E participando. Afinal, a frase “Homo sum. Humani nihil a me alienum puto”
- como escreveu o comediógrafo latino Terêncio, num contexto bem limitado, de um
vizinho alcoviteiro, a justificar-se da sua intromissão de pura simpatia
humana, junto do amigo que se esfalfava a trabalhar e que altivamente, o mandou
meter-se na sua vida – ganhou foros de universalidade, como princípio que nos
ajudou a entender a essência do humanismo. É pois, da peça “Héautontimoruménos”,
ou “O carrasco de si próprio” que a frase é extraída, mal pensando nós numa
origem galhofeira para uma frase tão ampla de sentido humano. E lembrei-me dela,
ao ler os dois textos de Luís
Soares de Oliveira que revelam um HOMEM bem humano, interessado por tudo o que
faz parte da vida humana, valores, experiências vividas, amizades, saberes,
conceitos, e o traduz com subtil humor.
I TEXTO
Carta a Henrique Borges.
Agradeço
o teu convite para assistir ao lançamento do engenho que fabricaste para abater
o enfadonho Protocolo. Infelizmente o triste jus da muita idade não me permite
deslocações tão distantes; só me consente mover entre minha casa e clínicas
médicas cercanas e nisto consiste o meu presente fadário.
Bem
gostaria de estar no dia 25, junto de ti e dos teus amigos e ouvir falar desta
tua saudável iniciativa de acabar de vez com o Protocolo de Estado. O dito
Protocolo sempre me fez bocejar de tédio mas cheguei um dia a admitir que o
mesmo tinha utilidade na medida em que atribuía sentido a pessoas que não
sabiam o que andam a fazer neste mundo - fazia delas figuras decorativas.
Há contudo que reconhecer que nos tempos da candura o Protocolo era
importante instrumento de política. Lembro-me
do Viana, o primeiro Chefe de Protocolo que conheci. Quando alguém vinha
protestar por se considerar preterido, Viana invocava um tratadista francês que
lhe dava razão. Mencionava até o capítulo da obra que se referia ao caso. O recalcitrante
calava-se. Só que, desse tratadista, só ele Viana tinha notícia. Não
figurava em nenhuma enciclopédia.
E
assim era na Carreira. Não interessava o que cada um dizia: interessa sim o que
cada um escondia por detrás da sua fala. Talleyrand, o supremo mestre, era
Ministro dos Estrangeiros quando lhe anunciaram a morte do Embaixador russo em
Paris. Logo exclamou:- «Morreu? O que é que ele quer dizer com isso?»
Caro Henrique.
És
um colega que gostei de conhecer:- inteligente, incansável pesquisador vivamente
interessado nos problemas do tempo, consciente da gravidade dos mesmos. Sempre
disposto a aproveitar as possibilidades de desenvolvimento pessoal que a
Carreira oferece e esse é o melhor serviço que a dita Carreira nos proporciona
- ajuda-nos a sair da casca.
Não
falo do livro porque ainda não o conheço mas desde já digo que o vou ler, não
tanto pelo tema mas mais por ter sido escrito por ti. Quero ver o que de teu lá
deixaste.
Abraço
e parabéns por tão brilhante iniciativa.
Estoril,
22 de Maio de 2022.
Luís
Soares de Oliveira.
II TEXTO
Luís Soares de
Oliveira
Confiança e
desconfiança
Nasci
eu - melhor, tive eu a sorte de ter nascido - numa época em que as pessoas
confiavam uns nos outros, não só nos familiares, nos conterrâneos, mas também nos
governantes bem como nos negociantes. Pagavam-se as contas aos fornecedores no
fim do mês e até havia uma mercearia em Cascais que tinha fregueses que só
pagavam uma vez por ano. No domínio da política - para não ir mais longe -
acreditávamos no New Deal, no Plano Marshall, na virtude da pobreza remediada,
e até na elevação ética da democracia. Alguns tinham motivos para acreditar no
PC moscovita e não se arrependeram. A época que se seguiu - o
tempo da minha vida - foi de grandes sucessos científicos e de trágicos
retrocessos no domínio da Ética. Gradualmente
a desconfiança foi expulsando a confiança. Surgiram os movimentos de defesa dos
direitos humanos, os protestos contra a guerra do Vietname, os protestos
académicos em Lisboa a favor de Marcello Caetano, quando Reitor; os mesmos
protestos contra o mesmo homem, quando chefe do governo. Cá dentro e lá fora os
governos passaram a ser vistos com crescente suspeição. Surgem em força os
movimentos femininos, seguidos dos gay. Surge a crise do Irão. Em 1980- já eu
ia na sexta década - os EUA elegem Presidente Ronald Reagan, um homem que se
declarara contra os Direitos Humanos e este afirmou no seu discurso inaugural:
«o Governo não é a solução para os nossos problemas; o Governo é o problema» E
depois de tão brilhante entrada decidiu nada fazer. Agravou-se a desconfiança.
Contudo a Economia melhorou o que veio provar que a Economia não é para
políticos. E assim continuou a ser com governos de Esquerda e de Direita , com
Passos e com Costas; com gente inteligente (Obama) e com palhaços (Trump).
Confiança perdida não volta.
Alguns
dirão que não se tratou de quebra de confiança mas tão-somente de acréscimo de
interesse colectivo pelas matérias sociais. Temos que aceitar. Quanto mais
publicidade mais cepticismo. É natural. Ao fim e ao cabo, perdemos a fé que tão
confortável era, mas ganhámos consciência esclarecida o que nos previne contra
os tiranos desta vida. Será?
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