Um texto de David
Martelo sobre a Guerra na
Ucrânia, que me foi enviado por João
Sena, bem demonstrativo do cinismo da actuação do Ocidente neste
caso da guerra, um Ocidente encolhido e amedrontado, generoso no auxílio
material à Ucrânia, por conta do “escudo” que os Ucranianos estão formando, em
inútil defesa de si próprios – e do Ocidente -, que não obstará, talvez à
formação da tal eurásia capitaneada por um hediondo exemplar que se acha de
natureza humana. Mas o “nada de novo a oeste” também não depõe muito a favor
deste – oeste, digo -, em termos, repito, de cinismo e cobardia, sob uma capa de prestabilidade e doçura.
“TEXTO DE JOÃO SENA”:
«David Martelo <dm3@netcabo.pt>
escreveu no dia segunda, 30/05/2022 à(s) 19:24:
Caros Amigos:
1.DO
GOLPE-DE-MÃO ESTRATÉGICO E OUTROS ENIGMAS
Com um intervalo de uma semana, tive a
oportunidade de ler dois artigos que, apesar das notórias divergências de
intenções dos seus autores, convergem
num relato sobre as elevadas capacidades dos EUA no plano da obtenção de
informação estratégica e da manobra política que, no caso do conflito
Ucrânia-Rússia, lograram fazer, antes e depois do início da invasão. Um
do articulista David Ignatius, publicado no Washington Post, e outro do major-general Carlos Branco, publicado no Jornal
Económico.
2. DA GUERRA, NA SUA FÓRMULA 2022
A
guerra, na sua Fórmula 2022, trouxe-nos um cenário bem invulgar.
Tratando-se, obviamente, de uma confrontação
entre o Ocidente e a Rússia, o dito Ocidente – União Europeia, OTAN, EUA e
alguns países europeus até há pouco neutrais (Suécia e Finlândia) – apressou-se
a declarar, ainda antes de 24 de Fevereiro de 2022, a sua não-beligerância,
embora declarando-se dispostos a fornecer à Ucrânia diverso material de guerra. Sucessivamente,
para demonstrar a sua condenação da agressão russa à Ucrânia, o Ocidente aplicou
à Rússia uma série de pacotes de sanções económicas e financeiras. E,
concomitantemente, vários dos países integrantes desse bloco – com destaque
para a Alemanha – continuaram clientes do gás e do petróleo da Rússia,
fornecendo-lhe diariamente cerca de mil milhões de euros de receita.
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votos de boa saúde. Um abraço
amigo do David
Martelo»
TEXTO
DE DAVID MARTELO:
DA GUERRA, NA SUA FÓRMULA 2022 A guerra, na sua Fórmula 2022, trouxe-nos um
cenário bem invulgar. Tratando-se, obviamente, de uma confrontação entre
o Ocidente e a Rússia, o dito Ocidente – União Europeia, OTAN, EUA e alguns
países europeus até há pouco neutrais (Suécia e Finlândia) – apressou-se a
declarar, ainda antes de 24 de Fevereiro de 2022, a sua não-beligerância,
embora dispostos a fornecer à Ucrânia diverso material de guerra. Sucessivamente, para demonstrar a sua
condenação da agressão russa à Ucrânia, o Ocidente aplicou à Rússia uma série
de pacotes de sanções económicas e financeiras. E, concomitantemente, vários
dos países integrantes desse bloco – com destaque para a Alemanha – continuaram
clientes do gás e do petróleo da Rússia, fornecendo-lhe diariamente cerca de
mil milhões de euros de receita. Com este original quanto
ridículo enquadramento do fenómeno GUERRA, criaram-se condições verdadeiramente
excepcionais para todo o tipo de ‘desconchavos de Estado’ e de rebaixamento dos
estadistas de serviço. Por
entre o habitualmente espesso nevoeiro da guerra, é perfeitamente visível que
as potências ocidentais não sabem o que querem. Na
“guerra normal”, era costume combater, procurar a vitória e ambicionar a paz.
Mas como é que isto se consegue debaixo da Fórnula 2022? Agora que a guerra na Ucrânia dura já
há mais de três meses e que o grau de destruição de vidas e de bens já atingiu
dimensões bíblicas, vêm aumentando de volume os apelos para o estabelecimento
de um cessar-fogo e de conversações que conduzam à paz. No “planeta da paz”, predomina a ideia de que a mesma
se obtém rapidamente desde que a Ucrânia pare de se defender, atitude que, para
alguns actores políticos, tem sido considerada de uma impertinência sem nome. Na abertura do Fórum Económico Mundial
(22/26-05-22), em Davos, o ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger,
sugeriu que a Ucrânia devia aceitar alguma perda territorial numa solução de
paz negociada, embora acrescentasse, cinicamente, que “o ideal é que a linha
divisória representasse o retorno ao status quo” anterior à invasão, o que
seria equivalente à aceitação da anexação da Crimeia, em 2014, e de partes
importantes do Donbas. O
presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, replicou com absoluto a-propósito: “Fico com a
impressão de que, em vez do ano de 2022, o Sr. Kissinger pensa que está em
1938”, ano em que Hitler foi contemplado, nos acordos de Munique, com partes
importantes da Checoslováquia com maioria de população germanófona (os
Sudetos), PARA SALVAR A PAZ. Zelensky
sabia, igualmente, que 1938 fora o ano em que Kissinger e a sua família haviam
fugido para Nova Iorque, pelo que acrescentou: “ninguém lhe ouviu dizer, nessa
altura, que era necessária uma acomodação com os nazis, em vez de fugir ou de
os combater”.(1) Que o ilustre professor e homem de Estado se tenha
prestado a esta compreensível admoestação diz bem do imbróglio internacional em
que a “operação militar especial” lançou o Mundo.
(1) https://www.nytimes.com/2022/05/26/us/politics/zelensky-ukraine-war.html
Como
é bem sabido, a manobra de Munique – PARA SALVAR A PAZ – não
fez mais do que dar a entender a Adolf Hitler até que ponto eram pusilânimes as
posições da Grã-Bretanha e da França. De
facto, salvou a paz durante cerca de 11 meses e desaguou na 2.ª Guerra Mundial. O facto de o Ocidente não ser beligerante no conflito
da Ucrânia ajuda, fortemente, a tornar ainda mais complexa qualquer solução:
impede uma solução militar favorável ao país invadido e retira espaço de
manobra, no campo diplomático, porque tem de disfarçar o facto de não ser
“parte legítima” no conflito. Por outro lado, é bem significativo que, apontando
para uma NEGOCIAÇÃO, o governo de Kiev tenha já anunciado a sua
concordância com uma cedência –
a desistência de aderir à OTAN – enquanto do lado de Moscovo se não conhece
nenhuma sugestão de cedência. Estranho conceito de negociação.
No El País de 30-05-2022, Wolfgang Münchau, preocupado com a necessidade de pôr termo à guerra,
atreve-se a pugnar por uma solução, que denomina de ‘pouco popular’, para
evitar males maiores – nomeadamente a fome em África e uma provável onda de
refugiados a atravessar o Mediterrâneo. Todavia, acaba por não dar o devido valor ao imbróglio
criado pela Fórmula 2022, quando alega que “as
guerras sempre se resolvem mediante acordos diplomáticos”, o que nem sequer é historicamente correcto. Em 1945, o termo da guerra contra a Alemanha e o
Japão não foi negociado, tendo-se aplicado o princípio da rendição
incondicional. As guerras coloniais terminaram, por outro lado, com a
retirada dos exércitos das potências europeias, após um acordo de cessar-fogo.
Negociada foi a rendição dos Impérios Centrais, em 1918, e o
resultado não foi brilhante. Em
vez de uma paz duradoura, logrou-se “um armistício por vinte anos”, como
referiu o marechal Foch ao tomar conhecimento dos termos do Tratado de
Versalhes. A diplomacia é tão capaz de belas
soluções como de monstruosidades como esta.
Voltando à intervenção de Henry
Kissinger no Fórum Económico de Davos,
merece a pena recordar que, segundo o Washington Post de 24-05-2022, o
ex-secretário de Estado americano “exortou os Estados Unidos e o
Ocidente a não procurarem uma derrota embaraçosa da Rússia na Ucrânia, avisando
que tal poderia piorar a estabilidade da Europa a longo prazo”.(2 )Uma derrota embaraçosa? Então não é evidente que, aplicando a linguagem do
futebol, a Ucrânia
está a perder? É
o mesmo que o treinador de uma equipa que vai para o intervalo a perder 4-0
(2) https://www.washingtonpost.com/world/2022/05/24/henry-kissinger-ukraine-russia-territory-davos/
dizer
aos seus jogadores para, na segunda parte, procurarem a vitória sem humilhar o
adversário. Será que na Fórmula 2022 da guerra também se inclui o conceito
de “vitória tangencial”? Não há como não pensar que até os espíritos mais
ilustres andam perturbados. Não andaria muito longe da normalidade se, daqui
a alguns anos, algum historiador viesse concluir que, em Novembro de 2021,
quando se iniciou a concentração de forças russas, bastaria que a OTAN avisasse
Moscovo que, caso invadisse o país, iria em auxílio da Ucrânia, para se
garantir a PAZ. Como fizeram agora as potências ocidentais relativamente à
Suécia e à Finlândia, perante as ameaças de Putin.
David
Martelo – 30-05-2022
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