segunda-feira, 2 de maio de 2022

Malandrice


Do Dr. Salles, no seu tema matinal sobre a corrupção, como característica das sociedades mais fechadas, de que é exemplo a da ditadura que precedeu a democracia, entre nós… Como vivemos em democracia aberta, a corrupção devia ser menor, ou mesmo nula, o que, pelos vistos, não é verdade, segundo demonstração rebuscada, que define matematicamente o infinito da ganância, justificativa daquela, como coisa incomensurável, mesmo hoje, na dita democracia. Assim, o infinito, sendo desmedido, segue-se que a corrupção também o será, tal como a ganância de que depende. Postos entre duas premissas – a da corrupção e a da democracia – conclui o Dr. Salles maliciosamente sobre a inexistência de ambas, embora em alternativa. Mas, revelando-se a democracia tantas vezes pura balela mascarada, opto pela inexistência de corrupção, embora também não passe de um desejo utópico, em qualquer regime que seja, pois que depende de formação moral e mental. O que também é tantas vezes utopia.

 

PELO TOQUE DA ALVORADA - 21

HENRIQUE SALLES DA FONSECA

A BEM DA NAÇÃO, 30.04.22

A propósito da luta de Zelenski contra a corrupção na Ucrânia, acordei hoje a tentar modelar matematicamente os efeitos da dita prática sobre a evolução do PIB do país. Daquele ou de qualquer outro... Mas ao chegar ao terreiro da parada para assistir ao toque da alvorada, já tinha concluído sobre a inutilidade de um tal esforço. Porquê? Porque um dos factores determinantes da corrupção – seja ela activa ou passiva – é a ganância cuja expressão matemática é o infinito e este não é modelável. Vai daí, pensei que a corrupção acontece sobretudo em sociedades pouco transparentes, modeladas por secretismos, sem pluripartidarismo, sem liberdade de imprensa, em suma, não democráticas. Daqui concluo que em Portugal ou não há corrupção ou não há democracia. A menos que o meu raciocínio esteja errado e seja mesmo conveniente encontrar o modelo matemático que defina a corrupção.

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COMENTÁRIOS:

Rui Bravo Martins 01.05.2022 11:05: Caro Dr Henrique Salles Fonseca. Muitos Sinceros Parabéns.
Um dos seus mais brilhantes e incisivos textos. Completamente de acordo com a sua conclusão e considerações relativos ao nosso actual momento que vivemos em Portugal. Sobre a Ucrânia não sei como deve ser resolvida a situação a que "todos estamos sujeitos", a vários níveis.
Cumprimentos
Rui Bravo Martins

Anónimo 01.05.2022 11:57: Aprendi em Mafra, a levantar-me, a arranjar-me, a tomar o pequeno- almoço, a correr para a parada com o corpo meio a dormir e o cérebro todo a dormir, mas pelos vistos tu chegas à parada com raciocínio elaborado. Temos tido a sorte, pelo menos desde a Revolução do 28 de maio de 1926, com uma eventual excepção, de esse fenómeno da corrupção não ter atingido as figuras gradas do Estado – Presidente da República e 1º Ministro (ou Presidente do Conselho).
É óbvio que ela será tanto menor quanto mais democrático e transparente for o regime, quanto melhor e mais eficaz for o Estado de Direito, quanto mais independente e escrutinador for o 4º Poder – jornalismo e meios de comunicação. De acordo contigo, Henrique.
Mas também quanto mais a censura social se manifestar contra o fenómeno, isto é, quanto menor for a tolerância da sociedade à corrupção. Sobre este aspecto tenho bem presente o que os Paulistanos diziam, no século passado, do seu Prefeito e Governador do Estado Paulo Maluf: “Rouba, mas faz”, e não creio que esse sentimento se confine apenas ao Brasil, no século XX, não, ele é ainda capaz de estar presente no século XXI e igualmente em outras latitudes e longitudes. A corrupção é também menos susceptível de ocorrer quanto menor for o “quinhão” do Estado na Economia. Tens aqui a lista de algumas variáveis para o teu modelo matemático. Todavia, tem em conta que poderás encontrar contraexemplos que dificultarão a elaboração desse modelo. Pensa só o que tem acontecido no País vizinho, em regime democrático. Poderás dizer que ainda não é uma Democracia suficientemente madura. Mas então olha para outras democracias mais maduras, como a italiana, que viu o seu Primeiro-Ministro Bettino Craxi a fugir da Operação “Mãos Limpas” para a Tunísia (onde morreu) para não ser preso, ou o que está a ocorrer com o ex-Presidente francês Nicolas Sarkozy. Abraço. Carlos Traguelho

Adriano Miranda Lima 02.05.2022 20:16: Dr. Salles, o problema é que se o toque da alvorada nos acorda para o dia, umas quinze horas depois chega o toque do recolher sem que as meninges tenham conseguido elaborar o pretendido modelo matemático para definir a corrupção. E tudo fica ainda mais complicado quando, conforme reconhece, a ganância é que está na origem da corrupção e ela tende para o infinito. E, assim sendo, logo se poderá concluir que o problema da corrupção pouco ou nada tem a ver com a democracia e o escrutínio dos actos públicos e privados que ela proporciona em grau variável com a natureza e a intensidade dos seus propósitos. A democracia pode ser a fórmula para a prevenir, combater e punir, mas não para a desencorajar. Pode refrear ou desencorajar os comportamentos escrutináveis, mas não transforma a natureza humana, que é onde reside a ganância. Por isso, as ilusões já se lhe tinham esfumado quando chegou ao terreiro da parada e já convencido da inutilidade do esforço.

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