Que nos leva à infância das leituras
mágicas, pelo Barba Azul de Charles Perrault, como à mocidade, das leituras de Stefan Zweig, pela revisão de Maria Stuart,
e mesmo de Maria
Antonieta, no paralelo da decapitação - (exceptuando, claro, a história
infantil, que só poderia ter um final feliz com o castigo dos maus - no caso, o
Barba Azul). Uma história
tenebrosa própria deste tempo tenebroso onde um homem sem barba mas com muito
poder esplendorosamente e cinicamente demonstrado em tantas vertentes, se
diverte no seu reino de barbárie impune. Uma história bem contada e bem
escolhida, por CLARA MACEDO CABRAL.
500 anos depois de ter sido apresentada
na corte inglesa, sabemos tudo sobre Ana Bolena?
É a mais conhecida das seis mulheres
de Henrique VIII de Inglaterra e a sua via é fundamental para entender parte da
história inglesa. Uma nova exposição no castelo onde viveu revela mais
detalhes.
CLARA MACEDO
CABRAL: Texto
OBSERVADOR, 08 mai 2022, 10:057
Anne
Boleyn (1501-1536), entre nós
conhecida como Ana Bolena, cresceu no castelo da família, em Kent:
uma fortificação de 1270 que o bisavô Sir Godofredo Bolena comprou, renovou e
adaptou aos confortos de residência pensando na descendência. Passaram-se mais
de 500 anos, meio milénio de fama, e nem por isso Hever Castle (que tem uma
nova exposição dedicada a uma das mais célebres rainhas consorte de Inglaterra)
sofreu alterações de fachada, mantém a estrutura medieval e defensiva, de
pequena dimensão, no meio de uma pradaria que na primavera se enche de
narcisos, e nos permite imaginar os torneios de justa que ali se desenrolavam e
em que se entretinham os cortesãos dos Tudor.
Passando
a ponte levadiça, acede-se ao pátio interior, do século XIII, revestido a
estuque e madeira escura centenária e ao empedrado que Ana e a família Bolena
calcorreavam. Lá dentro, o castelo sofreu grandes renovações, feitas pelo
posterior dono de maior renome, William
Waldorf Astor, o homem
mais rico da América, a quem se
devem os jardins e lagos que nos cercam, destacando-se um jardim ao estilo
italiano repleto de esculturas romanas, algumas com mais de 2 mil anos de
história. Empreendidas no início do século XX, as obras foram fiéis a um
estilo revivalista ou neo-Tudor, aplicado à recuperação de muitos dos painéis
de madeira escura com que Astor se terá deparado.
Não
obstante, há ainda muito a ligar-nos à atmosfera que Ana e a sua família
respiraram: desde os corredores
estreitos às janelas que ostentam um vidro antigo a deitar sob o pátio, aos
quartos que Ana e Henrique VIII utilizaram com as respetivas camas de dossel. No chamado Great
Hall, conserva-se a lareira encimada
pelo escudo de armas dos Bolena, frente a uma bela tapeçaria, era nesta
sala que a família jantava, recebia e entretinha Henrique VIII e a sua comitiva
nos dias tumultuosos em que ele as visitava, no
alto do castelo persiste também uma galeria de retratos, a chamada Long
Gallery, criada pelo bisavô de Ana, incontornável em qualquer palácio
Tudor, exibindo os retratos dos poderosos homens e mulheres ligados à saga da Guerra das Rosas (1455-1485) que antecedeu o nascimento de Ana, e à Reforma inglesa,
contemporânea de Ana, e cujas histórias se perderam, ao invés da dela. Sob aqueles tectos, as pessoas eram bem mais baixas e
franzinas do que somos hoje e ali são reconstituídas para não o esquecermos
através de manequins que nos elucidam também sobre a moda Tudor, os seus
vestidos escuros com toucas orlados de pérolas e joias — ligando-nos ainda a
Ana dois livros de horas que possuía e estimava e através dos quais rezava,
aqui em exibição.
▲Passaram-se
mais de 500 anos, meio milénio de fama, e nem por isso Hever Castle (que tem
uma nova exposição dedicada a uma das mais célebres rainhas consorte de
Inglaterra) sofreu alterações
HERITAGE IMAGES/GETTY IMAGES
Índice
Revisitando o que a história disse sobre os Bolena
A sua infância é quase desconhecida,
quando comparada com a exposição pública e o interesse histórico que recebeu, a
partir do momento em que conquistou a atenção do rei e se tornou a segunda das
suas seis mulheres e a mais conhecida de todas. É
interessante notar como o rei que mais
vezes se casou na história de Inglaterra se notabilizou pelo comportamento
na esfera marital e pelo tratamento que deu às esposas.
Os ingleses são ambivalentes no modo como
falam do segundo dos monarcas Tudor e embora não
escamoteiem que foi um tirano, abstêm-se
de o qualificar como um serial killer, estimando-se que matou ou mandou matar
57 mil pessoas. A razão é simples: Henrique
VIII deu-lhes algo que não deixam de prezar — uma nova religião, um destino
diferente do “continente” europeu, a perceção de serem um povo líder e de
cabeça erguida, forjado por uma miscelânea de orgulho, insubmissão
autoconfiança que acontecimentos posteriores reforçariam. As crianças
ingleses aprendem de pequenas uma conhecida mnemónica/lengalenga/cantilena pela
qual nunca mais esquecem os destinos que tiveram as consortes de Henrique VIII:
Divorciada, decapitada, morreu,
divorciada, decapitada, sobreviveu (“divorced, beheaded, died, divorced,
beheaded, survived”). Falamos de
Catarina de Aragão, Ana Bolena, Jane Seymour, Ana de Cleves, Catarina Howard
e Catarina Parr — que viveram algures entre 1509 e 1547.
▲Retratos das seis consortes de
Henrique VIII
A
melopeia enfatiza o risco a que as vidas destas mulheres ficaram expostas a
partir do momento em que casaram com o
homem mais poderoso de Inglaterra. Sobreviveriam
ou morreriam? Em última análise, era essa a questão, já que o casamento punha
em marcha uma roleta, puramente aleatória, a que não escaparam amigos íntimos e
conselheiros do rei.
Uma parada demasiado alta
Ana
Bolena foi a consorte por quem Henrique VIII mais se atreveu. Por ela afrontou, “batalhou”, arrastou o país para
a beira de uma guerra civil e não acalmou até a ver coroada, mas foi também a que mais ostensivamente ele humilhou,
bem como a primeira a quem mandou cortar a cabeça, impaciente por se casar com
outra. Por Ana e
pelo sonho de que ela lhe desse um herdeiro, o rei de Inglaterra empenhou-se em
terminar o casamento que tinha com a mulher do irmão mais velho, precocemente
falecido, e que durava há 18 anos. Não é claro se Henrique VIII já estaria
apaixonado por Ana em 1525, ano em que primeiro sonda a hipótese de anular o
casamento com Catarina
de Aragão, junto de
Clemente VII, num procedimento consentâneo com a sua fé e religião, usando o
pretexto de que a espanhola não lhe assegurava um varão (Catarina havia passado dos 40 anos e tinha-lhe por essa
altura dado três filhos rapazes que haviam morrido).
Clemente
VII
responde-lhe tardiamente, no início de janeiro de 1531, proibindo-o de se
tornar a casar, sob pena de excomunhão. Esgotados novos expedientes para obter
o pretendido, Henrique VIII casa-se oficialmente com Ana, em janeiro de 1533, aceitando basicamente que a excomunhão era um preço
que estava a disposto a pagar pelo casamento, a independência do Papa e a
conquista de um herdeiro. Numa
cerimónia de coroação realizada na Abadia de Westminster, em Junho desse ano, o
Arcebispo da Cantuária colocaria sobre a cabeça de Ana a coroa de São Eduardo
reservada geralmente para a cabeça de um monarca, e uma outra mais leve feita
especialmente para Ana que Isabel I usaria, depois da morte da mãe, no dia da sua
própria coroação. Foi o momento de glória de Ana, o culminar de sete
anos de ambição, frustrações e disputas legais. O triunfo pessoal de uma nobre
inglesa suplantara uma princesa de Espanha e derrubara mil anos de obediência
inglesa à Igreja de Roma.
Claro que a história de amor de Henrique
VIII tinha dividido o país e assim continuaria.
Em
maio, a anulação do primeiro casamento de Henrique VIII é decretada pelo
Arcebispo da Cantuária. Em setembro,
nasce a futura Isabel I. Este e
outros desentendimentos com a Igreja, aliados à sua convicção de que não
existia pessoa acima de si na terra, como ele próprio declarou, levam Henrique
VIII a iniciar o processo da “Reforma
Inglesa”, de modo
a legitimar o casamento com Ana e a assegurar que os herdeiros da união
herdariam o trono sem contestação.
No
ano seguinte, o Parlamento aprova o “Acto
de Sucessão à Coroa” (1534) pelo qual Henrique VIII se reconhece e aos seus
descendentes como Chefe Supremo da Igreja de Inglaterra. É desde esta data que os reis de Inglaterra passaram a
deter uma originalidade face a outras monarquias: a
concentração do poder temporal e espiritual na pessoa do monarca. O “Acto
de Sucessão” exigia um
juramento de lealdade prestado pelos súbditos, reconhecendo não apenas o
casamento do rei como os respetivos filhos como herdeiros legítimos do
trono inglês, e que como tal implicava o repúdio do Papa e do primeiro
casamento de Henrique VIII.
Deste modo, se expurgava o
estigma da ilegitimidade que a princesa Isabel carregava desde o berço, nascida no ano em que os pais se casaram, já que para a Igreja o relacionamento do casal era bígamo, e
portanto também inaceitável aos olhos dos católicos de Inglaterra.
▲O livro de
orações de Anne Boleyn, um dos objetos mais valiosos que pode ser visto na
visita ao castelo de Hever
Conhecemos as consequências funestas que
advieram para católicos como Thomas More a partir do momento em que se recusou
a prestar o “juramento de sucessão” e aceitar que um chefe (temporal) fosse o
líder da espiritualidade. Apesar de amigo do rei, Thomas More seria julgado por
alta traição, condenado e executado — a notícia chocou a Europa.
A
contenda entre esta ilha e o sucessor da cadeira de Pedro azedaria até 1538,
ano em que Paulo III, então Supremo Pontífice, estando já Ana Bolena enterrada,
excomungaria definitivamente Henrique VIII, algo que o predecessor Clemente se
refreara de fazer e que o próprio Paulo sustivera por algum tempo, na esperança
de que o monarca inglês arrepiasse caminho. O monarca
inglês tornara-se herético, um
caminho que Pio V repetiria em 1570, ao excomungar
por bula papal a filha Isabel I.
Mas
voltemos a Henrique VIII. Quando se decide a tomar Ana Bolena como mulher,
fá-lo para assegurar um herdeiro. Mas fá-lo também porque Ana, cuja irmã mais
velha já fora sua amante, se recusa a seguir as pisadas de Maria (Bolena) e a
deitar-se na sua cama. Opondo-se ao papel de amante, ela espicaça-lhe a luxúria
e a vontade de a desposar.
De
acordo com os anais históricos, Ana
não era dona de uma beleza estonteante, mas era razoavelmente atraente,
extremamente loquaz e culta. Falava várias línguas e era versada em literatura,
artes, política e religião. Era ainda graciosa, sabia dançar, cantava como uma
sereia, tocava harpa, rabeca e flauta. Recebera portanto uma educação esmerada
e fora do comum, mesmo na sua classe social, já que por exemplo, a sua sucessora, Jane Seymour, terceira mulher de
Henrique, sendo
também nobre, sabia apenas ler, escrever e bordar. Ana tinha ainda a seu favor uma magia, mistério e resguardo que deixava os homens
curiosos, e sabia usar os seus negros olhos, convidando o interlocutor à
conversa, ou transmitindo-lhe excepcionalmente a promessa de uma paixão
secreta. A jovem encarnava as qualidades do espírito da Renascença, absorvidas
nas melhores cortes europeias em que crescera.
Mais francesa do que inglesa
Aos
doze anos, em 1513, o termo da infância à época, Ana fora enviada na sua
primeira travessia do canal da Mancha, com destino à corte de Margarida da
Áustria (1480-1530), regente dos Habsburgos nos Países Baixos, junto de
quem havia sido nomeada dama de companhia. Esta colocação muito
prestigiante, no Palácio de Mechelan em Brabante, Bélgica, como uma das 18
damas da Arquiduquesa, fora obtida por Tomás Bolena, à data, um diplomata respeitado
com talento para línguas que impressionara Margarida nas visitas feitas à corte.
Era das cortes mais admiradas e ilustres
na Europa, para a qual as melhores famílias nobres europeias desejavam enviar
os filhos. Ana estaria
nervosa e excitada, ciente das expectativas familiares que sob ela recaíam, e
que incluíam consolidar influência e prestígio no continente. Data dessa
altura o interesse de Ana por livros opulentamente decorados e artisticamente
encadernados, mais objectos de arte do que meros textos e o conhecimento do
pensamento de escritoras e eruditas da Renascença como Cristina de Pisano, que
vivera também em França.
Um
ano decorre e Ana sai da Bélgica e é enviada para a corte de França como dama de
Maria Tudor, irmã de Henrique VIII, que se casara com o rei de França, Luís XII. A morte precoce deste, uns dias depois, não a faz
regressar com Maria Tudor a Inglaterra, mas transitar para dama de companhia da
rainha Cláudia, mulher de Francisco I, na corte de quem também fica exposta às
belas-artes e aos livros. Permanece
assim em França de 1514 a 1521.
▲O momento em
que Anne Boleyn conhece o rei inglês Henrique VIII, em 1835. A pintura é de
Daniel Maclise GETTY IMAGES
Diz-se que quando regressou de França,
no ano seguinte, Ana não era tomada por inglesa, mas por francesa, que era mais
francesa do que inglesa. E conscientemente aplicava a linguagem, literatura,
ares, graças e sofisticação dos franceses para se distinguir das demais damas
da corte. Tinha definitivamente um je ne sais quoi que atraiu outros
cortesãos. Um intelecto, elegância e fascínio europeus, à época muito
admirados, e considerados exóticos. A sua simpatia pelo país dos antepassados
continuaria pelo resto da vida, durante a qual promoveu as relações políticas
anglo-gaulesas, preferiu a moda francesa bem como a importação e leitura de
livros e bíblias de França.
Uma parada demasiado alta
Algures
entre 1524 e 1525, Henrique VIII nota Ana na sua corte e interessa-se por ela.
Escreve-lhe 17 cartas de amor que sobrevivem para consulta pública.
Numa
das primeiras cartas que não se perdeu, de Ana ao seu muito amado rei, fala-nos
da “joy that I feel in being loved by a King whom I adore”,
agradecendo-lhe ainda a nomeação como “dama de honor” da Rainha Catarina de
Aragão, situação que a “induz a pensar que Sua Majestade tem alguma
consideração por mim visto que me proporciona o meio de o ver mais
frequentemente e de lhe assegurar com os meus próprios lábios (o que farei na
primeira oportunidade) que sou a súbdita muito reconhecida e muito obediente e
sem qualquer reserva de Sua Majestade”.
A
vida de Ana como rainha consorte foi um clarão. Depois de três abortos, três
tentativas falhadas para produzir um herdeiro, mais de 1000 dias passados sobre
a sua coroação, o rei envolve-se com Jane Seymour. Três meses decorridos sobre
o dia em que o rei conhecera Jane, Ana é julgada por cinco crimes de adultério,
incesto com o irmão Jorge e conspiração contra o rei, sendo condenada à morte.
De notar que a execução de uma rainha era um feito sem precedentes e altamente
chocante.
▲ Anne Boleyn despede-se das suas
aias antes ser executada GETTY IMAGES
A
cabeça de Ana seria a única cabeça Tudor decepada por espada e à primeira
tentativa. No
sangrento reinado do Tudor, as cabeças eram de costume cortadas por machado, os
quais exigentes em precisão, conduziam a golpes falhados: foi o caso do machado
usado em Maria dos Escoceses que só à terceira tentativa lhe decepou a cabeça.
Talvez a morte pela espada lhe tenha sido aplicada a Ana por ser um método
popular à data em França onde a rainha tinha passado anos felizes. Na manhã de 19 de maio de 1536, saindo da sua cela na Torre de Londres, ela pronuncia
um discurso convencional antes da subida ao cadafalso, no qual elogia o rei
como “Senhor gentil e soberano” e, salvando o orgulho, ajoelha-se para receber
o golpe de misericórdia.
Jane
Seymour tornou-se
a terceira mulher do rei onze dias depois de este ter mandado executar Ana. Jane teve um percurso com semelhanças com o da sua
predecessora: era, como ela, uma dama de honor da Rainha Catarina de Aragão,
transitando para o serviço de Ana. Jane seria a mulher que o monarca mais
amaria e a quem ficaria para sempre reconhecido, por lhe ter finalmente dado o
filho porque desesperadamente aguardara: Eduardo VI.
Não sabemos se o rei se desinteressaria desta esposa como se desinteressou das
outras, pois morreria de complicações pós-parto. Similarmente
aos Boleyn, os Seymour eram uma família nobre (embora não tão nobre quanto os Boleyn), mas
igualmente ávida de poder e disposta a utilizar os encantos das mulheres do
seu sangue para obter os favores de homens poderosos e se possível do rei.
Revisitando
o que a história disse sobre os Bolena
Os
Bolena têm sido
encarados como uma família tacticista, ambiciosa, que na ânsia de colher
favores e privilégios régios se serviu e manobrou as próprias filhas. Foi já
escrito ter sido através da sexualidade das filhas que Sir Tomás Bolena se
tornou um grande homem e que foi pelo mesmo motivo que depois caiu tão baixo. Deste
modo, os Bolena seriam em parte responsáveis pela desdita e montanha russa de
sucessos e catástrofes que os destruiu.
▲Exemplos de
salas e quartos que podem ser visitados no castelo que foi morada de Anne
Boleyn
Mas será esta versão justa?
O
irmão de Ana, Jorge, acusado de incesto com ela, seria também decapitado na Torre de Londres, dois
dias antes da irmã, a 17 de Maio do fatídico ano de 1536, perante o olhar de
Maria, a única irmã que lhes sobrevive e que fora amante de Henrique VIII. O
velho pai, Sir Tomás
Bolena, perde na
velhice dois filhos, todo o prestígio e poder de que a família gozara durante
gerações.
Executados
foram também os amigos de Ana, acusados de adultério com ela, quatro deles,
companheiros de justa de Henrique VIII — Norris, Weston, Brereton e Rochford. Não é inverosímil que até certo ponto o rei tenha
acreditado que Ana o tenha traído com esses belos e atléticos cavaleiros que
ainda eram capazes de mostrar sua masculinidade cavalheiresca, competindo em
justas, quando ele, devido a um acidente, deixara de o poder fazer.
Alguma
simplificação, mito, e exagero sobreveio à desgraça dos Bolena. Mais
recentemente tem sido mesmo questionado o carácter maquiavélico do pai das duas
Bolenas.
A
família gozava de uma posição de prestígio, estatuto e poder muitas gerações
antes de Tomás Bolena, para a qual havia trabalhado arduamente. Tinham origem
na Normandia, em Boulogne-sur-Mer. O próprio nome Bolena derivaria de Boulogne.
Quando
o pai de Ana nasce, em 1477, era beneficiário dos ganhos financeiros e
políticos dos casamentos feitos pelos antepassados, tendo ainda herdado muitas
terras acrescentadas pelo seu casamento com Lady Margaret Butler, a mãe de Ana,
domínios que ele se encarregou de aumentar. Tomás Bolena
foi um humanista que patrocinou muitos livros, contando-se alguns do erudito
holandês Erasmo de Roterdão. Experiente
na arte do amor cortês e dos torneios de justa, linguista talentoso, fluente em
francês e versado em latim, tornou-se diplomata de nomeada com Henrique VIII e
Embaixador de França entre 1519 e 1521, antes de Ana conhecer o rei. Como
tal, viajava muito entre a corte e a costa de Dover para embarcar em viagens
continentais. A meio do percurso parava em Hever, no seu castelo, onde morreu
um homem destruído três anos após a execução dos filhos.
O
maior amor do rei tinha-se transformado em ódio, e ele empenhar-se-ia em apagar
a memória de Anne Boleyn, destruindo inclusive o retrato que Holbein fizera
dela. A filha de ambos, anos mais tarde, evocaria com frequência a mãe,
usaria a sua iconografia e jóias e traria de regresso à corte os parentes
maternos dela.
Revisitando o que a história disse sobre os
BolenaO texto da última carta de Ana ao marido não deixa dúvidas em relação ao
quanto a
sua relação havia decaído:
“Sir, your graces displeasure, and my
imprisonment, are things so strange onto me, as what to write, or what to
excuse, I am altogether ignorant. Towards your good grace, ever cast so foul a
blot on your most dutiful wife, and the infinite princess, your daughter; thyne,
good King, but let me have a fair trial, and let not my sworn enemies sit as my
accusers and judges, yea, let me receive as open trial, for my truth shall fear
no open shame (…).
If
ever I have found in your sight, if ever the name of Anne Boleyn hath been
pleasing in your hears, then let me obtain this request (…) From my doleful
prison in the Tower, this sixth of May. Your most loyal and ever faithful wife
Anne Boleyn”.
Traduzindo:
“Senhor,
o desagrado de vossa Graça e a minha prisão são coisas tão estranhas para mim,
como a minha total ignorância quanto ao que vos devo escrever ou pelo qual
pedir desculpa. Que vossa Boa graça, lance para sempre uma mancha tão suja na
sua esposa mais obediente, e na princesa infinita, vossa filha [Isabel I] (…)
bom Rei, deixe-me ter um julgamento justo, e não deixe os meus inimigos mortais
actuarem como meus acusadores e juízes, sim, deixe-me receber um julgamento
aberto, pois a minha verdade não teme nenhuma vergonha pública (…). Se alguma
vez agradei à vossa vista, se alguma vez o nome de Ana Bolena foi agradável
para os vossos ouvidos, concedei-me este pedido (…) Da minha dolorosa prisão na
Torre, neste dia seis de Maio. A vossa esposa mais leal e sempre fiel. Ana
Bolena”.
O pedido não foi atendido. O maior amor
do rei tinha-se transformado em ódio, e ele empenhar-se-ia em apagar a memória
de Anne Boleyn, destruindo inclusive o retrato que Holbein fizera dela. A filha
de ambos, anos mais tarde, evocaria com frequência a mãe, usaria a sua
iconografia e joias e traria de regresso à corte os parentes maternos dela
afastados.
HISTÓRIA CULTURA REINO UNIDO EUROPA MUNDO
COMENTÁRIOS:
Ahmed Gany: Fica a dúvida
se Ana Bolena traiu Henrique VIII. Ala Triste: Na última série ou filme sobre Ann Boleyn esta é
interpretada por uma actriz negra e transformaram-na numa feminista antes do
seu tempo. Só lixo!
bento guerra: Entende-se
melhor com a ópera "Anna Bolena" de Donizetti e sobremaneira, sente-se
com a sua mais recente intérprete, a russa Anna Netrebko João Floriano > bento guerra: Tanto Ana Bolena como Maria Stuart são as figuras mais
trágicas da História Inglesa: ambas completamente impotentes para mudar o seu
destino numa época em que respirar só por si poderia ser considerado motivo de
traição. Ala Triste > João Floriano:
Esqueceu-se de Catherine Howard a 5ª
mulher de Henrique VIII que também perdeu a cabeça. Vale menos que as outras? João Floriano > Ala Triste: Historicamente, penso que sim. Ana Bolena está
associada com o começo da Igreja Anglicana e com toda uma série de intrigas
entre Henrique VIII e Carlos V que eu penso ser sobrinho de Catarina de Aragão
(se estiver em erro peço desculpa). Maria Stuart foi uma rainha muito infeliz,
acabou por pedir protecção à prima Isabel I, foi sempre considerada uma ameaça.
Relutantemente Isabel I confirmou a sua execução. Ala Triste > João Floriano: Mary Stuart fazia frente a sua prima, Isabel I, pois
havia muita gente que a considerava com mais direito ao trono do que Isabel
pois esta era considerada bastarda por muitos devido a ser filha do segundo
casamento de Henrique VIII quando este ainda era casado com Catarina de Aragão.
Sabe quem herdou o trono depois da morte sem descendência de Isabel I? O
único filho de Mary Stuart que passou a ser Jaime I
de Inglaterra. Irónico, não?
João Floriano: Muito
interessante para quem gosta de História como eu. Curiosamente os três
filhos de Henrique VIII foram coroados reis: Eduardo VI morreu muito
jovem, Maria, a Sangrenta, filha de Catarina de Aragão e finalmente a
grande e misteriosa Isabel I, que à semelhança da mãe Ana Bolena foi
determinante no nascimento de uma nova Inglaterra voltada para o Atlântico.
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