quarta-feira, 25 de maio de 2022

Olhando em torno


E participando. Afinal, a frase “Homo sum. Humani nihil a me alienum puto” - como escreveu o comediógrafo latino Terêncio, num contexto bem limitado, de um vizinho alcoviteiro, a justificar-se da sua intromissão de pura simpatia humana, junto do amigo que se esfalfava a trabalhar e que altivamente, o mandou meter-se na sua vida – ganhou foros de universalidade, como princípio que nos ajudou a entender a essência do humanismo. É pois, da peça “Héautontimoruménos”, ou “O carrasco de si próprio” que a frase é extraída, mal pensando nós numa origem galhofeira para uma frase tão ampla de sentido humano. E lembrei-me dela, ao ler os dois textos de Luís Soares de Oliveira que revelam um HOMEM bem humano, interessado por tudo o que faz parte da vida humana, valores, experiências vividas, amizades, saberes, conceitos, e o traduz com subtil humor.

I TEXTO

Carta a Henrique Borges.

Agradeço o teu convite para assistir ao lançamento do engenho que fabricaste para abater o enfadonho Protocolo. Infelizmente o triste jus da muita idade não me permite deslocações tão distantes; só me consente mover entre minha casa e clínicas médicas cercanas e nisto consiste o meu presente fadário.

Bem gostaria de estar no dia 25, junto de ti e dos teus amigos e ouvir falar desta tua saudável iniciativa de acabar de vez com o Protocolo de Estado. O dito Protocolo sempre me fez bocejar de tédio mas cheguei um dia a admitir que o mesmo tinha utilidade na medida em que atribuía sentido a pessoas que não sabiam o que andam a fazer neste mundo - fazia delas figuras decorativas.

Há contudo que reconhecer que nos tempos da candura o Protocolo era importante instrumento de política. Lembro-me do Viana, o primeiro Chefe de Protocolo que conheci. Quando alguém vinha protestar por se considerar preterido, Viana invocava um tratadista francês que lhe dava razão. Mencionava até o capítulo da obra que se referia ao caso. O recalcitrante calava-se. Só que, desse tratadista, só ele Viana tinha notícia. Não figurava em nenhuma enciclopédia.

E assim era na Carreira. Não interessava o que cada um dizia: interessa sim o que cada um escondia por detrás da sua fala. Talleyrand, o supremo mestre, era Ministro dos Estrangeiros quando lhe anunciaram a morte do Embaixador russo em Paris. Logo exclamou:- «Morreu? O que é que ele quer dizer com isso?»

Caro Henrique.

És um colega que gostei de conhecer:- inteligente, incansável pesquisador vivamente interessado nos problemas do tempo, consciente da gravidade dos mesmos. Sempre disposto a aproveitar as possibilidades de desenvolvimento pessoal que a Carreira oferece e esse é o melhor serviço que a dita Carreira nos proporciona - ajuda-nos a sair da casca.

Não falo do livro porque ainda não o conheço mas desde já digo que o vou ler, não tanto pelo tema mas mais por ter sido escrito por ti. Quero ver o que de teu lá deixaste.

Abraço e parabéns por tão brilhante iniciativa.

Estoril, 22 de Maio de 2022.

Luís Soares de Oliveira.

 

II TEXTO

Luís Soares de Oliveira

22 de maio às 01:17  · 

Confiança e desconfiança

Nasci eu - melhor, tive eu a sorte de ter nascido - numa época em que as pessoas confiavam uns nos outros, não só nos familiares, nos conterrâneos, mas também nos governantes bem como nos negociantes. Pagavam-se as contas aos fornecedores no fim do mês e até havia uma mercearia em Cascais que tinha fregueses que só pagavam uma vez por ano. No domínio da política - para não ir mais longe - acreditávamos no New Deal, no Plano Marshall, na virtude da pobreza remediada, e até na elevação ética da democracia. Alguns tinham motivos para acreditar no PC moscovita e não se arrependeram. A época que se seguiu - o tempo da minha vida - foi de grandes sucessos científicos e de trágicos retrocessos no domínio da Ética. Gradualmente a desconfiança foi expulsando a confiança. Surgiram os movimentos de defesa dos direitos humanos, os protestos contra a guerra do Vietname, os protestos académicos em Lisboa a favor de Marcello Caetano, quando Reitor; os mesmos protestos contra o mesmo homem, quando chefe do governo. Cá dentro e lá fora os governos passaram a ser vistos com crescente suspeição. Surgem em força os movimentos femininos, seguidos dos gay. Surge a crise do Irão. Em 1980- já eu ia na sexta década - os EUA elegem Presidente Ronald Reagan, um homem que se declarara contra os Direitos Humanos e este afirmou no seu discurso inaugural: «o Governo não é a solução para os nossos problemas; o Governo é o problema» E depois de tão brilhante entrada decidiu nada fazer. Agravou-se a desconfiança. Contudo a Economia melhorou o que veio provar que a Economia não é para políticos. E assim continuou a ser com governos de Esquerda e de Direita , com Passos e com Costas; com gente inteligente (Obama) e com palhaços (Trump). Confiança perdida não volta.

Alguns dirão que não se tratou de quebra de confiança mas tão-somente de acréscimo de interesse colectivo pelas matérias sociais. Temos que aceitar. Quanto mais publicidade mais cepticismo. É natural. Ao fim e ao cabo, perdemos a fé que tão confortável era, mas ganhámos consciência esclarecida o que nos previne contra os tiranos desta vida. Será?

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