terça-feira, 29 de junho de 2021

Ovelha ronhosa?


Quem sabe se não é antes uma posição de sensatez, essa que segue Orban, de defesa de valores de mais seriedade e equilíbrio para o seu país, que não corroam tanto as estruturas sociais como vai acontecendo por toda a parte, no desprezo desses valores tradicionais?
Mas estes textos da preocupada Teresa de Sousa são sempre uma lufada de ar fresco na nossa ânsia de esclarecimento sobre o que se passa lá fora, e bem gratos lhe ficamos por isso.

  1. OPINIÃO

Não subestimemos Viktor Orbán

A paisagem política europeia fragmenta-se. E embora Orbán seja um caso extremo, multiplicam-se os seus imitadores.

TERESA DE SOUSA

PÚBLICO; 27 de Junho de 2021

1. Foi um Conselho Europeu tenso e fora do habitual, o último da presidência portuguesa da União. Dois temas dominaram os trabalhos, obrigando a longas horas de debate intenso sobre duas questões fundamentais da vida da União Europeia. A integração europeia tem na sua génese um conjunto de valores democráticos e liberais que constituem o seu mais sólido fundamento. Por isso, é muito mais do que uma simples associação de países que visam prosseguir interesses económicos comuns. Quando esses valores estão em causa é preciso defendê-los. Foi o que a esmagadora maioria dos seus líderes fez na quinta-feira passada, em Bruxelas, diante de mais uma violação descarada desses valores. Não chega a ser uma surpresa. A Hungria iniciou há uma década uma deriva iliberal e autoritária que a tem afastado dos valores que todos os Estados-membros se comprometem a respeitar quando aderem à União Europeia. Desta vez, foi a aprovação de uma lei que discrimina os direitos das comunidades LGBTQ, ao proibir qualquer referência à questão nas escolas até aos 18 anos de idade. O argumento é deixar aos pais a liberdade para escolher os valores com que educam os filhos. A lei, que até pode parecer sensata, é discriminatória porque, bem lida, induz a ideia de que a homossexualidade se transmite por contágio, com uma muito pouco subtil ligação à pedofilia. Os direitos e as liberdades dos indivíduos estão na base das democracias liberais que não permitem, por isso, qualquer espécie de discriminação política, religiosa, étnica, de género ou outra qualquer.

2. Orbán nem sequer esconde o que pensa das democracias europeias, quando defende abertamente uma “democracia iliberal”, arvorando-se em defensor dos “verdadeiros valores europeus” que define como cristãos. Acusa as democracias liberais e, em particular, as correntes de centro-direita que têm a sua origem na democracia-cristã, de traição aos seus valores fundamentais. Não é um mero oportunista ou um simples troglodita. Tem um pensamento e sabe que, em muitos países europeus, os partidos populistas comungam das mesmas ideias. “Os tempos mudaram e se, há 30 anos, nós acreditámos que a Europa era o nosso futuro, hoje compreendemos que somos nós o futuro da Europa”, disse o primeiro-ministro húngaro há meia dúzia de dias, nas comemorações do Dia da Independência.

A defesa da democracia liberal contra aqueles que abertamente a condenam tornou-se, portanto, uma prioridade absoluta da União Europeia. Talvez por isso, o que pode parecer algo perturbador é não termos visto a mesma indignação e a mesma firmeza dos seus pares europeus quando Orbán fechou jornais ou universidades, apenas porque eram críticos dos seus governos ou porque defendiam os valores do liberalismo. A universidade fundada por George Soros em Budapeste foi encerrada, ao mesmo tempo que Orbán acolhia com entusiasmo a Universidade Fudan. É a primeira vez que uma universidade chinesa se instala num país europeu.

Esta deriva iliberal tem, naturalmente, consequências nas preferências internacionais de Budapeste. Orbán mantém relações próximas com Moscovo e Pequim. A China fez da Hungria a plataforma regional da Huawei e dos seus esforços para expandir a tecnologia 5G, e de Budapeste o destino a nova “estrada dos Balcãs” que liga o Porto do Pireu (comprado por uma empresa estatal chinesa) até ao centro da Europa.

Falta ainda saber quais serão as consequências desta indignação. É verdade que, pela primeira vez, alguns líderes europeus disseram ao primeiro-ministro húngaro que o lugar do seu país pode não ser na União Europeia. Mark Rutte e António Costa colocaram a questão nestes termos, permitindo ao primeiro-ministro português apagar a péssima imagem dada pela presidência portuguesa, quando se declarou “neutral” em relação à lei húngara contra os homossexuais. A neutralidade exigida a uma presidência diz respeito às políticas e não aos valores fundamentais.

3. A Rússia foi a outra grande questão que dividiu profundamente os líderes europeus, levando a (mais) uma derrota política da chanceler alemã. Tudo começou com uma proposta franco-alemã, saída do nada na véspera do Conselho Europeu, para a realização de uma cimeira entre a União Europeia e a Rússia, depois de sete anos de interrupção na sequência da invasão da Ucrânia, em 2014. Merkel e Macron justificaram a sua proposta com o exemplo de Joe Biden, que se reuniu com o líder russo em Genebra há 10 dias. “O Presidente dos Estados Unidos encontrou-se com Putin e não fiquei com a impressão de que isso fosse uma recompensa para o Presidente russo”, disse a chanceler. “Uma Europa soberana também deve ser capaz de representar os seus interesses num encontro similar.” Macron acrescentou que restabelecer o diálogo com a Rússia “é necessário para a estabilidade do continente europeu”. O Presidente francês anda a tentar cativar Putin desde 2019, até agora sem o menor sucesso. A proposta da dupla franco-alemã surgiu na sequência do relatório de Josep Borrell, apresentado na semana passada, que transmite um tom bastante mais pessimista sobre as relações com a Rússia.

O problema da iniciativa franco-alemã estará menos no conteúdo e mais na forma como ambos a apresentaram. Houve líderes europeus que tomaram conhecimento dela pelos jornais. Outros, com quem Merkel terá falado, criticaram a proposta por não ter sido precedida de negociações entre os Estados-membros e com a administração americana. A oposição frontal não veio apenas dos “suspeitos do costume”, ou seja, dos países da Europa Central, como a Polónia ou os Bálticos, que vêem na Rússia uma ameaça directa à sua segurança, mas também de alguns países nórdicos, como a Holanda, Suécia ou Finlândia. A frase cáustica de Mark Rutte resume o mal-estar generalizado: “A União Europeia pode reunir-se com Putin quando quiser, desde que não conte comigo”. Rutte não pode esquecer o avião da Malaysia Airlines com 300 passageiros a bordo, na sua maioria holandeses, abatido em Julho de 2014 quando sobrevoava a Ucrânia Oriental, comprovadamente por um míssil russo.

4. O problema é que Merkel perdeu a confiança de algumas capitais europeias, que a acusam de colocar os interesses económicos do seu país à frente dos interesses do conjunto dos países europeus. Já ninguém espera que a chanceler esteja disponível para utilizar o Nord Stream 2 como arma de pressão sobre Putin. As conclusões da cimeira são muito duras em relação à Rússia, lembrando que ainda falta a Putin respeitar o acordo sobre a Ucrânia (Minsk 2), negociado com a União e nunca cumprido.

Merkel ainda deverá estar à frente do Governo de Berlim no Conselho Europeu previsto para Outubro, mesmo que seja apenas à espera que os vencedores das eleições de 26 de Setembro se entendam para formar governo – o primeiro desde 2005 em que já não será a chanceler. Mas, para a maioria dos analistas, a sua partida iminente pairou sobre a última cimeira da presidência portuguesa, dificultando consensos que a chanceler, com a sua autoridade política, muitas vezes conseguiu obter. Vários diplomatas europeus disseram que explicação para a sua precipitação em relação à Rússia terá já a ver com o seu desejo de deixar um legado duradouro na Europa. Não conseguiu. Como não conseguiu impor, em Dezembro do ano passado, um acordo de investimento com a China que o Parlamento Europeu se encarregou de congelar.

Quem estará em condições de substituí-la? Macron, o candidato mais óbvio, enfrenta eleições presidenciais em Maio do próximo ano, cujo resultado incerto consegue provocar pesadelos na maioria das capitais europeias. Escrevia o site Politico, citando uma fonte diplomática, que, durante a cimeira da semana passada, “Rutte e Costa [dois veteranos] mostraram estar aos comandos”. O site europeu acrescenta que “o desempenho do primeiro-ministro português se deve, em parte, à sua posição como líder da presidência do Conselho da União”. Draghi é admirado, mas é olhado como “um general sem tropas” – com todas as suas virtudes, não tem um partido atrás dele. O problema de cada vez mais governos europeus é serem o resultado de coligações, por vezes envolvendo vários partidos. A paisagem política europeia fragmenta-se. E convém ter em mente que, embora Orbán seja um caso extremo, na Polónia, na Eslovénia e noutros países da Europa de Leste, se multiplicam os seus imitadores.

tp.ocilbup@asuos.ed.aseret

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COMENTÁRIOS:

Figueira da Foz INFLUENTE: Quem o subestime deve ler sobre Joseph Goebbels, o idiota, o incapaz, o inculto e ... o violento nazi em que se transformou!              Félix Carlos EXPERIENTE: Ascensão ou queda. As democracias iliberais devem deixar a união face à firmeza desta na defesa do conjunto de valores democráticos e liberais que devem ser respeitados como já sabiam muito bem aquando das negociações para a adesão como candidatos a estados-membros. Lembra-me sempre a formação para acolher os novos estados em 2004. Dizia-se que quase todos não se reviam quando ouviam falar de comissários, secretariado-geral da comissão e partilha de soberania. Os iliberais têm de corrigir-se e acatar a boa norma. Russos, chineses e já agora turcos e outros também, são adversos. É claro, que há muito trabalho pela frente e não se deve parar em tão entusiasmante caminho.            Figueira da Foz INFLUENTE: Inteiramente de acordo.          francisco cruz EXPERIENTE: Orbán, o grande tartufo. Sob o manto da religião cristã, camufla a sua incomensurável hipocrisia.

Daniel A. Seabra INICIANTE: É por textos como este que leio sempre Teresa de Sousa!           AARR EXPERIENTE: Se isso o faz feliz, bom para si!!              francisco cruz EXPERIENTE > AARR. Comentário obtuso. Despropositado... e com 2 pontos de exclamação para enfatizar. É obra!! Será fruto da Covid?? Fun.eduardoferreira.883473 INFLUENTE: É natural que a Teresa de Sousa enerve muita gente. Pela sua clareza, factualidade, pesquisa… tudo o que hoje em dia as “happy meals” dos “junk thinkers” abominam. Estou consigo Daniel e partilho do prazer de ler Teresa Sousa, mesmo quando dela possa discordar   Roberto34 MODERADOR: Concordo também com o Daniel e Fun. Apesar do texto não ser nada de novo, gosto sempre de ler os seus textos.            AARR EXPERIENTE: Esclareço ...a minha reticência com os textos de TdS é que são sempre iguais e numa perspectiva que eu chamaria de "guerreira atlantista", anglo-saxónica e defensora do excepcionalismo americano. É claro que tem todo o direito a pensar e escrever assim. Mas há mais mundo para além disso! Gostaria de artigos mais neutros ou melhor, mais diferenciados num jornal como o Público. A maior parte das vezes escreve como um benfiquista ferrenho a louvar o Benfica (ou como um portista a louvar o FCP). É apenas isso. Caricaturando, é sempre a mesma história ... existem os bons (que são sempre os mesmos) e depois há os outros que geralmente fazem sempre tudo mal, porque são os maus. A história e a política não são assim tão simples.... mas reconheço que o meu comentário inicial era desnecessário ...           francisco cruz EXPERIENTE: AARR. Afinal, você não é o que pareceu ser. Belo gesto... Tem o meu apreço, se é que isso serve para alguma coisa.           HNeves EXPERIENTE: A Teresa de Sousa acha que agora também Merkel e Macron começam a descarrilar; para ela o problema está sempre nas personagens; nunca por nunca admite discutir os credos europeístas e suas principais resultantes: cada vez mais muita gente a empobrecer e pouca gente a enriquecer.          Joao MODERADOR: Afinal não são só "os russos procuram sempre um icon a quem rezar" pois por cá andam sempre a ajoelhar e a personificar na Merkel, no Biden, no Macron, no Ruth,...

 

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