- OPINIÃO
Não subestimemos Viktor Orbán
A paisagem política europeia
fragmenta-se. E embora Orbán seja um caso extremo, multiplicam-se os seus
imitadores.
PÚBLICO; 27 de
Junho de 2021
1. Foi um
Conselho Europeu tenso e fora do habitual, o último da presidência portuguesa
da União. Dois
temas dominaram os trabalhos, obrigando a longas horas de debate intenso sobre
duas questões fundamentais da vida da União Europeia. A
integração europeia tem na sua génese um conjunto de valores democráticos e liberais
que constituem o seu mais sólido fundamento. Por isso, é muito mais do que uma
simples associação de países que visam prosseguir interesses económicos comuns. Quando esses valores estão em causa é preciso
defendê-los. Foi o que a esmagadora
maioria dos seus líderes fez na quinta-feira passada, em Bruxelas, diante de
mais uma violação descarada desses valores. Não chega a ser uma surpresa. A
Hungria iniciou há uma década uma deriva iliberal e autoritária que a tem
afastado dos valores que todos os Estados-membros se comprometem a respeitar
quando aderem à União Europeia. Desta
vez, foi a aprovação de uma lei que discrimina os direitos das comunidades
LGBTQ, ao proibir
qualquer referência à questão nas escolas até aos 18 anos de idade. O argumento é deixar aos pais a liberdade para
escolher os valores com que educam os filhos. A lei, que até pode parecer sensata, é discriminatória porque, bem
lida, induz a ideia de que a homossexualidade se transmite por contágio, com
uma muito pouco subtil ligação à pedofilia. Os direitos e as liberdades dos
indivíduos estão na base das democracias liberais que não permitem, por isso,
qualquer espécie de discriminação política, religiosa, étnica, de género ou
outra qualquer.
2. Orbán
nem sequer esconde o que pensa das democracias europeias, quando
defende abertamente uma “democracia iliberal”, arvorando-se em defensor dos
“verdadeiros valores europeus” que define como cristãos. Acusa as democracias
liberais e, em particular, as correntes de centro-direita que têm a sua origem
na democracia-cristã, de traição aos seus valores fundamentais. Não é um mero
oportunista ou um simples troglodita. Tem um pensamento e sabe que, em muitos
países europeus, os partidos populistas comungam das mesmas ideias. “Os tempos mudaram e se, há 30 anos, nós
acreditámos que a Europa era o nosso futuro, hoje compreendemos que somos nós o
futuro da Europa”, disse o primeiro-ministro húngaro há meia dúzia
de dias, nas comemorações do Dia da Independência.
A defesa da democracia liberal contra
aqueles que abertamente a condenam tornou-se, portanto, uma prioridade absoluta
da União Europeia. Talvez por
isso, o que pode parecer algo perturbador é não termos visto a mesma
indignação e a mesma firmeza dos seus pares europeus quando Orbán
fechou jornais ou universidades,
apenas porque eram críticos dos seus governos ou porque defendiam os valores do
liberalismo. A
universidade fundada por George Soros em Budapeste foi encerrada, ao mesmo
tempo que Orbán acolhia com entusiasmo a Universidade Fudan. É a primeira vez que uma universidade chinesa se
instala num país europeu.
Esta
deriva iliberal tem, naturalmente, consequências nas preferências
internacionais de Budapeste. Orbán
mantém relações próximas com Moscovo e Pequim. A
China fez da Hungria a plataforma regional da Huawei e dos seus esforços para
expandir a tecnologia 5G, e de Budapeste o destino a nova “estrada dos Balcãs”
que liga o Porto do Pireu (comprado por uma empresa estatal chinesa) até ao
centro da Europa.
Falta
ainda saber quais serão as consequências desta indignação. É verdade
que, pela primeira vez, alguns líderes europeus disseram ao primeiro-ministro
húngaro que o lugar do seu país pode não ser na União Europeia. Mark Rutte e
António Costa colocaram a questão nestes termos, permitindo ao primeiro-ministro
português apagar a péssima imagem dada pela presidência portuguesa, quando se
declarou “neutral” em relação à lei húngara contra os homossexuais. A neutralidade exigida a uma presidência
diz respeito às políticas e não aos valores fundamentais.
3. A Rússia foi a
outra grande questão que dividiu profundamente os líderes europeus, levando a
(mais) uma derrota política da chanceler alemã. Tudo começou com uma proposta franco-alemã, saída do
nada na véspera do Conselho Europeu, para a realização de uma cimeira entre a
União Europeia e a Rússia, depois de sete anos de interrupção na sequência da
invasão da Ucrânia, em 2014. Merkel
e Macron justificaram a sua proposta com o
exemplo de Joe
Biden, que se reuniu com o líder russo em
Genebra há 10 dias. “O Presidente dos Estados
Unidos encontrou-se com Putin e não fiquei com a impressão de que isso fosse
uma recompensa para o Presidente russo”, disse a chanceler. “Uma Europa
soberana também deve ser capaz de representar os seus interesses num encontro
similar.” Macron acrescentou que
restabelecer o diálogo com a Rússia “é necessário para a estabilidade do
continente europeu”. O
Presidente francês anda a tentar cativar Putin desde 2019, até agora sem o menor
sucesso. A proposta da dupla franco-alemã surgiu na sequência do relatório de
Josep Borrell, apresentado na semana passada, que transmite um tom bastante
mais pessimista sobre as relações com a Rússia.
O
problema da iniciativa franco-alemã estará menos no conteúdo e mais na forma
como ambos a apresentaram. Houve líderes europeus que tomaram conhecimento dela
pelos jornais. Outros, com quem Merkel terá falado, criticaram a proposta
por não ter sido precedida de negociações entre os Estados-membros e com a
administração americana. A oposição frontal não veio apenas
dos “suspeitos do costume”, ou seja, dos países da Europa Central, como a
Polónia ou os Bálticos, que vêem na Rússia uma ameaça directa à sua segurança,
mas também de alguns países nórdicos, como a Holanda, Suécia ou Finlândia. A frase cáustica de Mark Rutte resume o mal-estar generalizado: “A União Europeia pode reunir-se com Putin quando
quiser, desde que não conte comigo”. Rutte não pode esquecer o avião da
Malaysia Airlines com 300 passageiros a bordo, na sua maioria holandeses,
abatido em Julho de 2014 quando sobrevoava a Ucrânia Oriental, comprovadamente
por um míssil russo.
4. O
problema é que Merkel perdeu a confiança de algumas capitais europeias, que a
acusam de colocar os interesses económicos do seu país à frente dos interesses
do conjunto dos países europeus. Já
ninguém espera que a chanceler esteja disponível para utilizar o Nord Stream 2 como
arma de pressão sobre Putin. As conclusões da cimeira são muito duras em
relação à Rússia, lembrando que ainda falta a Putin respeitar o acordo sobre a
Ucrânia (Minsk 2), negociado com a União e nunca cumprido.
Merkel
ainda deverá estar à frente do Governo de Berlim no Conselho Europeu previsto
para Outubro, mesmo que seja apenas à espera que os vencedores das eleições de 26 de Setembro
se entendam para formar governo – o primeiro desde 2005 em que já não será a
chanceler. Mas, para a maioria dos analistas, a sua partida
iminente pairou sobre a última cimeira da presidência portuguesa, dificultando
consensos que a chanceler, com a sua autoridade política, muitas vezes
conseguiu obter. Vários
diplomatas europeus disseram que explicação para a sua precipitação em relação
à Rússia terá já a ver com o seu desejo de deixar um legado duradouro na
Europa. Não conseguiu. Como não conseguiu impor, em Dezembro do ano passado, um
acordo de investimento com a China que o Parlamento Europeu se encarregou de
congelar.
Quem
estará em condições de substituí-la? Macron, o candidato mais óbvio, enfrenta eleições
presidenciais em Maio do próximo ano, cujo resultado incerto consegue provocar
pesadelos na maioria das capitais europeias. Escrevia o site Politico,
citando uma fonte diplomática, que, durante a cimeira da semana passada, “Rutte
e Costa [dois veteranos] mostraram estar aos comandos”. O site europeu
acrescenta que “o desempenho do primeiro-ministro português se deve, em
parte, à sua posição como líder da presidência do Conselho da União”. Draghi
é admirado, mas é olhado como “um general sem tropas” – com todas as suas
virtudes, não tem um partido atrás dele. O problema de cada vez mais governos
europeus é serem o resultado de coligações, por vezes envolvendo vários partidos.
A paisagem política europeia
fragmenta-se. E convém ter em mente que, embora Orbán seja um caso extremo, na
Polónia, na Eslovénia e noutros países da Europa de Leste, se multiplicam os
seus imitadores.
TÓPICOS
MUNDO OPINIÃO VIKTOR ORBÁN UNIÃO EUROPEIA HUNGRIA PARLAMENTO EUROPEU EXTREMA-DIREITA
COMENTÁRIOS:
Figueira da Foz INFLUENTE: Quem o subestime
deve ler sobre Joseph Goebbels, o idiota, o incapaz, o inculto e ... o violento
nazi em que se transformou! Félix Carlos EXPERIENTE: Ascensão ou
queda. As democracias iliberais devem deixar a união face à firmeza desta na
defesa do conjunto de valores democráticos e liberais que devem ser respeitados
como já sabiam muito bem aquando das negociações para a adesão como candidatos
a estados-membros. Lembra-me sempre a formação para acolher os novos estados em
2004. Dizia-se que quase todos não se reviam quando ouviam falar de
comissários, secretariado-geral da comissão e partilha de soberania. Os
iliberais têm de corrigir-se e acatar a boa norma. Russos, chineses e já agora
turcos e outros também, são adversos. É claro, que há muito trabalho pela
frente e não se deve parar em tão entusiasmante caminho. Figueira da Foz INFLUENTE: Inteiramente de
acordo. francisco cruz EXPERIENTE: Orbán, o grande
tartufo. Sob o manto da religião cristã, camufla a sua incomensurável hipocrisia.
Daniel A. Seabra INICIANTE: É por textos como
este que leio sempre Teresa de Sousa! AARR EXPERIENTE: Se isso o faz feliz, bom para si!! francisco
cruz EXPERIENTE > AARR. Comentário obtuso. Despropositado... e
com 2 pontos de exclamação para enfatizar. É obra!! Será fruto da Covid??
Fun.eduardoferreira.883473 INFLUENTE: É natural que a
Teresa de Sousa enerve muita gente. Pela sua clareza, factualidade, pesquisa…
tudo o que hoje em dia as “happy meals” dos “junk thinkers” abominam. Estou
consigo Daniel e partilho do prazer de ler Teresa Sousa, mesmo quando dela
possa discordar Roberto34 MODERADOR: Concordo também
com o Daniel e Fun. Apesar do texto não ser nada de novo, gosto sempre de ler
os seus textos. AARR EXPERIENTE: Esclareço ...a
minha reticência com os textos de TdS é que são sempre iguais e numa
perspectiva que eu chamaria de "guerreira atlantista", anglo-saxónica
e defensora do excepcionalismo americano. É claro que tem todo o direito a
pensar e escrever assim. Mas há mais mundo para além disso! Gostaria de artigos
mais neutros ou melhor, mais diferenciados num jornal como o Público. A maior
parte das vezes escreve como um benfiquista ferrenho a louvar o Benfica (ou
como um portista a louvar o FCP). É apenas isso. Caricaturando, é sempre a
mesma história ... existem os bons (que são sempre os mesmos) e depois há os
outros que geralmente fazem sempre tudo mal, porque são os maus. A história e a
política não são assim tão simples.... mas reconheço que o meu comentário
inicial era desnecessário ... francisco cruz EXPERIENTE: AARR. Afinal,
você não é o que pareceu ser. Belo gesto... Tem o meu apreço, se é que isso
serve para alguma coisa.
HNeves EXPERIENTE: A Teresa de Sousa
acha que agora também Merkel e Macron começam a descarrilar; para ela o
problema está sempre nas personagens; nunca por nunca admite discutir os credos
europeístas e suas principais resultantes: cada vez mais muita gente a
empobrecer e pouca gente a enriquecer. Joao MODERADOR: Afinal não são só
"os russos procuram sempre um icon a quem rezar" pois por cá andam
sempre a ajoelhar e a personificar na Merkel, no Biden, no Macron, no Ruth,...
Nenhum comentário:
Postar um comentário