Usou-a São José Almeida para definir o bla bla dos nossos governantes,
especialmente centrado na “religiosidade” do apelo do PR para a exclusiva
concentração num tal jogo de futebol, esquecida momentaneamente a pandemia. E
assim se remete um presidente supremo a um dos três FFF da nossa facúndia
popular. É nosso fado, é a nossa Fátima, é o tal figurante dos nossos horizontes
de concentração espiritual, bem a conselho presidencial, nosso César passando o
Rubicão da sua azáfama imperial…
OPINIÃO
Os cientistas não são bruxos, senhor Presidente
Terá Marcelo Rebelo de Sousa adquirido um alvará de
irresponsabilidade?
PÚBLICO, 19 de Junho de 2021
A
picardia entre o Presidente da
República e o primeiro-ministro, que se desenrolou esta semana, pode
ser vista como uma disputa de protagonismo, que não prejudica em nada o país. Mas
não deixa de ser estranho que o assunto seja enterrado, sob o argumento
presidencial de que queria “todos focados” no jogo da selecção de futebol
contra a Hungria, com que Portugal se iniciou no Euro 2020, na terça-feira.
Ao
longo do tempo que dura a pandemia em Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa e António
Costa têm tido posições diferentes.
Logo em Março de 2020, perante um Presidente que forçava a adopção do
estado de emergência, o primeiro-ministro insistia que era melhor
uma evolução gradual e que a Lei de Bases da Protecção Civil e a Lei de Bases
da Saúde eram suficientes. Uma interpretação jurídica que está, aliás, na
base da recusa de António Costa de que o PS, no
Parlamento, avance para aprovação de uma lei de emergência sanitária desejada
por Marcelo Rebelo de Sousa.
Ainda
há poucos meses, o Presidente insistia em que o desconfinamento apenas começasse depois da Páscoa, enquanto o
primeiro-ministro estava desejoso de começar a abrir a sociedade e a animar a
economia e arrancou com a primeira fase do desconfinamento
a 15 de Março, duas semanas antes daquela celebração.
Também
não vem mal ao mundo em que agora as atitudes se invertam. E que seja o Presidente
a afirmar, como fez domingo, ao visitar a Feira da Agricultura em
Santarém, sobre o estado de emergência: “Já não voltamos para trás. Não é o
problema de saber se pode ser, deve ser ou não. Não vai
haver. Não vai haver. Comigo, não vai haver. Naquilo que depender do Presidente
da República, não se volta atrás.”
Enquanto
o
primeiro-ministro questiona: “Se alguém pode garantir [que não se
volta atrás no desconfinamento]?” Para responder a si mesmo: “Não. Creio
que nem o senhor Presidente da República seguramente o pode fazer, nem o fez.”
Tendo ainda garantido que o Governo está disponível para recuos no
desconfinamento. Uma prudência que é de elogiar, depois do optimismo do
Verão passado e da demora com que actuou, perante o crescimento de
contaminações no Outono, que acabou por rebentar após o Natal e instalou o caos no Serviço Nacional de Saúde, em
Janeiro e Fevereiro, devido à entrada do vírus britânico.
A
realidade é que há um novo crescendo de contaminações preocupante, pelo
menos na zona da Grande Lisboa, e há uma nova variante do vírus da covid-19, a
Delta, altamente contagiosa, que está a preocupar os especialistas. E,
assim, tal como, no início do ano, Portugal foi dos primeiros países da
Europa continental a ver crescer a variante britânica, agora vê aumentar os
casos da variante Delta, podendo estar perante uma quarta vaga.
Sobre
esta variante, aliás, é bom lembrar o que afirmou esta semana a comissária
europeia para a Saúde: “É uma ameaça que estamos a levar a sério:
é particularmente perigosa para os cidadãos que ainda não foram vacinados, mas
também para aqueles que ainda não estão completamente vacinados.” Em suma,
ninguém pode garantir que não tenha de haver novos confinamentos. Basta lembrar
que até Boris Johnson foi obrigado a recuar no
desconfinamento programado para 21 de Junho e a adiá-lo para 19 de Julho. E a
vacinação no Reino Unido está bem mais avançada do que em Portugal.
É também evidente que o turismo e o
cansaço das pessoas podem contribuir para o aumento das contaminações. Isto para já não falar da irresponsabilidade
social da festa do Sporting, em Lisboa, e do jogo de futebol entre equipas inglesas no
Porto, assim como do arraial da Iniciativa Liberal, um evento
que demonstra adesão ao negacionismo e uma libertinagem que retira
credibilidade a este partido.
Mas há uma dimensão nas declarações
do Presidente, no domingo, que causa perplexidade e que impõe uma pergunta:
terá Marcelo Rebelo de Sousa adquirido um alvará de irresponsabilidade? Recordemos as
palavras do Presidente:
questionado ainda sobre a necessidade de novos confinamentos e perante os
argumentos dos especialistas, respondeu: “É bom que os especialistas digam o
que têm a dizer. Agora o país não é governado pelos especialistas, o país é
governado por quem foi eleito para governar.”
E, sem freio nas palavras, afirmou: “Os especialistas
têm o seu dever e eu respeito, que é chamar a atenção para o juízo que as
pessoas devem ter. O não voltar atrás exige das pessoas viverem à medida disso.
Querem que não volte atrás, têm de ter bom senso no respeito das regras sanitárias.
É função dos especialistas dizerem: ‘Não se esqueçam, não se esqueçam, não se
esqueçam.’ E, de alguma maneira, pregar um certo susto.”
É
verdade que os especialistas em Saúde Pública não são políticos e que quem
governa em democracia são os eleitos. Mas os especialistas são cientistas e o
seu conselho é necessário. Por isso se realizaram as reuniões do Infarmed. Não
existem para meter medo, como se fossem bruxos.
TÓPICOS
POLÍTICA COVID-19 CORONAVÍRUS PRESIDENTE DA REPÚBLICA MARCELO REBELO DE SOUSA GOVERNO PANDEMIA
INICIANTE: É verdade. Os cientistas não são bruxos. O Presidente também não. Criar "guerrinhas" com base num afirmação absolutamente imprevidente e injustificada - que ninguém pode antecipar a evolução da COVID, é óbvio para qualquer cidadão - é lamentável. Utilizar a situação para realçar a sua superioridade institucional, é pior ainda. A alguém, mesmo à direita, aproveitará isto?! Antonio Oliveira Mesquita EXPERIENTE: O vinho do Orban fez mal ao Marcelo. Mostrou quanto gostava de ser Sidónio Pais, mas como só andou fardado no liceu com o castanho da 'bufa' falta-lhe estratégia e postura. L. Mauger EXPERIENTE: Concordo plenamente. O presidente faria melhor figura se desse um bom exemplo evitando contactos, deslocações e visitas em Portugal e no estrangeiro! As fotografias do jogo de futebol na Hungria ou das visitas à feira da agricultura e Madeira, mostrando MRS sem máscara e sem manter distanciamento são uma vergonha. Uma professora sábia disse-me uma vez que as palavras são como a pasta de dentes, uma vez cá fora não se podem guardar outra vez: o presidente devia pensar um bocadinho antes de abrir a boca para não fazer figura triste. DNG.MODERADOR: Certo. Paulo Batista EXPERIENTE: Óbvio.
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