crise de proporções desconhecidas à complexíssima concretização de um Plano desta envergadura financeira e política, ”nem pensar”. Por saber que Marcelo pensa tudo isto, pertenço assim ao (diminuto?) grupo dos que nunca acharam que aquele torpedo disparado sobre António Costa – “sou eu que nomeio o Primeiro-Ministro e não ele que nomeia o Presidente da República” – fosse um pré-aviso de crise ou um anúncio de ruptura. Foi um sinal de desagrado, o que não é o mesmo. Ou melhor, foi o que o Presidente acha que pode fazer.

5 Acha mas é pena que ache. Sucede que o Chefe de Estado não está infelizmente certo ou tão certo como pensa. Ou melhor, tão “limitado”. Há folga (se ele tiver fôlego) para mais exigência de responsabilização ou pelo menos uma considerável parte dos portugueses e não apenas do centro ou da direita, percepciona que há.

Muito provavelmente se o PR me ouvisse, diria que o faz em privado. Seja, mas não chega: o país precisa de saber que o faz, que também se espanta, se indigna, se aflige. Mais: uma coisa é uma crise, outra, o peso da sua palavra, que não do seu comentário; ou a influência da sua magistratura, que não se pode confundir com omnipresença.

E ainda: uma coisa é infantilizar os portugueses com selfies e excesso de proximidade, outra, saber mobilizá-los para um combate e o país precisa de alguns. (e só estou agora a pensar na educação e na justiça).

6. O pior que podia acontecer era o Presidente da República também se deixar contaminar pela sensação de irremediabilidade que tinge boa parte do ar deste tempo.

Ou já deixou? Às vezes parece. Mas pode ser que eu esteja enganada.

POLÍTICA  GOVERNO

COMENTÁRIOS:

carlos Heitor: infelizmente a maria João não está enganada...quem está enganado são os milhares/milhões de portugueses, uns ingénuos ,outros que se aproveitam dos restos deste socialismo corrupto. Enquanto isso acontecer temos que sustentar esta tropa fandanga, medíocre, sem ambição e a encher os bolsos à nossa custa.            Domingas Coutinho: Isto está tão mau tão mau que até a ética devia ser Lei já que se baseiam na Lei para fazer tudo o que querem dizendo estar dentro da Lei, esquecendo a ética. Veja-se o artigo do Público de hoje de João Miguel Tavares. Hugo Filipe: o presidente faz parte do problema            advoga diabo: A severidade e inconstância da pandemia tem semeado um sentimento de irremediabilidade, por isso, particularmente os mais altos responsáveis pelo país, têm de ser fortes e não esmorecerem com estes falsos profetas da desgraça, só o são quando lhes convém. É o que tem acontecido, a recuperação está em marcha!

Luisa Falcão: Os nossos filhos e netos não nos vão perdoar a falta de decência política que tudo inquina. Como lhes iremos explicar?           VICTORIA ARRENEGA: Só uma palavra para classificar esta crónica: FABULOSA. MJA vai fazendo o diagnóstico da situação, cada vez mais agravada pelo crescente descontentamento e chega precisamente ao essencial: o apelo ao PR. este é um dos apelos mais «gritantes» que nós temos lido: Marcelo simultaneamente o omnipresente e o omniausente. É impossível que Marcelo não pense na hipótese de um dia ser mesmo obrigado a tomar uma atitude, aquela atitude que já várias vezes tem rejeitado. Será que isso lhe tira o sono? Será que é nisso que pensa quando dá as suas braçadas na baia de Cascais?          Carlos Quartel: Hoje as crónicas do dia são de derrota, de desânimo, de desesperança. Com vários tons e intensidades, em todas elas se nota um sentimento de inevitabilidade, da impossibilidade de qualquer alteração. De facto, com todas as tropelias governamentais (e camarárias) o alheamento popular é desesperante. Nem golas, nem Cabritas, mais ou menos Adão, ou Vitorino, com ou sem procurador para Bruxelas, com declarações sobre a PGR, com primeira página do Expresso referindo o nível da aldrabice em 70%, tudo isso é conversa que entra por um ouvido e sai pelo outro, para a grande parte da população. O futebol tudo cobre e para quem não gosta, aí temos as Cristinas e as Júlias. Todo o arco da imbecilidade está preenchido e ninguém escapa. Quanto a Marcelo é um colaborador necessário ao sistema, com algumas independências avulsas, mais para justificar a função. Enquanto a teta de Bruxelas não secar, que ninguém conte com modificações. O povo está feliz e passámos aos oitavos .....                Simplesmente Maria: Um artigo que excede o superlativo de excelente. Pena não ser lido pelo PR, mas a história o julgará.           Pontifex Maximus: Artigo manhoso, a bater na tecla estafada de que os funcionários públicos votam PS (acredito que muitos votem, mas com que base legitimária se assume a parte pelo todo?) e sobretudo desculpabilizadora do papel do Marcelo no lodaçal em que o país está transformado. Tudo como dantes quartel general em Abrantes…                 Manuel Ferreira21: Brilhante artigo. A Maria João sabe que ele a lê e não deixa de ler os nossos comentários. Um presidente tentar contrariar a nossa mediocridade tem custos, incompatíveis com as memórias fofinhas que os presidentes gostam de escrever. Tal como ficou demonstrado com Cavaco, um dos melhores políticos da democracia, ao deixar falir o país pelo Sócrates, sendo Cavaco um economista conceituado, não podemos esperar milagres de Marcelo, um situacionista deste "Estado Novo" da democracia. A presidência da república é irrelevante e o parlamentarismo matará a democracia, como aconteceu na 1ª República. Reitero, caminhamos para nova pré-bancarrota  e consequente pedido de ajuda. Nada de angústias, o futebol é a prioridade e agora temos de arranjar autocarros e ir todos para Sevilha, segundo Ferro Rodrigues. Uma questão para os avençados da comunicação social: como está o caso da marquise do Ronaldo? Devíamos voltar a colocar panos negros nas estátuas do Camões em todo o país e ter um assomo de dignidade. Se continuarmos assim, vamos acabar a disputar o 1º lugar na Europa com os Romenos. Mas atenção, nem tudo está mal: há 136000 portugueses com um património de 1 milhão de dólares, parece impossível, não é?            bento guerra: Um país em decadência ,social e económica. Que interessa aos políticos?"The show must go on"                 Henrique Ribeiro: A preocupação é assaz genuína e sobremaneira pertinente. No rol dos que a sentem, angustiados, há muitos que vivem o dia-a-dia com o credo na boca. Contudo, a conduta de "... infantilizar os portugueses com selfies e excesso de proximidade..." evidencia que o presidente prefere aquela postura à de "... saber mobilizá-los para um combate e o país precisa de alguns (e só estou agora a pensar na educação e na justiça)". A inteligência que os media lhe atribuem não tem expressão efectiva no que ao exercício do poder concerne.            Andrade QB: Para se começar a centrar o discurso no que se pode fazer com os tais de que depende o desenvolvimento do país e menos com a denúncia de como o PS manipula os sectores de eleitores a quem compra os votos, falta resolver essa púdica tolerância com Marcelo Rebelo de Sousa. Não, Marcelo nem uma vez fez um dos seus alertas para alterar o que Costa quis fazer. Os seus "alertas" destinam-se a deixar passar o jogo sujo de Costa. Quando faz o alerta para o necessidade de um bom uso das esmolas é para fazer passar o descarado apoio que deu à substituição no aparelho da justiça e Tribunal de Contas de quem poderia velar por isso. Antonio Alvim: "Presidente da República considera que legislativas de 2023 devem servir para julgar uso dos fundos europeus". penso que com esta frase Marcelo se pôs fora de jogo. Deixou para os eleitores a avaliação.              Daniel José > Antonio Alvim É especialista em estar fora de jogo, estar dentro é que é de valor.                  Graça Ribeiro > Antonio Alvim: É verdade! Bem observado

 

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