sexta-feira, 20 de maio de 2022

As críticas


A Paulo Tunhas pelos opositores de Paulo Tunhas, que são, naturalmente os que, como o tal Chomsky, atacam os E.U como nação ferozmente pretensiosa que deseja ser a maior, (e que, na realidade, está sempre pronta a dar o corpo ao manifesto para a ajudinha necessária até aos que a condenam na sombra, esses tais que amam o país do leste europeu, (que também é o maior mas que se esforça por sê-lo ainda mais, em autêntica paranoia de desmesura ambiciosa), os quais, amando-o, preferem prestigiá-lo de longe, enodoando, em discursos de sofisma, os que, perto deles, são contra eles, preferindo atacá-los com as suas palavras sábias, (na continuidade do pensamento daqueles que nos meus tempos de antanho também defendiam o comunismo, por pedantismo cultural e ataque ao “fascismo” em que eram forçados a viver, pelo menos os que não tinham posses para dele fugirem e assim se livrarem da guerra). O pedantismo mantém-se e os Paulos Tunhas são naturalmente postos na prateleira por esses, os tais que amam as acções de um ditador/malfeitor, mas na distância, mais adequada aos seus receios do concreto e da proximidade, já que, no abstracto e na distância de lá, se podem sempre defender para a sua própria vanglória, cá.

Ideias verdes incolores furiosamente dormem

Terá Chomsky alguma vez ouvido Zelensky falar? Claro que ouviu. Mas como poderia deixar escapar uma oportunidade de expor pela enésima vez o princípio da causalidade única dos Estados Unidos?

PAULO TUNHAS

OBSERVADOR, 19 mai 2022, 00:1917

Que Deus me perdoe, mas, desde o artigo sobre Noam Chomsky da semana passada, não consegui mais afastar do espírito a questão que então me ocupava: como pode o célebre linguista e filósofo da mente, cujas doutrinas são sem dúvida discutíveis, mas fascinantes, escrever dezenas e dezenas de livros onde, a propósito de tudo o que se passa neste largo mundo, repete infinitamente a mesmíssima tese, declinando-a de todas as maneiras possíveis: tudo o que de mal ocorre no planeta é da exclusiva responsabilidade dos Estados Unidos da América? Ou, se se preferir, que relação pode existir entre uma actividade e outra, entre a inquirição propriamente racional e criativa sobre a linguagem e o funcionamento do espírito humano e aquilo que não passa de uma gigantesca teoria da conspiração onde nenhum detalhe escapa a uma urdidura de relações que aponta para uma explicação fundada na existência de uma causa única e praticamente dotada de ubiquidade, omnipotência e todos os restantes predicados atribuíveis a uma divindade maléfica?

A meu favor, só posso dizer que o assunto merece alguma atenção jornalística, já que o segundo aspecto – a visão conspiratória do mundoé algo de muito frequente num número vastíssimo de pessoas que, sejam de esquerda ou de direita, almejam descobrir a secreta realidade invisível que, por detrás do mundo visível, lhes ofereça a chave que lhes permite fazerem sentido de tudo. Mas tranquilizo desde já quem possa manifestar alguma preocupação com a aparente excentricidade da minha leitura de algumas centenas de páginas, entre os muitos milhares que Chomsky produziu, sobre a conspiração que ele vê, dia-a-dia, desenrolar-se diante dos nossos olhos, até nos mais inesperados acontecimentos. Não tenciono voltar à questão nas páginas do Observador, deixá-la-ei doravante para outros lugares mais apropriados. Já me aconteceu no passado um idêntico fervor com o igualmente prolífico místico sueco Emanuel Swedenborg – e, afinal de contas, é bem mais interessante saber quais as habitações, indumentárias e acções dos anjos do que ser posto ao corrente, em prosa recheada de extensas e lúgubres notas de rodapé, dos mais minuciosos detalhes da ininterrupta causalidade do Grande Satã na manutenção do seu Império do Mal. E consegui parar com Swedenborg. Ora, quem pára com Swedenborg, pode parar com Chomsky.

Entretanto, enquanto não cumpro o prometido, eis algumas reflexões sobre o delírio sistemático chomskiano. Como disse, ele funda-se numa alucinação da causalidade única dos Estados Unidos neste nosso mundo (as suas publicações no capítulo iniciam-se em finais dos anos sessenta do século passado – aquelas que dizem respeito à linguística, incluindo talvez a mais importante, Syntactic Structures, de 1957, na década anterior). Deste modo, a Guerra Fria, cujo início Chomsky faz remontar, significativamente, a 1917, é da exclusiva responsabilidade dos Estados Unidos. Todas as guerras de Israel, incluindo a guerra da Independência, idem aspas: Israel, para ele, não é senão uma colónia, particularmente violenta, dos Estados Unidos e a inocência árabe é radical. Os Khmers Vermelhos de Pol Pot são, também eles, largamente perdoados nas suas atrocidades em virtude de terem sido forçados a reagir ao poder americano. Quanto aos crimes dos sérvios na Bósnia e ao genocídio dos tutsis pelos hutus no Ruanda: os Estados Unidos inventam crimes e genocídios alheios para ocultarem os seus próprios. Quais os responsáveis últimos pelos ataques do 11 de Setembro? Será preciso dizer? Os Estados Unidos. E pelos atentados de Paris contra o Charlie Hebdo? Os Estados Unidos. E pela guerra da Ucrânia? Os Estados Unidos.

Poderia continuar indefinidamente. Nem sequer citei nenhum país da América Latina. Deixo-vos adivinhar quem está, também aqui, por detrás de tudo, sem uma excepçãozinha que seja. Não resisto, no entanto, a mencionar dois factos suplementares que “fazem sistema”, como dizem os franceses, com a enumeração anterior. Primeiro, os vitupérios lançados sobre quem – como, por exemplo, Václav Havel – tenha manifestado apreço pela democracia (que não o é, segundo Chomsky) americana. Em segundo lugar, a extensa intimidade de Chomsky com os membros do antigo grupo esquerdista francês La Vieille Taupe, depois da sua conversão ao mais descabelado anti-semitismo, que inclui a própria negação da existência do Holocausto, e a sua defesa do mais notório negacionista editado por esse grupo, Robert Faurisson. Ambos estes casos – mas há muitos mais – estão intimamente associados à sua ideia da causalidade única maléfica dos Estados Unidos. Fora desta, e contra esta, só pode haver inocência e virtude – mesmo nos negacionistas do Holocausto. E ai de quem, como Václav Havel, não o tenha percebido.

Estamos em plena teratologia. E, dada a sistematicidade sem falhas, a explicação pela má-fé é declaradamente insuficiente. A má-fé, como o explicou Sartre e como qualquer um de nós pode testemunhar pela observação do comportamento dos outros – e de nós-mesmos – é intermitente e conhece graus. Ora, o delírio chomskiano é simultaneamente ininterrupto e absoluto. Sem falhas. Claramente, na ambição de fazer sentido de tudo a partir de uma explicação única, ele releva da paranóia. E se as atitudes de má-fé constituem uma dimensão ontológica inescapável do humano, a paranóia releva claramente da psicopatologia.

Tudo cabe no leito de Procusto chomskiano. A sua “mendacidade professoral”, como alguém disse, não conhece limites. Ela serve-se de forma recursiva, para utilizar um conceito da sua linguística, de tudo o que possa servir para fazer encaixar o mundo no seu esquema conceptual – é quase uma gentileza usar a palavra que vem a seguir – maniqueísta. Não há livro político de Chomsky que não abunde em provas desta atitude. Mas limito-me a um exemplo muito recente. Chomsky declarou por estes dias que o entendimento de Zelensky sobre a guerra na Ucrânia lhe parecia, no conjunto, muito razoável. Em particular, Zelensky estaria disposto a compromissos substanciais com Putin e não insistiria de modo algum em receber doses substanciais de armamento para se defender. Teria sido o complexo militar-industrial americano que, através do seu controle dos media (outro tema caro a Chomsky, que lhe dedicou vários livros), a propagandear o contrário. Terá ele alguma vez ouvido Zelensky – “Não preciso de uma boleia, preciso de armas” – falar? Claro que ouviu. Mas como poderia deixar escapar uma oportunidade de, mesmo através da mais descarada das mentiras, expor pela enésima vez o princípio da causalidade única dos Estados Unidos?

O caso de Chomsky é interessante a dois títulos, como já indiquei antes: o de colocar a questão da eventual ligação da sua teoria linguística com a enxurrada das suas obras políticas (se é que este nome lhes convém) e o facto de ele dar a ver, com uma coerência e afinco indiscutíveis uma visão conspiratória que é partilhada por muita gente nos extremos da esquerda e da direita. Com efeito, este último aspecto é importante. Há muitas semelhanças entre a maneira de pensar de Chomsky e a dos desvalidos do pensamento, que, num fundo de excruciante solidão – “os homens solitários têm pensamentos terríveis”, dizia Lutero -, proclamam o seu ódio pela liberdade e o seu íntimo desrespeito por aqueles que sofrem, ao mesmo que glorificam a sua própria capacidade de alcançar, para além do visível, as poderosas forças que governam o mundo. Há um benefício narcísico óbvio nesta atitude que não se pode deixar de ter em conta: “Os media bem nos querem fazer crer que as coisas se passam assim ou assado – mas a mim, que sou mais esperto que os outros, não me enganam”. Há, na verdade, formas de desconfiança que, ao invés de um saudável cepticismo, nos conduzem aos abismos da credulidade conspiratória.

Quanto à relação da teoria linguística com o delírio político sistemático, a questão interessará sem dúvida muito menos gente. Limito-me praticamente a mencioná-la, porque para mim ela oferece um particular interesse filosófico. E a sugerir, muito tentativamente, um princípio de explicação. A ambição principal de Chomsky, o linguista, é, nas palavras de um seu intérprete, oferecer, por meio da gramática generativa transformacional, “uma descrição matematicamente precisa de algumas das mais notáveis características da linguagem”. Ora, o que me parece legítimo imaginar é que Chomsky – talvez nolens volens, embora alguns comentadores vejam aqui um projecto bemtransporta as condições do objecto da teoria linguística para o campo ético-político, com consequências desastrosas. Desastrosas porque tal o obriga a desprezar tudo aquilo que depende do contexto das acções políticas e que escapa à situação ideal sobre a qual a gramática generativa, na sua ambição de necessidade e universalidade, trabalha. A gramática política, se a expressão é admissível, é distinta da gramática linguística. Passe-se o que passar com a segunda, a primeira não é sem dúvida susceptível de “uma descrição matematicamente precisa”. Resulta daí que o mundo político viola flagrantemente a situação ideal e é necessário recorrer, para que a sua inteligibilidade seja ilusoriamente plena, à suposição de um invisível (a causalidade única dos E.U.A.) dotado de um poder explicativo absoluto que nos permita fazer sentido da realidade e adoptar o ponto de vista ideal para denunciar as mentiras, propagadas pelos media imperialistas americanos, que tomam conta deste nosso mundo – tal é “a responsabilidade dos intelectuais”.

Estão assim reunidas, sob o signo da tal “responsabilidade”, as condições básicas para o delírio sistemático. O delírio é gramaticalmente correcto, mas, na busca de um excesso de sentido que não pode pura e simplesmente existir, redunda na produção de frases que, como num exemplo célebre dado pelo próprio Chomsky, absolutamente carecem de qualquer sentido: “Ideias verdes incolores furiosamente dormem”. Aquilo com que se fica da leitura de centenas de páginas políticas de Chomsky é aproximadamente isto: “Ideias verdes incolores furiosamente dormem”. E dormem a cada página, quase a cada linha.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA  AMÉRICA  MUNDO  GUERRA NA UCRÂNIA  UCRÂNIA  EUROPA

COMENTÁRIOS:

Álvaro dos Santos: Esse tal Chomsky é um idiota daqueles que só o podem ser na cultura Ocidental. Noutro contexto cultural e civilizacional estaria já morto ou preso pelo poder vigente nesses locais. Mas, mesmo depois de morto arranjaria sempre um último fôlego de vida para dizer que a sua morte tinha sido culpa dos USA. Gosto de ler o senhor Paulo Tunhas, mas por favor deixe de escrever sobre tal sujeito.           Paulo Silva: Quais anticorpos, dos maiores sofredores de anti-americanismo primário estão na América.          José Paulo C Castro: As ideias são mais vermelhas e não dormem, antes esperam pela fúria. Cá também temos um Boaventura Sousa Santos… e mais alguns dementes!             Champagne Charlie: Tunhas e o seu inescapável atractor pela superficialidade... Bem sabemos que o filósofo nacional não se move nos cumes de Sloterdijk, mas que diabo...              josé maria: Como pode Noam Chomsky ter razão e Paulo Tunhas não ver? O que é que nos diz o princípio da racionalidade? Que a invasão da Ucrânia constitui uma monstruosidade e que foram cometidos pelas tropas russas, sob o comando do Putinochet, crimes horrendos contra a humanidade. Tudo isso Chomsky reconhece. Mas o que é que ele diz mais que incomoda tanto Paulo Tunhas? Diz o óbvio, que Tunhas não consegue ver ou faz de conta que não vê: que a extensão da Nato para a proximidade das fronteiras da Federação Russa é um acto imprudente. Pelo menos, no que respeita à Ucrânia, deu ao Putinochet o pretexto para essa invasão. Pode equacionar-se e é isso que Chomsky fez, se não seria preferível que a Ucrânia tivesse acordado um pacto de neutralidade com a Rússia, com eventual garantia de segurança, por parte de países terceiros, se a Rússia não respeitasse esse pacto. E é exactamente isso que o sectário Tunhas não vê ou não quer ver. Suponhamos, a título de exemplo meramente contrafactual, como experimento filosófico do pensamento, que Cuba, Venezuela e México constituíam um pacto militar com a Rússia. Estariam no seu soberano direito, certo? Suponhamos ainda que esses países instalavam mísseis nucleares nos seus territórios. Continuavam a estar no seu soberano direito, certo? Algo a opor, Paulo Tunhas, se Chomsky viesse insurgir-se contra esse hipotético pacto defensivo? O alargamento da Nato, como tenaz circundante dos territórios da Federação Russa, foi um acto prudente, Paulo Tunhas? Desça à Terra, aprenda o exercício lógico de pensamento que o Noam Chomsky ainda tem para lhe ensinar, em vez de se mostrar avesso à geometria espinosana do princípio da racionalidade. A você sobra-lhe em letra o que lhe falta em substância.          bento guerra > josé maria: Bom esforço. Temos de nos lembrar do Kennedy de 1962, como em tudo o que toca a nuclear. Quanto à Ucrânia, o que aconteceu e está a acontecer estava previsível para os estrategas globais. As vítimas e destruições ucranianas são colaterais para as televisões e emoção pública           João Alves > josé maria: O seu comentário consiste numa argumentação contrafactual que se inscreve num mundo possível em que a Ucrânia tivesse sido admitida na NATO. Ora tal não aconteceu no mundo real, no qual a Ucrânia apenas manifestou o desejo de aderir àquela organização, ainda que consagrado constitucionalmente. Tendo em conta as condições conflituais existentes desde 2014 na Ucrânia, seguramente que a Ucrânia nunca seria admitida no NATO enquanto aquelas persistissem, visto que logo que fosse admitida teria justificação para accionar o art. 5 em seu benefício, o que implicaria que a NATO entraria em confronto directo com a Rússia, o que aquela organização sempre disse não querer. Assim, a Federação Russa parte de uma argumentação contrafactual contextualizável num dado mundo possível para justificar a invasão actual da Ucrânia no mundo real, com todas as sinistras consequências empiricamente observáveis. Ou seja, a razão que a FR tem nesse mundo possível não acede ao mundo real em que está a actuar.              João Floriano: Há quem passe a sua vida rodeado de crianças. Eu tenho passado a minha com muitos velhos à volta: familiares, vizinhos, amigos e orgulho-me da paciência, tolerância que me leva muitas vezes a fazer o que popularmente se diz: «dar desconto». Todos os velhos são iguais: lembram muito o seu passado, trocam os factos, as pessoas, as datas, são de uma teimosia que nos tira do sério e o mito do bom velhinho é coisa que ainda não verifiquei na prática. Todos eles têm uma dose de velhacaria por vezes impagavelmente cómica. Tanto faz estarmos a falar do avô Floriano que era quase analfabeto e que para o final da vida se tornou um intriguista encartado, o leva e traz entre os vários genros e noras, como de um génio como Chomsky. O melhor é dar desconto, porque já são mais de 90 anos e o tempo não perdoa.            Emílio Durkheim, PhD: O autor desta missiva soube construí-la bem o que é natural dado que é filósofo, perfeitamente acostumado às: "redondezas" e "convoluções" dos exercícios do "ócio" filosófico. Como tal, e porque eu também conheço bem estes interlocutores, escolho reportar-me a Kant e aos positivistas. Paulo Tunhas é aqui o positivista, o adepto de Hume a destilar o seu ódio à Razão, ou seja a sua "misologia" como o apelidou Immanuel Kant. Paulo Tunhas é o camponês empírico boquiaberto com a soberda e audácia de quem lhe diz que existe uma causalidade no mundo que é inteligível. Que a experiência, mais do que sentida e pura e simplesmente vivida, pode ser explicada, por intermédio de uma "disciplina" ou um método, que naturalmente se quiser satisfazer o primum mobile da verdadeira Filosofia, terá que ser qualitativamente matemático. Ora, o Paulo Tunhas, acaba a projectar no Chomsky aquilo que é na verdade o némesis do relativismo no qual qualquer bom positivista se apraz de chafurdar intelectualmente -- a incoerência, a contradição, de ser relativista. A supremacia da Razão é para os positivistas isto mesmo que Paulo Tunhas referiu: um "delírio sistemático". Terá Paulo Tunhas, na sua ânsia positivista de demolir o edifício da Razão até ao último tijolo, ouvido dizer que Chomsky é judeu? «Claro que ouviu. Mas como poderia deixar escapar uma oportunidade de, mesmo através da mais descarada das mentiras, expor pela enésima vez o princípio da» irracionalidade relativista?              José Carvalho > Emílio Durkheim, PhD: Não fazia falta uma verborreia filosófica para vir acusar Paulo Tunhas de ser contra a razão. Há acusações que são tão irracionais que nem com um tratado se fazem crer.        bento guerra: Questões de linguística.

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