Foi o que me pareceu este texto do Dr.
Salles, ao explorar, uma vez mais, as motivações daqueles que defendem o
indefensável, movidos por lógicas saudosistas de poderios ditatoriais, quando
estes se expandiram e continuam a querer expandir-se, está visto, não abdicando
de um desejo de omnipotência avassaladora, merecedor de afectos externos
grandiloquentes ou subservientes, apesar dos crimes subjacentes a essa
pesporrência de pura toleima bárbara. E tudo isso mau grado os nomes poderosos
dos seus escritores, compositores e demais artistas criadores dos seus espaços
físicos que ficarão como exemplo de valentias e valores fora do comum. Custa,
pois, a crer que um país campeão de tantas provas olímpicas e espaço de tão
poderosos mentores da criatividade humana esteja reduzido ao designativo de terceiro-mundismo
que lhe aplica o Dr. Salles, julgo que na sua ira de pessoa justa e equilibrada
que segue os parâmetros de uma democracia de “lógica humanista”, mas que sabe pegar
os touros pelos cornos.
DA LÓGICA
HUMANISTA E DO SEU CONTRÁRIO - 2
HENRIQUE SALLES DA
FONSECA
A BEM DA NAÇÃO, 03.06.22
Lógica humanista é a que subjaz às democracias pluripartidárias em
que o ser humano é o actor principal em toda a cena política e o Estado o seu
servidor.
Liberdade
é conceito unicitário, não admite fracções nem plurais.
*
* *
O nosso, ocidental, culto da
liberdade leva-nos a admitir no nosso seio quem quer condicionar a própria
liberdade. Ou seja, a
nossa lógica dá cabimento ao seu próprio contrário.
Eis
por que aceitamos entre nós quem usa a liberdade para a destruir, os
não-democratas que ocupam as franjas dos hemiciclos em que predomina a nossa
lógica.
Nesta guerra por que passamos, essa 5ª coluna é doutrinariamente
heterogénea e quase se lhe poderia chamar «clube dos amigos de Putin». A única característica comum que lhes encontro é da
nostalgia da grande Rússia. Há-os que continuam a sonhar com a defunta URSS e
há-os nostálgicos da corte de S. Petersburgo, do ballet do Bolshoi ou das
páginas de Tolstoi. Toda esta nostalgia vê em Putin o reencarnador
dos seus fantasmas e não vêem o desprezo que esse autocrata nutre pelas
pessoas, não quer ver que a Rússia apenas exporta matérias brutas e que tem um
PIB p.c. inferior ao índice homólogo mais baixo na União Europeia, o da
Bulgária. Esses nostálgicos de fantasmas
não querem saber que a Rússia só não é considerado um país miserável do terceiro
mundo porque tem poder nuclear.
A esses nostálgicos de fantasmas eu
digo que gosto muito de Bach, Mahler ou de Nietzsche e Thomas Mann e nada disso
faz de mim um remoto admirador de Hitler ou de qualquer memória nazi – pelo
contrário, toda a grande Cultura Alemã me afasta de anormalidades monstruosas.
A esses nostálgicos do Hermitage eu
sugiro que «caiam na real» e olhem para o drama por que estão a passar os
russos sob a tirania de um megalómano para quem não existe humanismo.
Desculpem os meus leitores por hoje ter
referido uma pessoa (Putin), por ter referido um facto (a guerra na Ucrânia) e
de ter voado depressa sobre os conceitos.
Lisboa,
2 de Junho de 2022
Henrique
Salles da Fonseca
Tags:política
COMENTÁRIOS
Anónimo 03.06.2022 12:52: Sobre
a guerra, abstenho, por ora, de mais comentários, pois considero que já os fiz
em número suficiente. Mas fixo-me à parte inicial do teu post que evidencia
aspetos da Liberdade. E sobre ela, Henrique, vou dar voz a Albert Camus quando
ele, a propósito da invasão da Hungria, em outubro de 1956, pelo Pacto de
Varsóvia, transmitiu uma mensagem, em novembro, numa reunião de solidariedade
com o povo húngaro, organizada pela Associação dos Franceses Livres, em Paris
(páginas 242/3 do livro “Conferências e Discursos”, recentemente editado). “Hoje,
apesar das traições sucessivas e das calúnias com que os intelectuais de todos
os lados a cobriram, a liberdade, e ela em primeiro lugar, continua sendo a
nossa razão de viver. (…). Traída por aqueles cuja vocação era defendê-la,
espezinhada pelos nossos clérigos perante povos em silêncio, acreditei na sua
morte definitiva, razão pela qual me pareceu, por vezes, que a falta de
dignidade do nosso tempo se sobrepunha a todas as coisas. Mas a juventude
húngara, a de Espanha ou de França, a de todos os países, veio provar-nos hoje
que não é assim e que nunca haverá nada que derrube esta força violenta e pura
que leva os homens e os povos a reivindicar a dignidade de viver de pé. Todos
vós, que começais agora a fazer parte da nossa história, não esqueçais isto.
Não o esqueçais em qualquer época ou lugar! E se puderdes aceitar discutir tudo
com lealdade, nunca aceiteis que a liberdade, de espírito, do indivíduo, da
nação, seja alguma vez posta em causa, ainda que provisoriamente e nem por um
segundo. Já deveis saber que quando o espírito é aprisionado, o trabalho é
escravizado, que o escritor é amordaçado, quando o operário é oprimido e que
quando a nação não é livre, o socialismo não liberta ninguém e subjuga toda a
gente”. Abraço. Carlos Traguelho
Henrique Salles da Fonseca 03.06.2022 17:55: Henrique, corrijo: a invasão da Hungria foi pelo
exército vermelho. Pelo Pacto de Varsóvia foi a da Checoslováquia. As minhas
desculpas. Abraço. Carlos Traguelho
Adriano MIRANDA LIMA 03.06.2022 17:38: Sr. Dr., creio que, não obstante existirem “os
nostálgicos da corte de S. Petersburgo”, com o que ele tinha de opulência em
chocante distanciamento do mundo dos miseráveis da plebe, do campesinato quase
escravo ou do operariado da insipiente e frágil industrialização russa, nada
impede que admiremos um Fiódor Dostoiévski, um Tolstoi, um Tchekov ou um
Tchaikovsky. Estão à altura dos citados por si − Bach, Mahler ou de Nietzsche e
Thomas Mann – uns e outros na galeria dos universais. Em comum, a lógica
do humanismo foi o alicerce das suas criações, e a liberdade do espírito sem
qualquer freio interior permitiu-lhes penetrar na alma humana e tentar
compreendê-la, com os seus abismos, complexidades e contradições, e nisto
Dostoievski merece referência especial pela simplicidade mas também pela
profundidade com que trata as temáticas humanas. Mas o calibre espiritual
desses espíritos privilegiados não impediu que surgissem criaturas que
interpretaram as razões do Estado e seus interesses vitais segundo as suas visões
pessoais e lançaram o mundo na mais extrema barbárie. Dir-se-á então que há
uma diferença abismal entre a solidão do ambiente em que o criador medita sobre
o homem e o mundo e atinge visões que o ser comum não alcança, e as situações
tumultuosas em que os homens normais se aglomeram para se tornarem instrumento
de violência e destruição, quase sempre em nome do que se designa por
revoluções. Todas elas deixaram manchas irreparáveis na história da humanidade,
mesmo a francesa. Sr. Dr., não é facilmente que os homens “caem na real”
quando submetidos ao medo e à repressão, porque aí a liberdade não funciona
senão para acicatar a confusão e o pânico e anular a personalidade e a alma.
Caso contrário, aos russos não seria indiferente que tenham um PIB de todo incompatível
com as suas potencialidades energéticas naturais, enquanto o seu “megalómano”
líder investe desmesuradamente sonhando com um passado sem qualquer hipótese de
regresso. Estranho é não haver quem lhe faça ver que está no século XXI e os
instrumentos de domínio mudaram significativamente. Muito obrigado e um abraço
amigo. Adriano Lima
Adriano Miranda Lima 03.06.2022 22:14: Tem
razão, Dr. Salles, a lógica da liberdade que subjaz à democracia tal como
ela é concebida e vivenciada no mundo ocidental, até permite que se dê
“cabimento ao seu contrário”, quer dizer, que os que a negam ou duvidam das
suas virtudes, tenham igual possibilidade de se submeterem a escrutínio para
terem assento onde possam demonstrar a validade das suas teses demolidoras dos
valores da democracia. O que só é possível nos regimes pluripartidários, pois
de outro modo não haveria democracia. Na
actualidade, no mundo ocidental e nos regimes democráticos, que eu saiba, e por
enquanto, nenhuma força política logrou anular por via legal a democracia.
Século XX, conseguiu-o Hitler pela via eleitoral e outros, como Salazar, por
falseamento eleitoral. Marie Le Pen é possível que não descarte essa
intenção, mas é duvidoso que o consiga. Na Hungria e outros países, a opção é
por uma democracia musculada que tem sido designada por iliberal. Na
Rússia de Putin, é o que se sabe, a Constituição foi alterada para a
perpetuação no poder das mesmas pessoas, e criou-se um cenário de submissão
adequado – a Duma e o Soviete. A conclusão é que a democracia liberal é a única que
dá garantia de eleger o poder mediante escolha livre pelos cidadãos e é o
regime em que os direitos individuais são respeitados. Apesar dos seus defeitos e eventuais limitações é a
única que nos tranquiliza. Por alguma razão, as antigas repúblicas da URSS
procuraram descolar-se da união o mais depressa possível. Daí a minha
estranheza de haver comunidades russófonas restantes em algumas dessas
repúblicas que anseiam incorporar-se na Rússia ou pelo menos aparentam esse
desejo, como é o caso das de Bondass. Tenho dificuldade em compreender. A
não ser nos casos das gerações mais idosas que viram as suas vidas viradas do
avesso com a implosão do sistema (desvalorização acentuada das suas pensões e
do seu modo de vida modesto) Adriano Lima
António
Justo 03.06.2022 22:39: Prezado Dr
Henrique Salles Fonseca Obrigado pela clareza dos seus textos e também pela
pertinência que expressa neles e deste modo me obriga também a mim a pensar! Creio
que o liberalismo democrático, que como ocidentais tanto afirmamos, poderá
ter a sua lógica linear como método de resposta à diversidade de problemas e
exigências mas não resolve os próprios problemas sociais por ele criados e
menos ainda outros que este liberalismo aberto e sem fronteiras cria. Creio
que o problema da razão numa tentativa de alinhamento lógico se torna num
pau de dois bicos ao apostar numa narrativa de perspectiva unilateral e mais ainda
quando se lhes dão nomes. Talvez se encontre além dos nostálgicos da OTAN e
dos nostálgicos da Rússia, os nostálgicos de uma cultura europeia com
estratégia própria que não se deixe reduzir a uma economia própria mas que
elabore uma geoestratégia própria com política cultural própria! Embora os
aspectos económicos e militares sejam determinantes no desenvolvimento da
História, não se revelarão como suficientes para fundamentarem uma atitude
anglo-saxónica ou uma atitude “União Soviética” que pretenda dar resposta a uma
história de desenvolvimento cultural milenar e que agora o episódio (de
confronto entre dois blocos queridos rivais) se pretenda negar da Rússia o
que ela tem de europeia! Eu aposto mais num valor de sustentabilidade
que é o cultural (a cultura europeia de que faz parte também a Rússia)! Eu não
faço parte de uma quinta coluna seja ela americana ou russa. Cordialmente António da Cunha Duarte Justo
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