quinta-feira, 5 de maio de 2022

Ficamos, é claro, muito felizes


Não obstante a perda do pai, desaparecida a mãe praticamente ao nascer, tantos traumas já, numa pequena vida. É claro que todos ficamos felizes, com este caso de uma menina que assim poderá ficar grata ao presidente russo, que dela se serviu para propaganda pessoal. Mas não esquecemos os outros - meninos e velhos e de todas as idades, de destinos incertos, de sofrimentos absurdamente impostos com tal malvadez, que a tantos trucidou. Será que os Russos aceitam tão facilmente tais desgraças que não são só alheias, mas que incidem sobre os seus próprios naturais, a quem se deu ordem de matar e ocasionalmente de morrer?

Um caso feliz, que a menina de doze anos lembrará para sempre com terror.

 

Menina de 12 anos que ficou órfã em Mariupol e foi levada por russos reencontra-se com o avô

Kira Obedinsky ficou órfã após a morte do pai num ataque ao prédio onde se refugiava. Foi levada pelas forças russas e acabou em Donetsk, onde foi 'usada' pela propaganda russa. Já reencontrou o avô.

BEATRIZ FERREIRA: Texto

OBSERVADOR, 04 mai 2022

Reencontro entre Kira e o avô foi possível devido a um acordo entre a Ucrânia e a Rússia

Uma menina de 12 anos, que perdeu o pai num ataque em Mariupol já está junto do avô. Alexsandr Obedinsky reencontrou-se com a neta na região separatista de Donetsk, para onde Kira foi levada pelos russos depois da morte do pai.

Kira Obedinsky teve alta do hospital pediátrico de Kiev esta terça-feira e vai ficar a viver com o avô. Antes de sair, na semana passada, recebeu a visita do Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que lhe ofereceu um iPad. “Ela não conseguia acreditar que aquilo lhe estava a acontecer. Todos nós precisamos de emoções positivas agora, a Kira também”, disse o avô, Alexsandr Obedinsky, de 67 anos, citado pelo The Guardian.

A história de Kira deu muitas voltas até ali chegar. Nos primeiros dias da guerra, refugiou-se numa cave de vizinhos, em Mariupol, com o pai, a madrasta (Anya) e os filhos desta. O edifício foi atingido num ataque: todos, incluindo Kira, foram retirados dos escombros por equipas de resgate, excepto o pai, que não sobreviveu. A menina, que já tinha perdido a mãe duas semanas depois de nascer, ficou órfã.

Anya decidiu retirar as crianças de Mariupol, mas quando tentavam sair da cidade sitiada, uma delas pisou uma mina. No caos que se gerou, Kira acabou nas mãos de soldados russos, que a levaram a sangrar dos estilhaços para o hospital regional de Donetsk, região controlada pelos separatistas.

Kira chegou mesmo a aparecer na televisão estatal russa para mostrar que os cidadãos ucranianos estariam a ser bem tratados e que ela própria não tinha sido raptada. Também gravou um vídeo para o avô, a mostrar que estava bem, mas Alexsandr não acreditou. À CNN Internacional, a menina contaria mais tarde que o hospital não tinha espaço suficiente para toda a gente, a comida era má, as enfermeiras “gritavam”.

Um áudio divulgado pela CNN Internacional e enviado a Alexsandr mostra Kira a dizer que quer chorar: “Não te vejo há tanto tempo”, diz. Alexsandr conta que um oficial de Donetsk o convidou a ir buscá-la, mas tal não foi possível por causa da guerra. O avô ligou para o hospital que o informou que Kira seria levada para um orfanato na Rússia. Alexsandr empenhou esforços para se reencontrar com a neta: “Bati em todas as portas, a da Cruz Vermelha, o nosso governo”, revela.

Esse reencontro, que aconteceu na semana passada, foi possível devido a um acordo entre a Ucrânia e a Rússia. A vice-primeira-ministra da Ucrânia, Iryna Vereshchuk, telefonou a Alexsandr a informá-lo de que seria possível “trazer a Kira de volta”. Para que isso acontecesse, o avô teria de ir para Donetsk. “Ela perguntou se estava disponível para o fazer, com garantias de segurança do Presidente Zelensky. Eu disse que estava pronto e levaram-me”.

Alexsandr chegou a Kiev a 17 de abril para discutir a logística da viagem que o levaria à neta. Começou por ir para a Polónia, de onde partiu para a Turquia e daí para Rostov, na Rússia, com destino a Donetsk. “Passámos lá a noite e de manhã levaram-me à Kira. Estava outra mulher comigo, que também lá foi para trazer o neto”, explica.

O momento em que voltou a pôr os olhos na neta foi emocionante, refere. Kira parecia-lhe saudável, com calças de ganga e uma camisola. Os dois voltaram juntos pela mesmo rota que Alexsandr seguiu para ir buscar a neta. A Kiev chegaram a 26 de abril e Kira foi logo internada no hospital pediátrico de Ohmatdyt, onde recebeu a visita de Zelensky.

Avô e neta ainda não conversaram sobre a morte do pai. “Ela não gosta de falar sobre isso” e Alexsandr diz que também não insiste, até porque a menina está a ser seguida por psicoterapeutas. “Está ok, tendo em conta aquilo por que passou”, sintetiza. Kira vai ficar a viver com o avô, em Chernivtsi, no sudoeste da Ucrânia.

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