Que passou. Embora brilhante. E alinhado.
Espectacular. De invejar. Afinal, o que Putin deseja - que o invejemos. E nós
alinhamos no sentimento. Com outras mesclas, que temos pano para mangas, nas mesclas
dos sentimentos. Houve especulações, Putin pairou feliz. Mas fechou-se em
copas, enigmático, não fez como a montanha que gritou que se fartou e que
apenas pariu um rato, coisa minúscula, embora mirífica. Putin ainda estará para
parir, não sei, como o seu antepassado Júpiter, que teve essa experiência, com
o seu filho Baco, que pariu da coxa. O que é preciso é parir, da coxa que seja, e sobretudo dessa, para ficar na História.
Mas que as especulações foram muitas, não há dúvida, como conta Ana Kotowicz, que fez uma excelente crónica, a respeito do significado do feriado russo para Putin, acompanhada de Ana Martingo, com belas fotos complementares.
A queda da casa de Vladimir. Pode o Dia
da Vitória tornar-se na derrota pessoal de Putin?
OBSERVADOR, 06
maio 2022, 22:1284
Não há acordo
sobre o seu futuro. Se há quem veja Putin com muitos anos de poder pela frente,
mesmo perdendo a guerra, há quem aponte a hipótese de um golpe executado por
quem lhe é mais próximo.
Índice
O que esperar? Mobilização de tropas, declaração de
guerra, prisioneiros a desfilar
Mobilização e declaração de guerra. Sim ou não?
O discurso de Putin. Propaganda, muita propaganda contra
os nazis
Uma longa lista de derrotas. O fim de Putin está próximo?
O que diz a história sobre outros líderes
Vladimir Putin gosta de datas simbólicas. É por isso que os serviços secretos do Ocidente olham para 9 de maio com
atenção, o feriado “sagrado” do Presidente russo. A guerra começou no ano em
que o nascimento da União Soviética faz 100 anos. E Putin faz 70. O discurso que marcou a guerra com a Ucrânia foi feito a 21 de fevereiro (o
avanço das tropas a 24), numa altura em que Ucrânia e Rússia têm festejos
especiais. Em Kiev, celebra-se a Revolução
EuroMaidan, que terminou, depois de muitas mortes, com a deposição do
presidente pró-russo Viktor Yanukovych, a 22 de fevereiro de 2014 — um episódio
que o Kremlin nunca digeriu e que levou à anexação da Crimeia e à luta pela
região de Donbass. Em Moscovo, a 23, comemora-se
o Dia do Defensor da Pátria, uma
exultação aos combatentes de guerra.
▲ Desfile de 2006, 61.º
aniversário do Dia da Vitória GETTY IMAGES
Vladimir
Putin gosta de
fazer coincidir acontecimentos, mas essa coincidência pode nem sempre acontecer
no sentido que o líder russo desejaria. E
é por isso que o 9 de maio de 2022, 75.º dia de guerra, tem sido alvo de
várias especulações, incluindo se o Dia da Vitória poderá tornar-se o dia
da derrota pessoal do Presidente russo, e o primeiro empurrão escada abaixo do
poder.
O Dia da Vitória Soviética marca a derrota da Alemanha Nazi na Segunda Guerra
Mundial, e o país celebra-a com uma grande parada militar, um costume que
só se tornou anual a partir de 1995. No
Ocidente, o fim do conflito é assinalado na véspera. A diferença tem a ver com fusos
horários: quando os alemães assinaram o documento de
capitulação, no Leste Europeu já era dia 9.
Ao longo de abril, a informação
recolhida pelas secretas do Ocidente, a começar pelos serviços norte-americanos
e britânicos, previa que Putin usasse esse dia para anunciar a vitória sobre a
Ucrânia. As ruas de Moscovo seriam anfitriãs de algum tipo de
apoteose, com um discurso mais deslumbrante do que o fogo de artifício.
O
Instituto para o Estudo da
Guerra dos EUA dizia-o claramente em abril, num dos seus relatórios
diários sobre o conflito: “O ritmo das operações russas continua a sugerir que
Vladimir Putin está a exigir uma ofensiva precipitada para atingir os seus
objetivos declarados, possivelmente até ao Dia da Vitória.” No entanto,
alertavam que a pressa e a preparação parcial do ataque iria “prejudicar a sua
eficácia, podendo comprometer o seu sucesso”.
Se
nada fosse conseguido até essa data, e no bolso de Putin houvesse apenas uma
longa lista de generais mortos em batalha e o bombardeamento fatal do
navio-almirante do Mar Negro, o Moskva (batizado com o nome da capital russa),
nada de bom poderia seguir-se. Analistas
do Ocidente vaticinaram que a falta de resultados até 9 de maio poderia ter o
efeito de um sismo no poder de Putin. A intensidade é que era difícil de
calcular.
Sergei
Lavrov acabou com esta ideia. “Os
nossos militares não vão ajustar artificialmente as suas ações a qualquer data,
incluindo o Dia da Vitória”, disse o
ministro dos Negócios Estrangeiros russo durante uma entrevista à
Mediaset, televisão italiana, a mesma em quecomparou
Zelensky a Hitler.
▲Festejos
de 2020, 75.º aniversário do Dia da Vitória HOST PHOTO AGENCY VIA GETTY IMAG
▲ As paradas militares em 2007 e
em 2020 GETTY IMAGES
Outra novidade é
que nenhum convidado estrangeiro estará presente, nem mesmo Aleksandr Lukashenko, presidente da Bielorrússia, o principal aliado de Putin
nesta guerra. Quanto às palavras de Lavrov, foi também ele quem rejeitou a
ideia de que a Rússia tivesse intenção de invadir a Ucrânia, quando os tanques
já estavam na fronteira, e que rejeitou que a Rússia tivesse invadido a Ucrânia,
quando a guerra já tinha começado.
A parada militar será ligeiramente menor do que o
habitual: “11 mil militares, 131 unidades de armas modernas e equipamentos
militares, 77 aviões e helicópteros”, segundo o Ministério da Defesa russo. No
ano anterior, desfilaram 12 mil militares e 191 veículos. Nos céus estarão 77
aeronaves, tantas quanto o número de anos passados desde 1945.
O resto é uma
incógnita, mas as hipóteses em cima da mesa são muitas.
O que esperar? Mobilização de tropas,
declaração de guerra, prisioneiros a desfilar
Os russos continuam a desmentir todas as hipóteses
avançadas pelo Ocidente, com a mesma convicção com que, antes de 24 de
fevereiro, negaram estar em marcha uma invasão da Ucrânia. Na quarta-feira, a
cinco dias da parada, o porta-voz de Putin considerou infundadas as suspeitas
do ministro da Defesa britânico.
Ben Wallace, embora frisando não ter informações nesse
sentido, disse que não ficaria espantado se, a 9 de maio, a Rússia
anunciasse uma mobilização total das suas tropas, declarasse oficialmente
guerra à Ucrânia e a todos os nazis do mundo.“Não é verdade. Isso é um absurdo”, respondeu Dmitry Peskov, citado pelo site Medusa, quando confrontado com as declarações do britânico. Dias
antes, Wallace disse aos microfones da LBC: “Acho que Putin vai tentar sair da
sua operação especial, entre aspas, e está a preparar terreno para dizer: ‘Isto
agora é uma guerra contra os nazis e preciso de mais pessoas, mais russos’.
Carne para canhão, basicamente.”
“Os
nossos militares não vão ajustar artificialmente as suas acções a qualquer
data, incluindo o Dia da Vitória. (...) O ritmo da operação na Ucrânia depende,
acima de tudo, da necessidade de minimizar possíveis riscos para a população
civil e para os militares russos."
Mobilização e declaração de guerra. Sim ou
não?
“Ouvimos muitos rumores sobre a
mobilização, mas a origem destes rumores é ocidental, não são fontes russas”, diz ao Observador o analista
e politólogo russo Oleg Ignatov, do think
tank The Crisis Group, que até ao final de abril permaneceu em Moscovo.
Na sua opinião, esse cenário não é possível.
“Posso dizer que, na Rússia, as pessoas esperam a guerra e algumas pessoas consideram
razoável o governo declarar uma mobilização. Mas, neste momento, não
acredito que o faça”, defende o analista, argumentando que isso representaria uma grande
mudança na narrativa russa sobre este conflito.
“Agora dizem que não é uma guerra. Ao declarar
uma mobilização, isso significa que estão a reconhecer problemas no terreno e
terão de reconhecer que é uma guerra e não uma operação especial”, argumenta. A
ideia é a de que, no fundo, as duas coisas — declarar guerra e mobilização geral
— estão interligadas. Um dos problemas, diz Oleg Ignatov, é que a Rússia tem falta de recursos humanos e anda à procura de potenciais
militares em todo o lado.
“Se assinares um contrato, dão-te imenso dinheiro,
e mesmo que não tenhas treino militar podes ir combater. A qualidade destes
soldados é muito má”, conta, explicando que não vê quaisquer sinais de que
esteja a ser preparada uma mobilização geral. Outro motivo que leva o analista
russo a pôr esta hipótese de lado é o facto de ela representar um grande
rombo na economia. “Com uma
mobilização, teremos cada vez menos força trabalhadora e isso é um grande
problema para a economia russa.”
A ideia de Ben Wallace, de que Putin pode declarar guerra
a nazis de todo o mundo (e não
apenas aos da Ucrânia), também não convence Oleg Ignatov. “Não acredito. Vão usar a
data para tentar unificar a sociedade no apoio a esta guerra. Vão dizer que os
nossos pais ou os nossos avós lutaram contra os nazis e agora estamos a lutar
contra os mesmos nazis na Ucrânia.”
O discurso de Putin. Propaganda, muita propaganda
contra os nazis
Sem declaração de guerra e sem mobilização geral das
tropas, o que poderá então dizer
Vladimir Putin quando discursar na Praça Vermelha? “Penso que o
Presidente Putin vai usar o seu discurso de 9 de maio como uma oportunidade
para angariar apoio para a sua guerra”, diz ao Observador Vikram Mittal, militar na reserva e
professor da Academia Militar dos EUA, em West Point.
Oleg Ignatov concorda. “Vão usar a celebração deste
dia, em diferentes regiões do país, para reforçar a mensagem de que a Rússia
está a lutar contra os nazis [ucranianos], para reforçar a sua propaganda. E,
claro, serão feitas mais ameaças ao
Ocidente e à Ucrânia.”
▲Em
2018, quando Putin discursava na Praça Vermelha, Benjamin Netanyahu,
primeiro-ministro israelita, estava na plateia
O professor de West Point diz algo semelhante. Putin dirá que os russos estão a progredir em
direcção aos seus objectivos de desnazificar a Ucrânia e libertar o Donbass. Entre os
analistas internacionais há a convicção de que, se tudo correr mal e a Ucrânia
reconquistar territórios, a narrativa russa será de que estão a sair daquelas
regiões por já terem sido desnazificadas. O Presidente russo “também discutirá a
brutalidade de Mariupol, provavelmente culpando os ucranianos pelas baixas
civis, e usará isso para justificar mais acções na região”, acrescenta
Vikram Mittal.
Sobre a cidade portuária, Oleg Ignatov conta que há informação a circular de que ela poderá ser
palco de algum tipo de celebração, como, por exemplo, ter cidadãos a caminhar
nas ruas com fotografias dos seus antepassados mortos pelos nazis. A
presença do general Valery Gerasimov, a mais alta patente militar da Rússia
e criador do conceito de guerra híbrida, na linha da frente em Donbass, também mostra que algo
está em ebulição.
Na quarta-feira, 4 de maio, os serviços secretos
ucranianos (GUR) apontaram no mesmo sentido, depois de Sergei Kirienko, um
tecnocrata da administração presidencial que tem a pasta de Donetsk e Lugansk e
que tem como principal missão organizar os festejos de 9 de Maio, ter estado em Mariupol. Nesse mesmo
dia, Sergei Shoigu, ministro da
Defesa, voltou a dizer que a cidade está sob controlo do exército russo e que
“está a voltar a uma vida pacífica”.
Este, acredita o analista russo, será um dos pontos do
discurso de Putin a 9 de maio. “Claro que
dirá que capturaram Mariupol, embora isso não seja verdade por agora,
mas vai tentar enfatizá-lo. Pode dizer que capturou o oblast de Kherson e que há um canal aberto até à Crimeia.”
Já Vikram Mittal acredita que o Presidente russo “aproveitará a oportunidade para criticar o fluxo constante
de armas ocidentais para a Ucrânia, culpando o Ocidente pelas baixas” da
guerra.
Além
do discurso, a parada em si poderá trazer algumas surpresas. O historiador
Alexander Friedman defendia, numa entrevista a um jornal bielorrusso, que poderíamos assistir ao desfile de potenciais criminosos de guerra, e ver
o símbolo Z ser utilizado pelas tropas. Isso, diz o historiador, poderá
tornar impraticável a comemoração do feriado. “Putin pode tornar impossível
celebrá-lo se iniciar uma Terceira Guerra Mundial ou, por exemplo, realizar uma
parada militar em Mariupol, ou se aqueles que cometeram atrocidades em Bucha
marcharem pela Praça Vermelha.”
▲Praça Vermelha, 2015, 75 anos do
Dia da Vitória HANDOUT
Putin, tendo
iniciado uma guerra destrutiva contra a Ucrânia, destrói este feriado,
argumenta o historiador. “Se houver militares a marchar a 9 de maio pelas ruas russas sob os
símbolos Z, se este feriado for usado para glorificar os criminosos de guerra,
então torna-se difícil falar sobre as perspetivas históricas do Dia da
Vitória.”
José Milhazes, jornalista que, durante
anos, foi correspondente em Moscovo, avança com outra hipótese. “Putin pode
trazer surpresas e, depois da parada, poderá haver um desfile em Moscovo de
militares ucranianos feitos prisioneiros”, disse ao Observador, lembrando
que, depois da Segunda Guerra, os prisioneiros alemães desfilaram a pé por
Moscovo. “Poderia ser uma forma de humilhar os ucranianos.”
[Ouça aqui A História do Dia: Putin quer uma vitória a
9 de Maio, porquê?]
Já um protesto de russos contra a guerra é algo que
Milhazes não imagina. “Nunca se pode excluir, mas de grande dimensão, não. Moscovo é passada
a pente fino” antes da celebração. Quanto ao discurso, Putin “vai dizer que
a operação militar está a correr segundo o plano russo, embora seja mentira”, e
que tem muito cuidado com a população civil, sublinha o jornalista português
que viveu vários anos na Rússia. “Vai mandar muitos recados duros à Ucrânia, Europa e EUA, disso não
tenham dúvidas.”
O russo Evgueni Mouravitch, correspondente da RTP em Moscovo, acusa Putin de ter roubado a
festa ao povo. “O 9 de maio é uma festa meio
sagrada para os russos. Putin, sabendo isto, ou o Estado que ele construiu, fez
com que o 9 de maio fosse privatizado para os bens deste Estado.” Privatizado
de que forma? “Ao fazer aqueles desfiles e aquela propaganda a 9 de maio,
justifica tudo o que o Estado de Putin faz actualmente. O 9 de maio pertencia a todos os russos, a todos os soviéticos, a
vitória alcançada a grande custo por 200 milhões de soviéticos, de várias
nacionalidades e etnias, inclusive da Ucrânia. E Putin fez com que a Rússia fosse a única prosseguidora desta festa.”
[Ouça aqui A
História do Dia: Como Putin condiciona a informação na Rússia]
A Ucrânia já anunciou que deixará de celebrar o final
da Segunda Guerra Mundial a 9 de Maio, passando a festejar a data no dia 8,
como no Ocidente.
Sobre o discurso do líder russo, Evgueni Mouravitch
antecipa que a intervenção na Praça Vermelha sirva para sublinhar a importância
de combater o nazismo e o fascismo, “porque agora essa é a retórica oficial, a conversa na Rússia é de que Moscovo está a
combater os nazis em Kiev — isto apesar de o presidente da Ucrânia
ser judeu.”
Uma longa lista de derrotas. O fim de Putin está
próximo?
Putin não conseguiu tomar Kiev. Putin não conseguiu
fazer cair o governo de Volodymyr Zelensky. Putin não conseguiu instalar um
regime pró-russo na Ucrânia, nem conseguiu que o povo recebesse os seus
militares com acenos de alegria ou, em alternativa, com braços no ar de medo.
Putin não conseguiu tomar a região de Donbass (mesmo quando disse que, afinal,
era esse o objetivo). E Mariupol
tornou-se uma batalha sem fim.
O que conseguiu, para já, foi mostrar um exército debilitado
e estrategicamente mal preparado, e com a sua fraqueza reforçar a força das tropas e da resistência ucranianas. Conseguiu
perder uma lista que varia entre 5 a 9 altas patentes do exército, consoante a fonte, e ver afundar o principal cruzador da frota russa.
Conseguiu ainda ver morrer cerca de 15 mil soldados (números que a Rússia não
confirma), mais do que a soma das mortes nas campanhas da Chechénia, Geórgia,
Síria e na Ucrânia em 2014.
Sem nada na manga para iludir o público, a não ser a
habitual propaganda, não estará Putin a dar um passo em frente quando já está à
beira do precipício?
“Não vejo nenhuma
prova de que Putin esteja a perder o controle na Rússia. Todas as sondagens mostram
que a maioria dos russos apoia esta guerra. Não acredito que sejam 80%, mas
serão mais de 50%”, afirma Oleg Ignatov. A razão disso, explica, é que a
população não tem acesso a informação independente. “Mas muitas pessoas são
sinceros apoiantes de Putin e da guerra. Isso é verdade. Por isso não devemos
pensar que, se a Rússia perder esta guerra, Putin irá perder o seu poder.”
Nos Estados Unidos, o professor da Academia Militar de
West Point também não prevê que Putin se afaste tão cedo do poder — ganhe ou perca
contra a Ucrânia. “Independentemente do que acontecer na guerra, acho que Putin pintará esta operação como ‘Missão
Cumprida’ e afirmará que os russos cumpriram os seus objetivos.
Considerando os seus círculos internos, acho que Putin permanecerá no poder até
que decida sair”, argumenta Vikram Mittal.
▲Ensaio para
os festejos de 2017 SERGEI
ILNITSKY/EPA
▲Moscovo
mostra o poderio da sua Força Aérea no Dia da Vitória de 2020 HOST PHOTO AGENCY
VIA GETTY IMAG
Oleg Ignatov lembra outros exemplos de líderes que
ficaram no poder, mesmo depois de perder uma guerra, como no Azerbaijão, na
Arménia ou no Iraque de Saddam Hussein. “Não há nenhuma equação. Não há
causalidade. A estabilidade do regime de Putin depende de uma série de factores. O regime está muito consolidado, tem muito controlo sobre os
media, a segurança controla tudo, as eleições estão controladas. O aparato
policial é muito forte e apoia Putin.” Apesar disso, o analista e politólogo
russo afirma que perder a guerra (ou não a ganhar) será um problema para a
estabilidade do regime. “Poderá trazer alguns protestos domésticos, mas não
significa que Putin se vá demitir ou perder o seu poder. Não quer dizer que vá haver algum tipo de
EuroMaidan na Rússia.”
Outro russo, o jornalista Evgueni Mouravitch, também diz ser muito
difícil afastar Putin do poder, contrariando uma das hipóteses avançadas ao
Observador pelo analista militar Michael Clarke, consultor especializado do
Comité de Defesa da Câmara dos Comuns desde 1997.
“Algumas pessoas contestam a ideia e dizem: ‘Não, não, ele sobrevive, como
Estaline sobreviveu e Brejnev.’ Acho
que o mundo é tão diferente agora, que Putin pode desaparecer em dois meses
ou em dois anos”, sublinha o antigo director-geral do Royal United Services
Institute (RUSI), think tank britânico
de defesa e segurança.
“O facto é que o exército e os serviços secretos
estão a ser culpados por algo que não é culpa deles”, diz o analista
militar britânico, acrescentando que os oligarcas mais próximos de Putin estão
a descobrir que não conseguem operar os seus negócios da mesma forma que faziam
no passado. “Então, temos os militares, os serviços secretos, os oligarcas que
lhe são próximos e ainda há a elite metropolitana, em Moscovo, em São
Petersburgo, em Rostov, que não são pró-Putin, que não gostam dele. Mas
Putin continua a ser muito popular entre os russos que vivem longe de Moscovo.”
Assim, Michael Clarke acredita que a elite metropolitana vai virar-se contra o Presidente, à medida que percebe a
dimensão e as consequências do conflito com a Ucrânia. “Algures nesse nexo de
militares, segurança, oligarcas e elite metropolitana, vai aparecer um
movimento para retirá-lo. Pode ser muito rápido ou demorar algum tempo”, mas
vai acontecer, prevê o analista britânico.
“Muito difícil”, responde Evgueni Mouravitch. Os oligarcas estão muito condicionados,
defende o jornalista, e sabem que quem não está com Putin não tem capacidade de
fazer negócio. “São os que têm o máximo a perder. Se não se alinharem com o
Kremlin, ou perdem a liberdade, como o Mikhail Khodorkovsky, ou perdem a
nacionalidade, como o Vladimir Gusinsky, ou perdem a vida, como o Boris
Berezovsky”, três exemplos de oligarcas que foram castigados depois de virarem
costas ao Presidente russo.
Nas forças de segurança também considera difícil que surja
um movimento, já que os agentes vigiam-se muito bem uns aos outros, tendo sido
criada uma teia muito fina e bem pensada de vigilância recíproca e mútua,
sempre com olho atento a quem possa vir a construir uma conspiração contra o
poder.
“Do lado do povo
não pode haver nenhuma sublevação, por causa do regime opressivo que a polícia e a guarda
nacional impõem. Acrescenta-se a isto o quadro muito simpático da propaganda”,
sublinha Evgueni Mouravitch. A guerra é vendida como uma luta contra os nazis
da Ucrânia (e do mundo) e contra o Ocidente nocivo e pérfido. Vamos ver, no dia 9 de maio, uma linda parada, um desfile militar, podemos
ver a imagem de um país próspero, orgulhosamente só, como dizia um político
conhecido. A Rússia é muito grande, são 89 regiões administrativas, e só pode
ser configurada à força, não pode ser configurada de outra forma.”
▲A comemoração de 2021 do Dia da
Vitória ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES
O que diz a história sobre outros líderes
“A queda de
Putin pode não vir amanhã nem depois, mas o seu controlo sobre o poder é
certamente mais ténue do que era antes de invadir a Ucrânia.” A frase, publicada na
revista americana Foreign Affairs, tem a assinatura de Andrea Kendall-Taylor,
analista da CIA, e de Erica Frantz, professora de Ciência Política. Juntas, têm assinado vários
ensaios e feito investigação sobre autocracias e regimes autoritários. Vladimir
Putin é um dos seus objectos de análise. No Washington Quarterly, jornal de
política internacional, publicaram recentemente um artigo de 19 páginas: “Depois de Putin: Lições de transições de lideranças autocráticas.”
Nesse
artigo, retratam a Rússia como um “regime autoritário altamente personalizado”,
já que Putin domina o sistema político. “Ele passou os últimos 22 anos a
garantir que não existe uma alternativa viável a si próprio”, dizem as autoras,
que consideram que, mesmo quando Dmitri Medvedev foi presidente, era Putin
quem, de facto, liderava a Rússia.
“A nossa pesquisa mostra que, uma vez que líderes como
Putin passam 20 anos no poder, o mais provável é ficarem durante muito mais
tempo”, lê-se no
artigo. Desde 1992, o ditador típico que tinha pelo menos 65 anos quando
atingiu 20 de governo acabou por ficar no poder uma média de 30 anos. Se a
estes dois indicadores se acrescentar o facto de serem regimes altamente
personalizados, como o de Putin, a média sobe para 36 anos.
“De facto, a
morte no cargo é a forma mais frequente de saída do poder de líderes
autoritários de longa data, como Putin”, escrevem. Protestos da população são a
segunda forma mais frequente. Por último, revelam que, segundo o padrão histórico, quanto mais tempo um líder
está no poder, mais difícil é ser deposto através de um golpe de Estado.
“Depois de
décadas no cargo, esses líderes têm poucas ferramentas além da repressão para
garantir sua sobrevivência”, e a análise mostra que a repressão aumentou mais nos casos em que os
líderes morreram no cargo. “Parecia haver um amplo consenso em torno do uso da
repressão como meio de manter o poder e garantir o acesso do círculo interno às
vantagens do poder.”
Andrea Kendall-Taylor e Erica Frantz sugerem que, na
altura em que escreveram o artigo, a repressão já estava a aumentar com a detenção de manifestantes, a proibição de usar palavras como invasão, ataque ou
guerra na imprensa russa, o fecho da Echo Mosckvy, uma das mais antigas
rádios independentes do país, com o fim do acesso ao Twitter e ao Facebook e com a criação de legislação que
determina pena de prisão até 15 anos para quem distribua notícias sobre os
militares russos que as autoridades russas considerem ser falsas. “Estas medidas, se mantidas, são consistentes com as tomadas em regimes
semelhantes em que os líderes governaram até à morte.”
É também por isto que Michael Clarke acredita que o
Presidente russo será afastado do poder, mais cedo ou mais tarde. “Putin está a tornar-se muito estalinista. À
medida que a guerra avança, a sua repressão torna-se cada vez mais dura e ele
fala de maneira muito semelhante à de Estaline. Fala da escumalha, de traidores. E fala num processo de auto-limpeza. Tudo isto faz lembrar a
retórica da Grande Purga de Estaline, que começou em 1937.”
O analista
militar acredita que Putin tem também
uma purga em mente, já que sabe que a guerra lhe está a correr mal e
precisa de afastar qualquer pessoa que lhe faça oposição.
“O seu próprio poder de base vai tornar-se mais
estreito. Algumas pessoas acham que não, que ele vai manter a base do poder e
que se tornará mais ditatorial. Vejo a lógica disso, mas acho que, no mundo
actual, com a globalização tão forte, não vai conseguir fazê-lo à medida que as
coisas se tornem piores para a Rússia ao longo deste ano e talvez do próximo”,
sustenta Michael Clarke. “Quando Putin acabar, penso que a
Rússia, economicamente, estará de joelhos.”
Se assim for, o objectivo final de Vladimir Putin
ficará longe de ser alcançado. “A finalidade desta guerra é mostrar ao mundo ocidental que não se brinca
com a Rússia”, diz Evgueni Mouravitch. “É provar que Putin não deixará
sem retaliação aquilo que ele considera a maior ameaça para a Rússia: o fomento
da NATO, que ele vê como um bloco agressor. Ele acredita, a sério, que se
não fosse a conquista da Crimeia, em 2014, a Marinha norte-americana já teria
estado ancorada no porto de Sebastopol.”
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