Ou apenas para explicar? Por mim, julgo que não há desculpa possível
para tanta maldade desencadeada tão a sangue frio, e não apetece incriminar
o mundo inteiro, afirmando que “o diabo
vive em nós”, por conta de uma besta armada de um poder que não olha a
razões que não sejam as de uma absoluta mas estúpida consciência de um poder
que se supõe ilimitado, numa gula ultrajante a merecer retaliação. A mim
cheira-me - o texto de Eduardo Sá - a excesso de teoria, para justificar a falta de “prática” - da tal retaliação...
O diabo vive em nós
Seremos todos capazes do ódio? Olhando
as redes sociais não há, muitas vezes, como dizer que não. O que faz com que,
às vezes, vivamos num mundo que é contra a guerra e a favor do ódio.
EDUARDO SÁ
OBSERVADOR,29
mai 2022, 20:4417
Num
dia, a guerra surpreende-nos. Noutro, um massacre numa escola dos Estados
Unidos deixa-nos em choque. Fará a violência parte de nós? Como é que pessoas
que se vinculam e se amam são capazes da violência e da morte? Se todos os
animais, sempre que se sentem ameaçados e acossados, são agressivos, porque é
que só os seres humanos são violentos?
Em
muitos momentos, o discurso dos pais e dos educadores é pouco compreensivo para
com a agressividade dos filhos. De início, as mães chamam à ira dos bebés
“raivinhas”. Acolhem-na. E, de certo modo, mimam-na. Mais tarde, censuram-na e
reprimem-na. Regra geral, os pais entendem a agressividade como um coisa má.
Reagem como se ela parecesse ser a antecâmara da violência. Mas a agressividade humana é, simultaneamente, um
ansiolítico e um anti-depressivo.
Sempre que nos assustamos, eriçamo-nos e reagimos. Na base, a agressividade é saudável. A ira (a
raiva) é reflexa. Surge quando surge o stress. Mesmo que, a seguir, se transforme num impulso. A
ira mete medo ao medo. Assusta quem nos assusta. A agressividade é um degrau acima da ira, a caminho do
pensamento. Já tem
muito de voluntário. Protege do medo, num primeiro momento. Sublimada,
transforma-se em rivalidade e ambição. Transformada, promove a proactividade e
o empreendedorismo. A
agressividade que não se comunica não se transforma. Sempre que a contemos, a agressividade que resulta da
dor gera a hostilidade (inibindo a sensibilidade, a imaginação, a fantasia, a
subjetividade e a relação).
Conter a hostilidade torna-nos amigos do rancor. E
rancor é ódio. E o ódio o motor da violência. Contida.
É claro que a agressividade magoa o
outro. E
é suposto que em consequência dessa dor sejamos capazes de aceder à experiência
de culpabilidade. Sem experimentarmos a culpabilidade não nos tornamos bondosos. Magoarmos o outro rouba-nos aquilo que ele nos pode dar
de si, que seja indispensável ao conhecimento de nós próprios e ao nosso
crescimento. Aquilo que distingue a agressividade da violência é
que a agressividade termina onde começa a consciência da dor do outro. Já a violência começa aí. Violência são
todos os actos voluntários que promovem, deliberadamente, sofrimento no outro,
sem que mereçam reparação, esperando quem nos violenta que essa violência
desencadeie em quem foi agredido uma reacção especular. Quem violenta
precisa que quem é violentado ou reaja em pânico, e pactue com o mal, e faça
com que a violência se repita, ou reaja em espelho, respondendo com violência,
justificando mais maldade por quem começou por violentar. As pessoas
violentas esperam que a resposta dos outros seja à medida da violência que
projectam sobre eles. É por isso que todos os violentos, a seguir a
violentarem, reclamam que reagem em legítima defesa.
Ninguém
nasce violento! A violência
resulta de apelos cumulativos ao apego, permanentemente, insatisfeitos. A dor
corrompe o amor pela violência. É por isso que na base da violência está o
desespero, que resulta da dor, continuadamente lancinante, que alguém nos
trouxe. E que leva a
que quem sofre absorva a culpa pelo seu sofrimento. Como se a maneira como é
violentado fosse, no limite, uma responsabilidade sua. Quase como se quem
violenta nos perguntasse, como quem se lamenta: “Porque é me obrigas a fazer-te mal?!…” Tal é o modo
como quem violenta impinge a culpa da sua violência sobre a sua vítima,
continuadamente.
A
culpa pela dor que se sofre nunca se esquece. E persegue por dentro. É uma culpa que
atormenta. E que enlouquece. Expulsá-la, “vomitando-a” sobre o outro, é uma
forma de a tentar exorcizar. Destruí-lo,
um modo de a incinerar, para que desapareça. E é por isso que o ódio é a
lixívia da culpa. E,
enquanto funciona, sustém a loucura. Mas o ódio não destrói a culpa,
completamente. Até porque ela gera uma inveja destrutiva diante de todos os
outros que têm o privilégio de ter aquilo que quem violenta nunca teve. Conspurcar e contaminar o bem pelo mal serve para que
o bem dos outros não avive e não acentue mais as falhas do bem que não se teve. E assim não exacerbe o desespero. Porque qualquer episódio de culpa sobre a culpa que
persegue por dentro representa “a gota de água” que afoga. Vistos pelos olhos do mal, o diabo são os outros.
É por isso que qualquer pessoa
enlouquecida vê a destruição do outro como uma forma de se libertar do mal que
a persegue. Num registo
de “ou mato ou morro”. Ou destruo tudo aquilo que me atormenta e amenizo o meu
desespero, ou mais desespero sobre todo o desespero que já sinto me destrói.
Por outras palavras, sim, quem violenta já foi violentado. Ou foi
acumulando distrações sobre distracções de quem não as podia ter tido sobre
todo o sofrimento de que se foi vítima. E, sim, tanta dor torna-o doente.
Mas nem sempre a violência se manifesta
pela destruição física de alguém. Muitas vezes, traduz-se por assassinatos de
carácter. Noutras,
por atentados à intimidade, à imagem ou à vida privada. Noutras, ainda,
pela calúnia e pela difamação. Noutras, finalmente, quando o mesmo discurso
de ódio surge embrulhado numa ideia de purificação. Como quando uma minoria
organizada defende a destruição de um dado grupo como uma forma supremacista de
vincar no mal que promove o seu estatuto de defensor do bem. Pelos olhos dos
maus, o diabo são os outros. Aos olhos das pessoas saudáveis, o diabo vive em
nós. E é a forma como dialogamos com as nossas pequenas maldades que os
remorsos abrem espaço para escolhermos o bem. Mas é fácil tornarmo-nos um
bocadinho maus. Fazemo-lo, por exemplo, quando, diante do mal, reclamamos um
estatuto de neutralidade. Que é uma forma — cobarde, todavia — de assumir que o
mal que vitima os outros é… dos outros. Mesmo quanto mais o mal se banaliza
mais a compaixão acabe em indiferença. Nessa altura, a vergonha resulta da
forma como fugimos do mal de que os outros são vítimas. Representa uma forma de
reconhecermos, silenciosamente, que o diabo também vive em nós. Mas que o
mal está nos outros.
Num
dia, a guerra surpreende-nos. Noutro, um massacre numa escola dos Estados
Unidos deixa-nos em choque. Fará
a maldade, intrinsecamente, parte de nós? Sermos capazes de maldades não
significa que sejamos maus. Mas, sim, todos somos capazes do mal. De pequenos
males, pelo menos. Por mais que haja uma grande diferença entre sermos maus num
impulso, magoarmos, reconsiderarmos, pedirmos que nos desculpem e reparamos as
nossas maldades, e escolhermos ser maus.
Como
é que pessoas que se vinculam e se amam são capazes da violência e da morte?
Porque a violência de que se é vítima corrompe a esperança, corrói a confiança
e martiriza o amor, o que faz com que a essa violência se oponha a violência
com que se vitimiza. Sempre que de cada vez em que somos vítimas não nos
refugiarmos em quem nos ama. O amor é o antídoto do ódio. Mesmo quando é a dor esdrúxula que se sofre que mais
aclara quem nos ama.
Se
todos os animais são agressivos, sempre que se sentem ameaçados e acossados,
porque é que só os seres humanos são violentos? Porque só os seres humanos são
capazes de pensar. Sobre o desespero. Sobre a culpa. Sobre a humilhação. E,
para que não enlouqueçam quando pensam (e morram, a seguir), a violência é a
forma de porem a inveja a vingar-se sobre os outros da culpa que resulta da
violência que sofreram, na solidão e sem auxílio.
Seremos
todos capazes do ódio? Olhando as
redes sociais não há, muitas vezes, como dizer que não. O que faz
com que, às vezes, vivamos num mundo que é contra a guerra e a favor do ódio.
(Acrobático, não é?…) Mas, para além do ódio, o mundo das pessoas é,
ciclicamente, amigo da vaidade. E a vaidade, bem vistas as coisas, é uma
forma de esconjurar a inveja. De fazer de conta que estamos acima dela. De
usarmos os outros como objectos diante dos quais se exibe a nossa supremacia.
Por outras palavras, temos muitos bocadinhos de violência, mais ou menos
silenciosa, dentro de nós. A vaidade que se impõe é violência. Ódio é
violência. Humilhação é violência. Indiferença é violência. E, já agora,
reagirmos com pensamentos cheios de destrutividade, quando uma dor brutal nos
atropela e dilacera, é violência. A diferença está entre reconhecermos o diabo
em nós diante dos momentos em que somos violentos num impulso, e escolhermos
ser bons, ou assumirmos que maus são os outros ou que são eles os únicos
culpados do nosso desespero.
Chegados
aqui não é justo que se presuma que aquilo que se disse seja uma forma de
banalizar a violência. Ou de a desculpar. Ou de levar ao colapso a comporta com
que separamos o bem do mal, com medo que um e outro se confundam. Dividir as
pessoas entre os bons e os maus não significava que os bons não possam, às
vezes, ser maus. Aquilo que distingue os bons dos maus é que, para os
bons, a sua maldade termina onde começa a consciência da dor do outro. Para os
maus, a sua maldade começa aí.
GUERRA CONFLITOS MUNDO COMPORTAMENTO SOCIEDADE
COMENTÁRIOS:
Desabafo Assim: Às vezes aparecem figuras públicas que nos levam ao pensamento
"conjunturas sociais favoráveis, famílias de Lisboa" porque quando
abrem a boca denunciam vulgaridade, mas outras ficamos na dúvida, faltam-nos
dados. Dessas outras, quando temos dados, tal como o caso, ficamos tristes,
pessoas maiores que o chão que pisam, Moldávia, romenos, portugueses, que
desperdício, tanta falta fazem ao mundo todo. bento guerra: Informação a mais e má Ahmed Gany: O diabo vive em nós como o
sangue que corre nas veias do filho de Adão. Paulo Silva: Se todos os animais […] são agressivos [...] só os
seres humanos são violentos. Isso não será bem verdade, caro colunista.
Segundo o antropólogo e primatólogo Richard Wrangham os chimpanzés são capazes
de matar um indivíduo da mesma espécie por tudo, (território, comida, sexo,
etc), e por nada… pelo simples prazer de matar. Mario Figueiredo: Caro Eduardo Sá, se estiver a
ler isto quero que saiba que é sempre um enorme gosto ler e ouvi-lo. Mas
preciso de fazer um reparo. A comparação ao comportamento animal que
tendencialmente se faz sempre que se quer criticar ou diminuir o comportamento
humano, não é somente incorrecta como também muitas vezes falsa. O nosso
intelecto e a construção social humana são infinitamente mais complexos do que
qualquer outro animal no nosso planeta, pelo que os comportamentos resultantes
não podem ser sujeitos a uma comparação justa. Veja-se por exemplo a
complexidade da forma como o ser humano luta por recursos em comparação com
outros animais. Pergunto-lhe que outra espécie escreveu leis internacionais
para regular conflitos ou interesses. Por outro lado é manifestamente
falso que os animais não sejam capazes de violência. Não é sequer difícil
encontrar no reino animal casos de extrema violência que na sociedade humana
aprendemos há muito a renegar e até criminalizar. Recordo-lhe o
comportamento de leões e ursos que matam as crias alheias para poderem acasalar
com as fêmeas. Ou a forma terrivelmente agressiva como os hipopótamos
defendem a sua área de qualquer outra criatura, incluindo os seus. Ou de
como os crocodilos (e muitos outros predadores) são dados a canibalismo. Gostaria
que se evitassem comparações desnecessárias e até mesmo falsas para fazer valer
um argumento que vale por si próprio. O ser humano é seguramente o mais belo
produto da natureza. Capaz de mais "humanidade" do que
qualquer outro animal no nosso planeta. Ahmed Gany > Mario Figueiredo: Não se deve comparar o racional
com o irracional nem o o sábio com o idiota. Pobre Portugal > Mario Figueiredo:
“para poderem acasalar”, para “defenderem a
sua área”; ou seja, há sempre uma causalidade nessa agressividade animal. Um
leão ou um crocodilo não pensam na “violência que sofreram, na solidão e sem
auxílio”. Nem fazem complexos jogos mentais sobre a sua martirizada infância.
Isso só os seres humanos fazem. Mas se amanhã me provarem que os animais ou as
pedras pensam, eu mudo logo de ideias. Mario Figueiredo > Pobre Portugal: Se um animal é isento de juízo de valor moral -- e que
deve ser, pela natureza maioritariamente instintiva -- então pelo mesmo
raciocínio não se podem fazer comparações de teor moral com o comportamento
humano. Por outras palavras, apenas o ser humano está sujeito a avaliação moral
ou ética. E isto é importante. Até porque
como tento demonstrar em cima, entraríamos num terreno perigoso em que
rapidamente nos apercebemos que o restante reino animal é esmagadoramente mais
agressivo e violento que o ser humano. Veja por exemplo o que corujas-das-torres
fazem a toda uma família de pombos para lhes tomar o ninho em vez de procurarem
um para si. O nexo de causalidade é
universal. Também o comportamento humano se move entre relações causa-efeito. História, Sociologia,
Antropologia, Psicologia, todas explicam o ser humano neste contexto. Na
verdade a Biologia ensina-nos que também nós somos movidos po r poderosas
forças instintivas, das quais o nosso intelecto superior ainda não se conseguiu
libertar. E veja, até há quem diga que é
precisamente aí que está a raiz do Mal; o Instinto, a nossa amigdala. E que o
ser humano se eleva sobre os restantes animais precisamente pela sua capacidade
latente de o combater. Pessoalmente não
vejo as coisas dessa forma. Pertenço à "escola" que defende que o Mal
é apenas uma figura mitológica e que não existe. Existem sim desvios da norma
comportamental da época e que invariavelmente se explicam clinicamente. E
paradoxalmente o texto do Eduardo Sá caminha precisamente nesse sentido. josé maria Seremos todos capazes de ódio ?
Não creio, muito pelo contrário, partilho do optimismo de Steven Pinker. Estou
convicto que a larga maioria dos seres humanos é composta por gente de bem,
que, por vezes, se divide internamente na polaridade de vários "eus",
em áreas luminosas, cinzentas ou escuras, entre o egoísmo, mais ou menos
exacerbado, e uma propensão residual para o altruísmo e a abnegação. Paulo Silva >
josé maria: Isso mesmo woke de bem' zé maria, Steven
Pinker, o liberal optimista de “Os Anjos Bons da Nossa Natureza : Porque tem
Declinado a Violência.”
josé maria > Paulo Silva: Nem mais, você já anda a
aprender umas coisas com o Steven Pinker………………..
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