… os que fazem guerra à Ética que os tais princípios deixam de ter
qualquer consistência, a Justiça cada vez mais entaramelada, num mundo a
resvalar, a deixar-se incendiar, a deixar-se dominar, o medo a impor-se, medo
de um louco a chacinar sem qualquer tipo de moral, nem de ética, apenas a sua,
de se julgar poderoso, a lei do mais forte a impor-se com cínico aparato, idêntico
ao do desprezível Kim Jong Un, como esse, a rebolar-se de gozo, pior do que
esse, por ser mais forte, e poder contemplar a destruição que causa, sempre de
expressão figée, de gozo íntimo que os seus vassalos aceitam, como se fossem
vassalos de um qualquer primitivo Mobutu.
Bem faz o Dr. Salles em sugerir o seu “Código
de Ética da Guerra”, mas entretanto os Ucranianos é que suportam
essa falta de ética e Zelensky vai perdendo alento, em cansaço visível, para
incitar os seus, que servem de anteparo inicial, outros se seguirão…
Henrique
Salles da Fonseca
09.05.22
Por definição, a Moral é a questão dos princípios enquanto a Ética é a
questão dos factos.
Assim,
a propósito da guerra em curso na Ucrânia, o tema de agora é o da
sua fundamentação moral e da ética dos seus procedimentos.
O
resumo dos textos anteriores e respectivos comentários aponta no sentido de que
os fundamentos morais (históricos) que a Rússia pudesse invocar
antes da invasão da Ucrânia, ruíram fragorosamente perante os procedimentos
adoptados no ataque. E eis como,
ao contrário da sequência lógica, aqui temos as consequências a
condicionar as causas. Até nesta
perspectiva, esta guerra é absurda.
Portanto,
relegada a moralidade para entretenimento dos historiadores, resta a ética como
preocupação dos juízes, nós.
Os banhos de sangue que vimos
testemunhando quase em directo, diferem radicalmente de todos os outros –
praticamente iguais – de que soubemos à distância de séculos ou de uma longa
fila de intérpretes precisamente devido ao distanciamento ou da nossa
proximidade. E
é esta proximidade que, quase em causa própria, nos leva a «afinar» os
critérios éticos da guerra.
Por
estas razões e muitas outras que me escapam, creio que será oportuno pedir à
ONU que elabore um (novo?) «Código da Ética da Guerra».
E,
para não avançar por matérias que não domino, fico-me por aqui com a esperança
de que surjam ideias complementares ou alternativas às vulgaridades e redundâncias
que eu pudesse aduzir tais como:
Num
cenário global de paz, consideram-se fixadas as fronteiras políticas
internacionalmente reconhecidas no primeiro dia do século XXI, 1 de Janeiro de
2000;
A
destabilização do cenário anterior penalizará o país agressor;
A
vitimização de populações civis constitui crime;
(…)
Tudo
isto se - e só se - o autocrata (eufemismo de ditador) russo não decidir
comemorar esta data carregando no botão vermelho.
Alea
jacta est.
Lisboa,
9 de Maio de 2022
Henrique
Salles da Fonseca
Tags:
filosofia
COMENTÁRIOS:
Francisco G. de
Amorim 10.05.2022 13:21: Meu amigo:
como é fácil pensarmos que, algum dia, os homens serão menos assassinos!
Anónimo 10.05.2022 13:53: Tens
toda razão, Henrique. Eu próprio, quando um amigo me telefonou no dia 24 ou 25
de fevereiro sobre a invasão, disse-lhe que a Rússia, com aquele acto, tinha
perdido as razões que possuía, e tinha algumas (conforme explicitei no meu
comentário ao teu primeiro post sobre a Ucrânia, datado de 1 de fevereiro). O
tema que suscitas – Ética DA Guerra –
é muito interessante. Nos primeiros anos deste século (estávamos a viver a
invasão do Iraque, pelo Bush filho, e respetivas consequências), comprei dois
livros do filósofo Michael Walzer,
professor do Instituto de Estudos Avançados, de Princeton (“Guerras
Justas e Injustas” e “Reflexiones
sobre la Guerra”). Vou
basear-me também neles, para escrever algumas linhas, a título de comentário. O
estudo da ética DA guerra acaba por implicar a avaliação da natureza da guerra,
isto é, se é justa ou injusta. Hannah Arendt, no seu livro “Sobre a Revolução”, menciona (pág. 15) que Tito Lívio afirmou que “a guerra que é necessária é
justa” e “sagradas são as armas
quando só nelas há esperança”, mas o
filósofo e historiador não distinguia entre guerra de agressão ou de defesa, o
que fazemos hoje, e classificamos como injustas, designadamente, as de
agressão, as de conquista, as que violem o direito de um Estado de gozar de
soberania política e de integridade territorial, as que visam ampliar esferas de
influência, ou de criar Estados satélites, ou as com fins de expansão
económica. Mas independentemente
ser justa ou não, requisito fundamental para qualquer exército é minimizar o
dano material e humano a civis, a isto se chama o princípio da “justiça na
guerra”, isto é, o tipo de conduta moralmente aceitável durante a
guerra. Para além de se assegurar
a imunidade dos não combatentes (civis), há que respeitar a chamada regra da
proporcionalidade entre benefícios e custos na planificação de ataques
específicos, como também – e essa é a terceira regra – a proibição de usar
armas e métodos de guerra que sejam inaceitáveis para a consciência moral da
humanidade, como as violações sistemáticas de mulheres, morte ou maus tratos de
prisioneiros, não cuidar dos soldados prisioneiros feridos, utilizar armas
nucleares ou de destruição massiva ou químicas, bem como atacar centrais
nucleares, entre outras. A violência carente de objetivo ou de sentido deve ser
excluída. Resulta daqui
que pode haver guerras injustas que respeitem as regras mencionadas e
guerras justas que decorram injustamente.
Com efeito, a ética NA guerra e a ética DA guerra são
independentes. Como sabemos,
Convenções de Genebra (quatro) e de Haia definem os
direitos e deveres em tempo de guerra (ética NA guerra). Subscrevo, como não podia deixar de ser, a tua
sugestão sobre a elaboração do “código de ética DA guerra”.
Já quanto à sugestão de data (1/1/2000) constante do n.º 1, é capaz de gerar
conflitos internacionais… estou a lembrar-me, por exemplo, do Kosovo,
“criado”, como Estado independente, depois dessa data, em 2008. A esse Código,
para além do que dizes, juntava o que escrevi sobre a ética DA guerra e mais os
seguintes princípios: a agressão justifica a guerra de
autodefesa, podendo o país agredido ter apoio de qualquer outro ou da ONU para
fazer cumprir a lei; nada, excepto a defesa à agressão, pode justificar a
guerra; o Estado agressor pode ser castigado. Mais
uma vez, e não é nem a segunda nem a terceira vez, o teu post vai levar-me a
reler livros. Desta vez, os dois mencionados. Espero que a guerra na Ucrânia
termine antes de eu acabar de os ler. Que os diversos intervenientes o
permitam! Um forte abraço. Carlos Traguelho
Adriano Miranda Lima 12.05.2022: Sr. Dr. Salles da Fonseca, com este seu texto, breve
em tamanho mas rico de conteúdo, como aliás quase tudo o que publica,
proporcionou-me momento de boa leitura e de renovada reflexão sobre o fenómeno
da guerra. Tendo chegado à idade que tenho, não poucas vezes venho-me
perguntando sobre a razão por que escolhi a profissão militar, já que o fiz em
tempo de guerra (1963) e sou um ser naturalmente vocacionado para a paz e a
harmonia entre os seres, a ponto de até me sentir incapaz de tirar a vida a um
animal. Na altura ainda não tinha maturidade intelectual e psicológica para
reflectir sobre a justeza da minha opção, ela mais justificada pela necessidade
de escolher um modo de vida, embora sentisse uma inclinação natural para a vida
militar no que ela tem de positivo e aliciante: organização, ordem,
disciplina, vivência comunitária, camaradagem e culto de valores simbólicos.
O certo é que hoje condeno severamente a guerra, e para mim nenhuma é justa,
opinião e sentimento partilhados pela maior parte dos meus colegas que andaram
na chamada guerra do ultramar ou colonial, conforme a conotação política.
Nessa guerra, de que saí incólume na minha integridade física e, vamos lá,
psicológica, congratulo-me hoje com a satisfação de nunca ter matado ninguém, à
excepção das ocasiões em que eu e os meus homens tivemos de ripostar ao fogo
inimigo, mas sem chegarmos a saber dos seus efeitos reais sobre o lado
contrário. Aliás, hoje, muitas vezes penso que se tratou de uma guerra (de
baixa intensidade) em que não havia nem de um lado nem do outro um verdadeiro
empolgamento emocional para matar e destruir o outro. Vá-se lá agora encontrar
o critério certo para a qualificar como justa ou injusta, até porque ambos os
contendores hoje se irmanam num propósito de renovar e fortalecer laços que a
história forjou e me parecem inquebrantáveis. Indo agora mais concretamente ao
seu texto, apreciei a forma sintética como definiu a Moral (“a questão dos
princípios”) e a Ética (“a questão dos factos”). E aqui, se me permite, surge-me
uma dúvida de ordem conceitual, embora não me considere com conhecimentos para
ir muito longe. Não sei se a Rússia pode invocar fundamentos “morais
(históricos)” ou fundamentos “éticos (dos procedimentos)”. A questão é saber se a história das nações se rege por uma linha de
moralidade ou de ética. Estaria mais inclinado a supor que a história, como
aglomerado de acontecimentos que se vão sucedendo, não se subordina
necessariamente a uma ordem moral mas a factos (procedimentos) que o homem cria
ou propicia em função dos seus interesses vitais, de sobrevivência, ou de
domínio sobre o vizinho. O
conceito de Moral é complexo e variável com as culturas, as idiossincrasias e
as religiões. Se se quiser defini-lo
num plano abstracto, olhando para a civilização humana, ter-se-á de olhar
para a história e dela extrair os princípios que nortearam os comportamentos
humanos e sociais de excelência e que por isso merecem ser elencados para o
universalismo. Não sei como encontrar um vislumbre de Moral na
história da Rússia, quer recuando ao tempo
czarista que deixou as populações rurais mergulhadas no negrume medieval
que havia já sido dissipado, mais ou menos, no resto da Europa, ou à revolução bolchevique que é a página
mais sombria e mais trágica da história da humanidade. O legado que o Putin encontrou e quer reconstituir na sua
inteireza imperialista é uma amálgama confusa e tenebrosa e é por isso que
temos todas as razões para condenar sem apelo nem agravo a invasão da Ucrânia.
Completamente injusta é a decisão de Putin e o que acalenta a sua mente sombria
não nos pode tranquilizar. Agora,
se nos quisermos ater a uma terminologia classificativa, não pode deixar de ser
considerada justa, ou razoável, a
luta dos ucranianos pelo seu
direito à escolha das suas opções de alinhamento geopolítico e à defesa da sua
soberania e da integridade do seu território.
(Continua)
Adriano Miranda Lima 12.05.2022 16:54 (Continuação):
Tenho-me perguntado, e penso que já o fiz neste blogue, se o
Putin é o que é por ser um produto natural da sociedade russa, ou se esta
apenas tem sido vítima de líderes tiranos que a história lhe coloca no seu
percurso. Temo que a
primeira explicação é que é verdadeira, e para isso bastará olhar para a
história do país. Nenhum outro país do mundo tem o historial
trágico da Rússia. Uma análise
mais profunda, a ser feita por especialistas, e se calhar já teve lugar,
poderia procurar saber se o problema tem a ver com a natureza
ontológica do povo russo (eslavo) ou se é devido à multiplicidade étnica da
população e à extensão gigantesca do país.
Alguns autores são de opinião que um país com estas características
só é governável com um poder autocrático, autoritário, ou ditatorial, incapaz
de reger-se pela democracia liberal.
Pergunto então se não terá sido por isso que a
revolução marxista-leninista escolheu a Rússia para palco do seu ensaio. E é nesta mesma linha de pensamento que já é quase
assente que a queda de Putin não será solução porque outro tirano
o substituirá sem demora, podendo até ser de pior quilate humano. A Ângela Merkel
disse há alguns anos uma grande verdade, ao afirmar que Putin é
um governante do século XXI com mentalidade do século XIX. E mesmo assim uma mentalidade mais
retrógrada do que outras que pontificaram em épocas remotas. Diria que Putin se assemelha a um ser
maligno que emergiu das trevas e nos dá razões para temer o pior. Um exército que nesta era em que
vivemos arrasa cidades como estratégia de guerra é algo que justifica a
asserção anterior. Na guerra
Franco-Prussiana de 1870, o invasor
prussiano ocupou simbolicamente Paris e não destruiu a cidade, não matou civis
ou violou mulheres. Em Paris,
o general alemão Dietrich von Choltitz, que ocupou Paris, desobedeceu à ordem
de Hitler, em 1944, para destruir a cidade. Hoje, um canal de televisão
apresentou-nos imagens de um soldado russo a disparar contra as costas de dois
ucranianos civis que se deslocavam, um deles com idade para ser avô do agressor
e que não sobreviveu. Portanto, Sr. Dr. Salles da Fonseca,
pode-se mudar o “Código da Ética da Guerra” que a barbárie continuará a ser
praticada por seres estranhos que surgem das trevas de onde em onde. Vai daqui um abraço amigo. Adriano Lima
Henrique Salles da Fonseca 14.05.202206:53: Senhor Coronel Miranda Lima, Muito obrigado pelo
seu douto comentário o qual dividi em três partes:
1. Sua opção pela vida militar;
2. Justiça da nossa Guerra no Ultramar;
3. Comentário ao meu texto sobre a Ética da Guerra.
Respondo às duas primeiras partes mas não à terceira assim
cumprindo o meu propósito de, sobre os temas dos meus textos, dar sempre a
última palavra ao Comentador.
Assim, relativamente à sua opção pela carreira militar, tenho
a referir que o exercício da Autoridade do Estado não implica necessariamente a
morte de ninguém e se esta ocorrer, será um desastre e nunca um propósito. A missão militar só deveria ser
exercida por quem demonstrasse altas qualidades morais, éticas, de carácter e
de autoridade natural. Estou obviamente a referir-me a si e aos seus Camaradas
de igual estirpe. Sobre a justiça da nossa guerra no Ultramar, tenho
muitos argumentos a favor mas reconheço que essa será uma discussão
interminável que não conduzirá a qualquer conclusão inequívoca. Aos
militares cumpria «segurar» uma posição enquanto os políticos negociassem.
Assim não foi, não vamos re-escrever a História e eu não tenho competência para
escrever a «Enciclopédia da Justiça da Nossa Causa». Continuemos… Abraço
retribuído, Henrique Salles
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