segunda-feira, 28 de junho de 2021

“Eu é mais bolos”


Já foi há dois domingos. De repente, sem avisar, ou eu, pelo menos, não estava na onda, embora sentada ao seu lado, ouço da nossa amiga, espampanante na amplitude dos seus gestos e das suas falas:

-A D. Dolores? Está a começar a carreira agora.

- Hein!? Mas quem é a D. Dolores? – pergunto, intrigada.

Éramos várias pessoas à mesa, eu ainda não me sentia integrada nas temáticas da nossa recreação dominical desse dia, toda no enternecimento da presença da Paula e da Catarina, chegadas pouco antes, e já sentadas nas respectivas cadeiras retiradas de outras mesas vazias, nem sei quem levantara a referência, se a minha irmã, se a Anita, que a essas também nada lhes escapa do que vai no mundo...

A nossa amiga continuava, grandiloquente e altissonante, como sempre indiferente às minhas perguntas de ignorância pura, quando se encontra lançada no seu desenvolto discurso de um firme saber, não de “experto peito”, todavia, como o do outro, do Restelo:

- Eu vejo a D. Dolores, a Dolores está a começar a carreira agora!

Sufoquei:

- Hein? Outra vez? Mas quem é a Dolores?

E a Catarina, de acentuar:

- Ela deve tomar conta das lojas.

Fiquei arrumada. Já as conversas, pela mesa, andavam noutra onda, desisti de compreender. E a Paula pedia, entretanto, que eu escrevesse as falas da nossa amiga, forneceu-me mesmo uma folhinha do seu ínfimo bloco quadriculado, para os números, e nele tomei nota, com palavras, das falas acima, para contar o caso posteriormente, como ela entendia que fizesse.

Este domingo, perguntou-me se fizera o texto sobre o tal tema em torno da D. Dolores, mas referi que me esquecera de telefonar à nossa amiga para o meu esclarecimento indispensável à elucidação dos factos. Mas até trouxera o coto do quadriculado, para acrescentar o que necessário fosse, de maior precisão noticiosa.

Afinal, tratava-se da mãe de Ronaldo, de quem eu ouvira falar em tempos, mas tudo agora me esquece, não sei se da idade, não havia vislumbre de nenhuma Dolores nos meus horizontes espirituais, por mais abrangentes que já tivessem sido. E a nossa amiga, ao que eu soube ontem, no café onde o Ricardo e o João também compareceram, vê – ou tinha visto – a D. Dolores na TVI, publicitando. Daí a sua referência à tal ascensão da sua visibilidade por premonição sua.

Passei, assim, à Paula, o coto do quadriculado dela, onde guardara os meus dados, no domingo anterior, a qual nele acrescentou o que segue, reparei que com muitas paragens e interrupções, pois simultaneamente dava o seu parecer, nas conversas connosco – mais com elas e eles, aliás, da nossa mesa, pois eu sou mais de ouvir e calar:

 

«Geria a fortuna do filho.»

«Criou os netos e agora, que tem tempo livre, faz publicidade na TVI.»

 

Foi, repito, o que acrescentou a Paula, sobre a D. Dolores no folheto que lhe passei, dado por ela, no domingo anterior, para transcrever as falas da nossa amiga sobre a D. Dolores em ascensão.

Tenho de perguntar à nossa amiga a que horas é o anúncio da D. Dolores na TVI, para lhe seguir a carreira publicitária.

Com júbilo. Pois inveja não é coisa que me corroa o espírito. Nem o fígado, apesar de alguma pedra na vesícula, que já me aconselharam a extrair. Mas acho que temos que ser antes uns para os outros, como disse o Herman, cuja doutrina devemos seguir.

Eu, é mais bolos - como também ele, em tempo, disse à Helena Isabel que era com ele, lembro-me bem, e, aliás, vem no Youtube, - a justificar-nos o peso. E a pedra da vesícula. Mas também a generosidade do pensamento, afinal, resultante da democracia que tanto nos eleva a mente.


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