sábado, 28 de maio de 2022

O ataque directo


No humor galhofeiro de hoje.

Revendo as peças de teatro que tanto me divertiram ou sensibilizaram ao longo da vida, de Molière a Ionesco, com Óscar Wilde, Pagnol, Anouilh, Sartre, entre tantos outros, sem esquecer os dramaturgos gregos e latinos da minha curiosidade inconstante - hoje mais circunscrita aos números revisteiros televisivos, a revisão de leituras (caseiras) substituta do parcimonioso acompanhamento no que toca aos novéis literatos, tantas vezes admiráveis, é certo – julgo que o humor hoje, pese embora a qualidade dos actores em cena, se circunscreve em parte, na questão dramática, ao gozo tantas vezes grosseiro das próprias personagens públicas, em jeitos de grosseira farsa as mais das vezes achincalhante, que tantas vezes me/nos repugna. Tal é o caso do tema tratado hoje por Alberto Gonçalves, como sempre brilhante e com quem concordo quando afirma que o “humor anda pelas ruas da amargura”, apesar de ele achar graça num tema – da transsexualidade - que a mim me desgosta, e é inútil indicar o motivo, comentadores mais capazes o fizeram, (eu limito-me ao motivo do respeito pelo “outro”, salvo em caso de uma actuação proveniente de deformação do carácter): “Curiosamente ou não, apesar das abébias não me lembro de o humor andar tanto pelas ruas da amargura. Excepções, cada vez mais excepcionais, à parte, a comédia actual é uma tristeza – e o paradoxo não é fortuito”. 

Ricky Gervais acha que as mulheres não têm pénis!

Fazer boa comédia nunca foi tão fácil, o guião já chega pronto. O movimento “woke” em geral e as “políticas identitárias” em particular são ridículos o suficiente para dispensar adornos.

ALBERTO GONÇALVES, Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 28 mai 2022, 00:1945

Estreou na Netflix o novo espectáculo de stand up de Ricky Gervais, “SuperNature”. A data? 24 de Maio. A hora? Cerca de 10 minutos antes de alguém recortar o pedaço em que ele goza com os transsexuais, publicá-lo nas “redes sociais” e a internet rebentar de raiva. O programa tem graça. O pedaço em questão também. Gervais aproveita um facto relativamente antigo, que recentemente virou interdito: ao contrário dos homens, as mulheres não têm pénis. A propósito das “novas mulheres”, as que “têm barba e pila”, uma amostra: “Agora as mais antiquadas dizem: ‘Ai, querem usar as nossas casas de banho’. Por que não poderiam usar as vossas casas de banho? ‘Porque são para mulheres’. Elas são mulheres – vejam os seus pronomes! Há alguma coisa nesta pessoa que não seja de senhora? ‘Bem, o pénis dele.’ DELA, seu preconceituoso! ‘E se ele me violar?’ Se ELA te violar!

Fazer boa comédia nunca foi tão fácil. Por dois grandes motivos. O primeiro é que o guião já chega pronto. O diálogo simulado acima é completamente plausível. Gervais não inventa nada. O movimento woke em geral e as “políticas identitárias” em particular são ridículos o suficiente para dispensar adornos. Há mesmo quem defenda que o sexo (ou o “género”, no jargão em voga) não depende dos órgãos reprodutivos mas da convicção individual. Notem que não digo que um sujeito não possa preferir ser mulher, ou sentir-se mulher, ou tentar parecer-se anatomicamente com uma mulher. Digo que isso não invalida um pormenor, pueril ainda há meia dúzia de anos: o sujeito continua a não ser uma mulher. E teimar no contrário é, além de um acto primitivo e uma negação cega dos conhecimentos científicos básicos, engraçado.

Um princípio similar leva a que, para lá do sexo oposto, seres humanos se “assumam” como animais, personagens de ficção ou objectos inanimados. Basta mudar o pronome, a farpela e os derradeiros vínculos à realidade. Desde que ninguém se “assuma” como membro de uma etnia diferente da biológica, a biologia que lixe: o fundamental é a criatura estar bem “consigo própria”. Eu, por exemplo, apenas estarei bem “comigo próprio” quando romper com as amarras da naturalidade e até da singularidade e me definir enquanto dezassete polacos. Lá para terça ou quarta-feira tenciono meter a papelada no registo civil (o pronome será “tamte”, “aqueles” em polaco).

O segundo grande motivo pelo qual a boa comédia nunca foi tão fácil é que hoje temos dois pretextos de galhofa. Achamos graça quando o comediante conta a piada e achamos graça quando a ira dos taradinhos do Twitter se ergue contra o comediante. Se nos alhearmos das componentes fascista e inquisitorial, a indignação woke é divertidíssima. No caso de Gervais, como de resto acontece com frequência, as dezenas de milhares de “posts” furiosos não o acusam de distorcer o evangelho “identitário” para efeitos de enxovalho, o que, repito, ele não faz nem precisa de fazer. A fúria dessa gente advém justamente do facto de o artista britânico se limitar a transcrever os “argumentos” em jogo. E se há coisa que os fanáticos não toleram é que as suas posições absurdas e totalitárias alimentem a paródia alheia.

Curiosamente ou não, apesar das abébias não me lembro de o humor andar tanto pelas ruas da amargura. Excepções, cada vez mais excepcionais, à parte, a comédia actual é uma tristeza – e o paradoxo não é fortuito. Há meses vi uma rábula do “Saturday Night Live” em que, eu fique ceguinho, se gozava com os cépticos das políticas a pretexto da Covid. De Lenny Bruce e George Carlin, que nestes tempos seriam perigosos “negacionistas” e “homofóbicos”, saltou-se, com umas escalas decentes pelo meio, para a defesa amestrada dos governos de esquerda e das tresloucadas “causas” da esquerda. Nos delírios woke não se toca, a menos que para pregar a “tolerância”, a “diversidade” e a “inclusão”. E se se tocar, arrisca-se o “cancelamento”, que é o eufemismo em vigor para difamação, perseguição e censura. Se forem ricos e influentes o bastante, alguns profissionais, como Gervais, Dave Chappelle e Bill Burr, insistem em resistir ao ódio. Outros, como Kevin Hart, cedem-lhe (ao que me constou). Um terceiro e selecto grupo, que inclui Louis C. K. ou Woody Allen, não escapou à fogueira. A vasta maioria, leia-se os que lutam por uma carreira, não tem hipótese. Em “SuperNature”, Gervais fala dos novatos que, nos clubes de “stand up”, assinam termos de responsabilidade em que se comprometem a não ofender “minorias”.

Eis o ponto: as “minorias”, ou essencialmente os “activistas” que ganham a vida à custa delas, não admitem ser ofendidas (embora admitam ofender). Dado que o humor implica com frequência a ofensa, os “activistas” não admitem o humor. Aliás, esqueçam as minudências, que o verdadeiro ponto é o seguinte: o movimento woke integra-se numa vasta ofensiva contra a liberdade, e a favor da instauração de um mundo minado e sombrio, que reduz os sujeitos a sombras ordeiras e as relações à chantagem implícita. Idealmente, não seríamos pessoas, e sim – aqui não há acasos – máscaras. É por isso que a comédia, a autêntica e subversiva (passe a redundância), é um dos obstáculos e um dos alvos. É por isso que é fundamental a sobrevivência do riso, um estremecimento que nos ajuda a manter livres e humanos. É por isso que essa é a resposta adequada à “ideologia de género” e peçonhas similares: rir, que só não é o melhor remédio porque o fanatismo não tem cura.

POLITICAMENTE CORRECTO  SOCIEDADE  COMÉDIA  ARTE  CULTURA  IDENTIDADE DE GÉNERO

COMENTÁRIOS:

Luís Abrantes: Muito bom como sempre… Claro que a cambada comuno bloquista ditatorial do caviar já desatou a chiar…        jota santos: parece-me que a igualdade de deveres e direitos dos cidadãos está devidamente consagrada na nossa constituição. Artigo 13.ºPrincípio da igualdade1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. portanto, estamos perante uma discussão supérflua e de pessoas que não pretendem cumprir com o princípio essencial para a vida em sociedade, o respeito mútuo.       advoga diabo: Quem viu After Life percebe que a arte de Gervais, genuíno conservador, está também em armadilhar e expor quem, como AG, confunde as coisas, vivendo de um reaccionarismo amargo estruturalmente destrutivo.            f Teixeira: E está tudo dito! Este texto, sobretudo os últimos dois parágrafos, deviam ser de leitura livre. O Observador faria serviço público.  Diogo Araújo Dantas: Claramente, esse Gervais é um neonazi. Todos estes delírios baseiam-se na ideia (bastante troglodita aliás) de que um homem ou uma mulher têm de ter, em todo e qualquer momento, comportamentos e sentimentos que se caracterizam como “masculinos” ou “femininos” respectivamente... Daí, na cabeça desta gente, por exemplo, se um rapaz de 9 anos não gosta de jogar futebol talvez seja necessário avaliar se ele é mesmo um rapaz... ou se uma rapariga gosta de xadrez provavelmente há ali um rapaz escondido...e acham bem incentivar essas mesmas crianças a fazer essa “auto-descoberta”...claro, algumas delas convencem-se dos delírios que lhes foram incutidos...               Paulo Cardoso; Considero esta crónica de A.G., uma das melhores, que já escreveu.           Paulo Silva: Caro AG, o humor é a forma mais inteligente de desmanchar dogmatismos e conveniências. Por isso é tão subversivo aos olhos de inquisidores e autoritários. Da “luta de classes” à “política de identidades”, (que mais parece guerra), o marxismo cultural refundou o projecto revolucionário de esquerda, (pleonasmo). O proletariado aburguesou-se e foi acusado de conservadorismo pela nova-esquerda. Os novos oprimidos aí estão eles como rendição da soldadesca de assalto ao poder: a mulher, o ‘bom selvagem’, o queer... Mas lembrem-se das sábias palavras do radical Saul Alinsky the issue is never the issue; the issue is always the Revolution! Destruir os alicerces é sempre o objectivo.          Maria Tubucci: Bom dia. Nem mais, acha o RG e acha qualquer pessoa mentalmente sã. A tribo woke, negacionista da biologia humana, tem de ser ridicularizada com as suas próprias insanidades. Espero que esta ridicularização se acentue, e não, não é discurso do ódio, mas sim da realidade, já não há paciência para aturar tanto demente.       O Desejado > Maria Tubucci: Já repararam que é fundamentalmente um movimento anti mulheres? Há alguma mulher que se julga homem a ganhar todas a competições desportivas masculinas?  Hmm, não me parece.  Há alguma mulher presa que se diz homem a reclamar o direito de ser transferida para uma prisão masculina? Hmm, não vejo nenhuma. Há alguma mulher que se diz homem que tenha ganho o título de Homem do Ano? Não me parece. No fim quem sofre?  As mulheres como sempre!          João Floriano: Excelente! Os conhecimentos científicos pueris e básicos são a última barreira às questões identitárias: têm de ser cancelados e reescrever as leis do Universo. Se for necessário voltemos a acreditar que é o Sol que se move à volta da Terra. Até pode ser que Darwin e a selecção das espécies possam ser reaproveitados a uma nova luz woke. Afinal de contas sobrevive a espécie que melhor se adapta e para já os wokes estão muito bem adaptados, sobretudo na CS. Por cá o PS, que em 2015 tinha derrubado o muro entre o pensamento democrático e a esquerda marxista e trotskista com os resultados que todos nós conhecemos, abraça agora os wokes. Não tenho qualquer vontade de rir.         Lidia Santos: Na verdade atingimos o cúmulo do ridículo e do absurdo.          FME: Há qualquer coisa aqui que não bate certo. Tema interessante, mas artigo muito curto que termina de forma abrupta. Será que vamos ter parte II amanhã? Mas, o habitual sarcasmo da escrita também parece que está off. Diria que o artigo desta semana foi para encher chouriços ou estamos perante uma greve. Américo Silva: A mudança de sexo movimenta cerca de mil milhões de euros, em aumento progressivo, uma oportunidade de desenvolvimento para o país, unidades de transsexualização no interior desfavorecido do Minho ao Algarve, associadas ao turismo, onde o cliente entra mulher e sai homem, ou vice-versa, uma indústria de mão de obra intensiva, cozinheiros, psicólogos, hoteleiros, cirurgiões, enfermeiros, e muitos outros. Acopladas poderiam  implantar-se unidades de destranssexualização, um produto muito mais caro e elaborado, uma vez que cerca de 20% se vão arrepender, pena que alguns destes se suicidem antes de gastar o guito.         josé maria: Notem que não digo que um sujeito não possa preferir ser mulher, ou sentir-se mulher, ou tentar parecer-se anatomicamente com uma mulher. Digo que isso não invalida um pormenor, pueril ainda há meia dúzia de anos: o sujeito continua a não ser uma mulher. E teimar no contrário é, além de um acto primitivo e uma negação cega dos conhecimentos científicos básicos. O dr. Gonçalves tem uma aptidão insuperável para mostrar a sua crassa ignorância e não perde uma ocasião para demonstrar que não sabe a diferença científica fundamental entre sexo e género... Manuel Norberto Valente Sousa > josé maria: Ainda bem que existe o José Maria, um ser que até no nome exibe a sua dualidade de género, para explicar ao ignorante Gonçalves, e já agora a todos nós, essa crucial diferença! Bem haja! Ficamos a aguardar….impacientes, como é óbvio.        Paulo Silva > josé maria: O termo ‘mulher’ refere-se a sexo ou a género?... Quando o sr. josé maria lava a loiça, aspira o chão da sala, ou vai comprar umas hortaliças à mercearia do bairro para fazer uma sopa, é 'josé' ou é 'maria'?…       José Dias > josé maria: Pode insistir na diferença entre sexo e género  - sendo que chamar-lhe de "científica" já é esticar a corda ... - mas nem tal suposta distinção impede que um homem não seja uma mulher ou vice versa. Também há quem se julgue Napoleão não o sendo e tal justifica-se cientificamente pela diferenciação entre os sãos de cabeça e o doente ... o que não obsta a que este último continue a sentir-se Napoleão nem que os primeiros tenham de acreditar em tal mesmo que vejam o chapéu e a mão na barriga.          Luis Martins > josé maria: Por mais que os ideólogos woke e das esquerdas progressistas ultra-globalistas queiram, existem diferenças entre o homem e a mulher e não, não são iguais entre si tal como um leão não é igual a uma leoa mesmo que lhe cortem os tintins e lhe rapem a juba. Para mim este é o ponto ridículo de toda a verborreia wokista, querer impingir à força que não há diferença nenhuma entre o homem e a mulher e ainda se dão ao luxo de evocar a "igualdade" quando a "igualdade" nada tem que ver com isto. Lá porque há diferenças entre o ser biológico homem e mulher não quer dizer que não possa haver igualdade. A igualdade é o tratamento igual de ambos pela sociedade, é o acesso à mesma justiça, à mesma educação, às mesmas oportunidades, etc, etc e não a igualdade anatómica, fisiológica e biológica. Tudo o resto são lérias de ideólogos fanáticos sem noção do ridículo e da realidade.

 

Nenhum comentário: