Um diálogo construtivo que muito nos interessou.
E aprouve. Só não somos tão optimistas em relação à difusão da cultura
francesa, daqueles tempos de E. Lourenço, como
pretende a PESSOA AMIGA, de LUIS SOARES
DE OLIVEIRA, que foi quem produziu tão encantador memorial
autobiográfico. Pelo menos por cá, que praticamente excluímos o francês, e não
só dos saberes liceais (adjectivo
que, de resto, deixou de existir, na piedosa muralha igualitária também extensiva
ao ensino – de fases de aprendizagem, não de espaços – pelo menos enquanto a designação
“escola” não se tornar demasiado erudita, em relação a alguns de condição
social menos prezada, que convém proteger de inúteis humilhações…).
EDUARDO LOURENÇO
UM HOMEM À PROCURA DE SI MESMO
(DIÁLOGO COM
PESSOA AMIGA)
Querida Amiga
Quando me perguntou por Eduardo Lourenço eu tinha-o
completamente desfocado na linha do meu pensamento. A vontade de satisfazer a
sua curiosidade ajudou-me porém a recuperar recordações. Aí vão:
• 1938 - No falecido campo das
Amoreiras, E. Lourenço , então Menino da Luz, lança o dardo nos campeonatos
inter-escolares de atletismo e faz-se notar por usar no dardo o gesto do
discóbolo. Mesmo assim, com o seu rodopio consegue boa marca. Muitos anos mais
tarde, no átrio da Gulbenkian, conversámos os dois e eu tive ocasião de lembrar
o lançamento de dardo que ele fizera em 1938, Ele olhou-me algo surpreendido e
disse: -«pois, tempo perdido». E ali fiquei a pensar como se pode dizer tanto
com tão poucas palavras.
• Década de 40 (primeira metade). E.Lourenço,
agora estudante em Coimbra, procura Ruben A no Hotel Astória a quem descreve
como reprodução viva do Fradique Mendes queirosiano. Ruben, nas sua
memórias, constata que Coimbra dos anos 40, já com os presencistas ausentes,
virou à esquerda tornou-se neo-realista movimento inspirado pelas teorias
marxistas do materialismo histórico. Segundo Ruben A (que eu conheci mais
tarde), Lourenço, embora amigo de alguns deles, não adere ao marxismo nem a
qualquer escola de pensamento. Sente-se isolado. Ao tempo interessa-lhe o
existencialismo de Kierkgaard e de Camus. Prata da casa, nada.
• 1949. O então jovem de Rio Seco continua à procura de uma
cultura. Óbvio não foi no CM, nem na mesquinhez do catolicismo português,
nem na Coimbra marxista que a encontrou. Bolseiro da Fulbright vai
completar seus estudos na Universidade de Bordéus
• 1955. Tive notícia dele e de sua mulher francesa como
professor da Universidade da Baía onde se torna amigo de João Pereira
Bastos, meu velho amigo da natação, ao tempo ali Cônsul. Segundo JPB ,
Lourenço torna-se alérgico ao luso-tropicalismo e ao seu criador Gilberto
Freire, colega da Universidade....e com razão.
• Final da década de 50. O governo francês atribuí-lhe
um prémio do pelo seu ensaio sobre Montaigne (traduzido para francês por sua
mulher Annie). Colocado em Vance, perto de Nice, torna-se maitre assitant de
cultura francesa. Dá aulas também na Universidade de Nice.
• Tempo posterior ao 25/04, começa então a
interessar-se pela cultura portuguesa - não como adepto mas como critico.
• 1988 premiado pela UE pelo seu
ensaio «Nós e a Europa» em que defende que o movimento de integração europeu deveria ter sido
inspirado pela cultura e não pela economia.
Foi pois a cultura literária francesa que ensinou a
Eduardo Lourenço quem ele era. Os portugueses - sempre inseguros -prestam-lhe
homenagem para não ficarem atrás dos franceses.
- Agradeço, luís, a partilha de tais memórias. Defenderia Eduardo Lourenço
uma cultura europeia inspirada na francesa? Parece-me que num futuro, talvez ainda longínquo, a
Europa, se se mantiver unida pela via do comércio, se afirmará pela cultura.
A UE investe tanto na mobilidade de europeus (programa ERASMUS entre outros) e
na partilha cultural que é provável que venha a dar frutos. Minha filha e a sua
geração têm já uma visão de interculturalidade diferente. Não fogem ao
estranho, pelo contrário, têm curiosidade por ele.
- Vejo que anda ocupada com outros afazeres para si
mais importantes do que as congeminações do filósofo. Eu vejo nele o então
jovem de Rio Seco continua à procura de uma cultura. Viria a encontrar a cultura
que o fascinou em Bordéus e sobretudo em Vence, a terra onde Matisse também se
encontrou. Encontrar a cultura com que nos sentimos bem é encontrar-nos
a nós mesmos. Ele não foi o único português daquele tempo que saiu daqui à
procura de uma cultura mais interessante do que a caseira. Mas, atenção:
cultura europeia não é para nós exótica. Fomos habituados a conviver com ela
desde o tempo dos romanos.
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