Para sempre, na transfiguração que dele
nos dá a fascinante peça de arte alegórica do seu “Sermão aos Peixes” segundo o
figurino do Padre António Vieira. Só esta
obra-prima de composição literária e de “martelada”
figurativa nos deveria tornar credores de um milagre adequado à nossa
desatenção simbolizada em tais peixes, de fábula, quando não mesmo no molusco
cefalópode, de traição superior à de Judas. Um breve passo, no final, desse Sermão de Vieira, como homenagem e
agradecimento a essas três figuras bem representativas dos seus mundos
específicos, em tempos específicos: Sto António, Vieira e
Henrique Salles da Fonseca.
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 13.06.21
Nascido em Lisboa no ano de 1195, morreu em Vercelli no
dia 13 de Junho de 1231; baptizado Fernão, ficou na História para nós,
portugueses, como Santo António de Lisboa e de Pádua para os italianos.
FOTO: Santo António pregando aos peixes - mural de
azulejos, Guimarães
Historiadores
do séc. XV admitiram a possibilidade de o seu pai, Martim de Bulhões, ser
descendente de Godofredo de Bulhão, comandante da Primeira Cruzada e a sua mãe,
Teresa Taveira, descendente de Fruela I, quarto rei das Astúrias e Leão que
governou entre 757 e 768. Contudo, a genealogia completa ainda é incerta;
tudo o que se sabe é que os seus pais eram nobres, ricos e tementes a Deus.
Fernão nasceu rico numa casa próxima da Sé de Lisboa, com pais relativamente
jovens.
Educado
na escola da Sé, ingressou
em 1210, aos 15 anos, no convento de Lisboa da Ordem de Santo Agostinho, o de
S. Vicente. Dois anos depois e para evitar as frequentes visitas de amigos
e familiares, pediu e obteve dos seus superiores a transferência para o
Convento de Santa Cruz em Coimbra onde permaneceu oito anos. Muito
estudioso e dotado de grande inteligência e excelente memória, cedo obteve um
grande conhecimento das Sagradas Escrituras.
Em
1220, assistindo na Igreja de Santa Cruz aos actos fúnebres dos
primeiros mártires Franciscanos mortos em Marrocos em 16 de Janeiro desse mesmo
ano, optou pela via do sacrifício e eventual martírio e decidiu tornar-se Frade
Menor de modo a pregar a Fé aos sarracenos. Tendo confidenciado as suas
intenções a alguns membros do Convento dos Olivais, então arrabaldes de
Coimbra, recebeu deles o hábito franciscano. Assim foi como Fernão deixou a
Ordem dos Cónegos Regulares de Santo Agostinho para ingressar na Ordem dos
Frades Menores, Franciscanos, onde tomou o nome de António. Este, o nome que o
Convento dos Olivais viria em sua memória a adoptar também.
Pouco
depois do seu ingresso na Ordem Franciscana, António seguiu para Marrocos
mas adoeceu gravemente durante todo o Inverno e foi obrigado a regressar a
Portugal na Primavera de 1221. Contudo, o barco em que navegava foi
apanhado por forte tempestade e acostou involuntariamente à Sicília onde
António permaneceu o tempo suficiente para se recompor dos problemas de saúde.
Tendo entretanto ouvido dizer que um Capítulo Geral se reuniria em Assis a
30 de Maio, para lá se dirigiu a tempo de participar nos trabalhos. Concluída a
reunião, António permaneceu no silêncio sem que mais se tenha ouvido falar dele.
“Não disse
uma palavra sobre os seus estudos”, escreveu um dos seus primeiros biógrafos,
“nem sobre os serviços que já prestara; o seu único desejo consistindo em
seguir Jesus Cristo até um eventual martírio”. Assim, pediu para ser colocado num lugar em que
pudesse viver em isolamento e penitência com vista a entrar mais profundamente
no espírito e disciplina da vida franciscana. Foi então colocado no
Eremitério de Montepaolo (próximo de Forli) onde passou a celebrar Missa para
os irmãos leigos ali residentes.
Certo
dia reuniram-se em Forli inúmeros frades franciscanos e dominicanos para
receberem a ordenação sendo que António estava presente apenas como
acompanhante do seu Provincial. A certo momento, concluiu-se que ninguém
fora indigitado para fazer a Homilia e o Provincial Franciscano convidou
o Superior Dominicano ali presente para indigitar algum dos seus para fazer a
prática. Contudo, todos declinaram dizendo que não estavam devidamente
preparados. Na emergência, coube a indigitação a António a quem todos
julgavam apenas capaz de ler o Missal e o Breviário. Foi-lhe assim ordenado que
dissesse o que o Espírito de Deus pusesse na sua boca.
Compelido pelo voto de obediência a
que estava obrigado, António começou por falar lenta e timidamente mas depressa
se entusiasmou e passou a explicar os mais recônditos significados das Santas
Escrituras com tal erudição, profundidade e de tão sublime doutrina que todos
os presentes se encheram de espanto. Aquele, o momento em que começou a
carreira pública de António.
Informado
da ocorrência, o futuro São Francisco de Assis dirigiu-lhe a seguinte
carta:
Ao
Irmão António, meu Bispo (i.e. Professor de Ciências Sagradas), o Irmão
Francisco envia as suas saudações. Será do meu agrado que vós ensineis
Teologia à nossa irmandade considerando, contudo, que o espírito de oração
e devoção não se extinga. Adeus.(1224)
Seguiu-se
o ensino em Bolonha, Montpellier e Toulouse.
No
entanto, foi sobretudo como orador – mais do que como Professor – que
António fez a sua grande colheita. Num grau perfeitamente eminente, possuía
todas as qualidades de um pregador eloquente: voz forte
e clara, porte de ganhador, memória prodigiosa e os mais profundos e amplos
conhecimentos da Doutrina. A estas
características há a acrescentar o espírito profético e um extraordinário
dom miraculoso. Com o zelo de um apóstolo, iniciou uma reforma da
moralidade então vigente combatendo especialmente os vícios da luxúria, avareza
e tirania. Distinguiu-se igualmente no combate aos hereges mais
importantes naquela época, os Cátaros e os Patarinos que «infestavam» o centro
e norte de Itália e os Albigenses no sul de França.
Dentre
os muitos milagres que lhe são atribuídos, os mais referidos pelos seus
biógrafos são:
O
de um cavalo em Rimini que não comia havia já três dias recusando
qualquer comida que lhe pusessem à frente, até que se ajoelhou em adoração
perante as Sagradas Escrituras que Santo António lhe colocou à frente comendo
então umas avelãs que lhe apresentaram;
•
O da comida envenenada que uns herétics italianos lhe apresentaram e que
ele, com o sinal da cruz, transformou em inofensiva;
•
O do famoso sermão aos peixes que ele proferiu nas margens do rio
Brenta, próximo de Pádua.
Eis
por que tanto o zelo no combate às heresias como as inúmeras conversões que fez
lhe renderam o glorioso título de Malleus hereticorum, o Martelo dos
Heréticos.
Henrique Salles da Fonseca
Tags: efeméride
COMENTÁRIOS:
Anónimo 13.06.2021: Mesmo nos
acontecimentos e histórias mais conhecidas, tem sempre algo a ensinar-me!
Obrigada. Abraços. Maria Mamede.
Henrique Salles da
Fonseca13.06.2021: Fernando de Bulhões que disse" É viva
a Palavra quando são as obras que falam por ela " Santo António de Lisboa
de quem se festeja o dia, sem festejos. Maria João Botelho
Henrique Salles da
Fonseca 13.06.2021: Excelente texto como habitual! O dia de
13 de Junho já era para mim um dia importante, quer pelo sábio e simpático St.
António quer pelo nosso mais internacional Poeta Português Fernando Pessoa. Há
14 anos que para mim e família chegada tem uma importância acrescida pois
nasceu o meu primeiro neto varão, o Duarte. Desculpem a vaidade mas os
netos são para nós os mais velhos a garantia da nossa continuidade. Obrigado Rui
Bravo Martins Henrique Salles da
Fonseca 13.06.2021: PARABÉNS ao
Duarte e a toda a família, são os votos do vizinho Henrique Salles da
Fonseca
Miguel Magalhaes: Obrigado Henrique por este excelente artigo sobre Santo
Antônio.:
Adriano Lima: Excelente síntese biográfica do nosso Santo António de
Lisboa. Fiquei a conhecer particularidades da sua vida e percurso como servidor
de Deus que eu desconhecia. Quanto aos milagres, endossemos tudo ao domínio da
lenda. Aliás, as lendas são quase todas repositórios de factos extraordinários
que a crença cristã facilmente transforma em milagres nos casos em que lhe
interessa. Descendo agora às calçadas da velha Lisboa, sentiu-se neste ano, e
mais uma vez, a ausência de Santo António. Porque as sardinhas assadas e o pão
de milho são o que melhor perpetua a sua imortalidade.
Excerto de um Sermão adequado ao
tempo passado e presente
«Pregava
Santo António em Itália na cidade de Arimino, contra os hereges, que nela eram
muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar, não só não
fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar contra ele e faltou pouco
para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o ânimo generoso do
grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo aconselha em outro
lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta protestação; e uns
pés a que se não pegou nada da terra não tinham que sacudir. Que faria logo?
Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo? Isso ensinaria
porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da glória divina, que
ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos. Pois que fez? Mudou
somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças,
vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes:
Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes. Oh maravilhas do
Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra! Começam a ferver as ondas,
começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos
todos por sua ordem com as cabeças de fora da água, António pregava e eles
ouviam»
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