quarta-feira, 11 de maio de 2022

Mas são tantos

 

… os que fazem guerra à Ética que os tais princípios deixam de ter qualquer consistência, a Justiça cada vez mais entaramelada, num mundo a resvalar, a deixar-se incendiar, a deixar-se dominar, o medo a impor-se, medo de um louco a chacinar sem qualquer tipo de moral, nem de ética, apenas a sua, de se julgar poderoso, a lei do mais forte a impor-se com cínico aparato, idêntico ao do desprezível Kim Jong Un, como esse, a rebolar-se de gozo, pior do que esse, por ser mais forte, e poder contemplar a destruição que causa, sempre de expressão figée, de gozo íntimo que os seus vassalos aceitam, como se fossem vassalos de um qualquer primitivo Mobutu.

Bem faz o Dr. Salles em sugerir o seu “Código de Ética da Guerra”, mas entretanto os Ucranianos é que suportam essa falta de ética e Zelensky vai perdendo alento, em cansaço visível, para incitar os seus, que servem de anteparo inicial, outros se seguirão…

DA ÉTICA DA GUERRA

Henrique Salles da Fonseca

09.05.22

Por definição, a Moral é a questão dos princípios enquanto a Ética é a questão dos factos.

Assim, a propósito da guerra em curso na Ucrânia, o tema de agora é o da sua fundamentação moral e da ética dos seus procedimentos.

O resumo dos textos anteriores e respectivos comentários aponta no sentido de que os fundamentos morais (históricos) que a Rússia pudesse invocar antes da invasão da Ucrânia, ruíram fragorosamente perante os procedimentos adoptados no ataque. E eis como, ao contrário da sequência lógica, aqui temos as consequências a condicionar as causas. Até nesta perspectiva, esta guerra é absurda.

Portanto, relegada a moralidade para entretenimento dos historiadores, resta a ética como preocupação dos juízes, nós.

Os banhos de sangue que vimos testemunhando quase em directo, diferem radicalmente de todos os outros – praticamente iguais – de que soubemos à distância de séculos ou de uma longa fila de intérpretes precisamente devido ao distanciamento ou da nossa proximidade. E é esta proximidade que, quase em causa própria, nos leva a «afinar» os critérios éticos da guerra.

Por estas razões e muitas outras que me escapam, creio que será oportuno pedir à ONU que elabore um (novo?) «Código da Ética da Guerra».

E, para não avançar por matérias que não domino, fico-me por aqui com a esperança de que surjam ideias complementares ou alternativas às vulgaridades e redundâncias que eu pudesse aduzir tais como:

Num cenário global de paz, consideram-se fixadas as fronteiras políticas internacionalmente reconhecidas no primeiro dia do século XXI, 1 de Janeiro de 2000;

A destabilização do cenário anterior penalizará o país agressor;

A vitimização de populações civis constitui crime;

(…)

Tudo isto se - e só se - o autocrata (eufemismo de ditador) russo não decidir comemorar esta data carregando no botão vermelho.

Alea jacta est.

Lisboa, 9 de Maio de 2022

Henrique Salles da Fonseca

Tags: filosofia

COMENTÁRIOS:

Francisco G. de Amorim 10.05.2022 13:21: Meu amigo: como é fácil pensarmos que, algum dia, os homens serão menos assassinos!

Anónimo 10.05.2022 13:53: Tens toda razão, Henrique. Eu próprio, quando um amigo me telefonou no dia 24 ou 25 de fevereiro sobre a invasão, disse-lhe que a Rússia, com aquele acto, tinha perdido as razões que possuía, e tinha algumas (conforme explicitei no meu comentário ao teu primeiro post sobre a Ucrânia, datado de 1 de fevereiro). O tema que suscitas – Ética DA Guerra – é muito interessante. Nos primeiros anos deste século (estávamos a viver a invasão do Iraque, pelo Bush filho, e respetivas consequências), comprei dois livros do filósofo Michael Walzer, professor do Instituto de Estudos Avançados, de Princeton (“Guerras Justas e Injustas” e “Reflexiones sobre la Guerra”). Vou basear-me também neles, para escrever algumas linhas, a título de comentário. O estudo da ética DA guerra acaba por implicar a avaliação da natureza da guerra, isto é, se é justa ou injusta. Hannah Arendt, no seu livro “Sobre a Revolução”, menciona (pág. 15) que Tito Lívio afirmou que “a guerra que é necessária é justa” e “sagradas são as armas quando só nelas há esperança”, mas o filósofo e historiador não distinguia entre guerra de agressão ou de defesa, o que fazemos hoje, e classificamos como injustas, designadamente, as de agressão, as de conquista, as que violem o direito de um Estado de gozar de soberania política e de integridade territorial, as que visam ampliar esferas de influência, ou de criar Estados satélites, ou as com fins de expansão económica. Mas independentemente ser justa ou não, requisito fundamental para qualquer exército é minimizar o dano material e humano a civis, a isto se chama o princípio da “justiça na guerra”, isto é, o tipo de conduta moralmente aceitável durante a guerra. Para além de se assegurar a imunidade dos não combatentes (civis), há que respeitar a chamada regra da proporcionalidade entre benefícios e custos na planificação de ataques específicos, como também – e essa é a terceira regra – a proibição de usar armas e métodos de guerra que sejam inaceitáveis para a consciência moral da humanidade, como as violações sistemáticas de mulheres, morte ou maus tratos de prisioneiros, não cuidar dos soldados prisioneiros feridos, utilizar armas nucleares ou de destruição massiva ou químicas, bem como atacar centrais nucleares, entre outras. A violência carente de objetivo ou de sentido deve ser excluída. Resulta daqui que pode haver guerras injustas que respeitem as regras mencionadas e guerras justas que decorram injustamente. Com efeito, a ética NA guerra e a ética DA guerra são independentes. Como sabemos, Convenções de Genebra (quatro) e de Haia definem os direitos e deveres em tempo de guerra (ética NA guerra). Subscrevo, como não podia deixar de ser, a tua sugestão sobre a elaboração do “código de ética DA guerra”. Já quanto à sugestão de data (1/1/2000) constante do n.º 1, é capaz de gerar conflitos internacionais… estou a lembrar-me, por exemplo, do Kosovo, “criado”, como Estado independente, depois dessa data, em 2008. A esse Código, para além do que dizes, juntava o que escrevi sobre a ética DA guerra e mais os seguintes princípios: a agressão justifica a guerra de autodefesa, podendo o país agredido ter apoio de qualquer outro ou da ONU para fazer cumprir a lei; nada, excepto a defesa à agressão, pode justificar a guerra; o Estado agressor pode ser castigado. Mais uma vez, e não é nem a segunda nem a terceira vez, o teu post vai levar-me a reler livros. Desta vez, os dois mencionados. Espero que a guerra na Ucrânia termine antes de eu acabar de os ler. Que os diversos intervenientes o permitam! Um forte abraço. Carlos Traguelho

Adriano Miranda Lima 12.05.2022: Sr. Dr. Salles da Fonseca, com este seu texto, breve em tamanho mas rico de conteúdo, como aliás quase tudo o que publica, proporcionou-me momento de boa leitura e de renovada reflexão sobre o fenómeno da guerra. Tendo chegado à idade que tenho, não poucas vezes venho-me perguntando sobre a razão por que escolhi a profissão militar, já que o fiz em tempo de guerra (1963) e sou um ser naturalmente vocacionado para a paz e a harmonia entre os seres, a ponto de até me sentir incapaz de tirar a vida a um animal. Na altura ainda não tinha maturidade intelectual e psicológica para reflectir sobre a justeza da minha opção, ela mais justificada pela necessidade de escolher um modo de vida, embora sentisse uma inclinação natural para a vida militar no que ela tem de positivo e aliciante: organização, ordem, disciplina, vivência comunitária, camaradagem e culto de valores simbólicos. O certo é que hoje condeno severamente a guerra, e para mim nenhuma é justa, opinião e sentimento partilhados pela maior parte dos meus colegas que andaram na chamada guerra do ultramar ou colonial, conforme a conotação política. Nessa guerra, de que saí incólume na minha integridade física e, vamos lá, psicológica, congratulo-me hoje com a satisfação de nunca ter matado ninguém, à excepção das ocasiões em que eu e os meus homens tivemos de ripostar ao fogo inimigo, mas sem chegarmos a saber dos seus efeitos reais sobre o lado contrário. Aliás, hoje, muitas vezes penso que se tratou de uma guerra (de baixa intensidade) em que não havia nem de um lado nem do outro um verdadeiro empolgamento emocional para matar e destruir o outro. Vá-se lá agora encontrar o critério certo para a qualificar como justa ou injusta, até porque ambos os contendores hoje se irmanam num propósito de renovar e fortalecer laços que a história forjou e me parecem inquebrantáveis. Indo agora mais concretamente ao seu texto, apreciei a forma sintética como definiu a Moral (“a questão dos princípios”) e a Ética (“a questão dos factos”). E aqui, se me permite, surge-me uma dúvida de ordem conceitual, embora não me considere com conhecimentos para ir muito longe. Não sei se a Rússia pode invocar fundamentos “morais (históricos)” ou fundamentos “éticos (dos procedimentos)”. A questão é saber se a história das nações se rege por uma linha de moralidade ou de ética. Estaria mais inclinado a supor que a história, como aglomerado de acontecimentos que se vão sucedendo, não se subordina necessariamente a uma ordem moral mas a factos (procedimentos) que o homem cria ou propicia em função dos seus interesses vitais, de sobrevivência, ou de domínio sobre o vizinho. O conceito de Moral é complexo e variável com as culturas, as idiossincrasias e as religiões. Se se quiser defini-lo num plano abstracto, olhando para a civilização humana, ter-se-á de olhar para a história e dela extrair os princípios que nortearam os comportamentos humanos e sociais de excelência e que por isso merecem ser elencados para o universalismo. Não sei como encontrar um vislumbre de Moral na história da Rússia, quer recuando ao tempo czarista que deixou as populações rurais mergulhadas no negrume medieval que havia já sido dissipado, mais ou menos, no resto da Europa, ou à revolução bolchevique que é a página mais sombria e mais trágica da história da humanidade. O legado que o Putin encontrou e quer reconstituir na sua inteireza imperialista é uma amálgama confusa e tenebrosa e é por isso que temos todas as razões para condenar sem apelo nem agravo a invasão da Ucrânia. Completamente injusta é a decisão de Putin e o que acalenta a sua mente sombria não nos pode tranquilizar. Agora, se nos quisermos ater a uma terminologia classificativa, não pode deixar de ser considerada justa, ou razoável, a luta dos ucranianos pelo seu direito à escolha das suas opções de alinhamento geopolítico e à defesa da sua soberania e da integridade do seu território.

(Continua)

Adriano Miranda Lima 12.05.2022 16:54 (Continuação): Tenho-me perguntado, e penso que já o fiz neste blogue, se o Putin é o que é por ser um produto natural da sociedade russa, ou se esta apenas tem sido vítima de líderes tiranos que a história lhe coloca no seu percurso. Temo que a primeira explicação é que é verdadeira, e para isso bastará olhar para a história do país. Nenhum outro país do mundo tem o historial trágico da Rússia. Uma análise mais profunda, a ser feita por especialistas, e se calhar já teve lugar, poderia procurar saber se o problema tem a ver com a natureza ontológica do povo russo (eslavo) ou se é devido à multiplicidade étnica da população e à extensão gigantesca do país. Alguns autores são de opinião que um país com estas características só é governável com um poder autocrático, autoritário, ou ditatorial, incapaz de reger-se pela democracia liberal. Pergunto então se não terá sido por isso que a revolução marxista-leninista escolheu a Rússia para palco do seu ensaio. E é nesta mesma linha de pensamento que já é quase assente que a queda de Putin não será solução porque outro tirano o substituirá sem demora, podendo até ser de pior quilate humano. A Ângela Merkel disse há alguns anos uma grande verdade, ao afirmar que Putin é um governante do século XXI com mentalidade do século XIX. E mesmo assim uma mentalidade mais retrógrada do que outras que pontificaram em épocas remotas. Diria que Putin se assemelha a um ser maligno que emergiu das trevas e nos dá razões para temer o pior. Um exército que nesta era em que vivemos arrasa cidades como estratégia de guerra é algo que justifica a asserção anterior. Na guerra Franco-Prussiana de 1870, o invasor prussiano ocupou simbolicamente Paris e não destruiu a cidade, não matou civis ou violou mulheres. Em Paris, o general alemão Dietrich von Choltitz, que ocupou Paris, desobedeceu à ordem de Hitler, em 1944, para destruir a cidade. Hoje, um canal de televisão apresentou-nos imagens de um soldado russo a disparar contra as costas de dois ucranianos civis que se deslocavam, um deles com idade para ser avô do agressor e que não sobreviveu. Portanto, Sr. Dr. Salles da Fonseca, pode-se mudar o “Código da Ética da Guerra” que a barbárie continuará a ser praticada por seres estranhos que surgem das trevas de onde em onde. Vai daqui um abraço amigo. Adriano Lima

Henrique Salles da Fonseca 14.05.202206:53: Senhor Coronel Miranda Lima, Muito obrigado pelo seu douto comentário o qual dividi em três partes:

1. Sua opção pela vida militar;

2. Justiça da nossa Guerra no Ultramar;

3. Comentário ao meu texto sobre a Ética da Guerra.

Respondo às duas primeiras partes mas não à terceira assim cumprindo o meu propósito de, sobre os temas dos meus textos, dar sempre a última palavra ao Comentador.

Assim, relativamente à sua opção pela carreira militar, tenho a referir que o exercício da Autoridade do Estado não implica necessariamente a morte de ninguém e se esta ocorrer, será um desastre e nunca um propósito. A missão militar só deveria ser exercida por quem demonstrasse altas qualidades morais, éticas, de carácter e de autoridade natural. Estou obviamente a referir-me a si e aos seus Camaradas de igual estirpe. Sobre a justiça da nossa guerra no Ultramar, tenho muitos argumentos a favor mas reconheço que essa será uma discussão interminável que não conduzirá a qualquer conclusão inequívoca. Aos militares cumpria «segurar» uma posição enquanto os políticos negociassem. Assim não foi, não vamos re-escrever a História e eu não tenho competência para escrever a «Enciclopédia da Justiça da Nossa Causa». Continuemos… Abraço retribuído, Henrique Salles

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