sábado, 25 de junho de 2022

E assim vamos variando


Mudando, esperando, firmando, papagueando, impondo, destruindo, favorecendo, amaldiçoando, mudando, mudando, destruindo …

Com Jaime Nogueira Pinto, fixando, firmando, revendo, aprendendo, incitando a que a mocidade, ao menos, com ele aprenda. E o siga, os radicalismos sectários adquirindo banhos de bom senso… ou mesmo apenas umas lambedelas...

Mas o cepticismo logo nos desvia a esperança, como à pobre da Marquesa de Alorna, em soneto que Jaime Nogueira Pinto bem merece, de homenagem a uma sabedoria e compostura que vão rareando, perdida a esperança, mas desejando que JNP mantenha a sua, do rigor e do bom-senso – e que os povos cujo histórico eleitoral analisa, também vão reconquistando, apesar de tudo, parcialmente que seja …

Esperanças de um vão contentamento,
por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento
meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

Já não me iludirá um doce engano,
que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que anuncias,
a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.   -     
MARQUESA DE ALORNA

França, Colômbia e Andaluzia – sinais dos tempos

Ficou claro, na Colômbia e em França, que o centro e os partidos sistémicos continuam a perder terreno e que o chamado “populismo” está em marcha. A Andaluzia é a ambígua excepção que confirma a regra.

JAIME NOGUEIRA PINTO, Colunista do OBSERVADOR

OBSERVADOR, 25 jun 2022, 00:1811

No Domingo passado, 19 de Junho, houve três eleições importantes no mundo euroamericano: a segunda volta das parlamentares francesas, as eleições regionais na Andaluzia e a segunda volta das presidenciais na Colômbia.

A França dividida

A segunda volta das legislativas era o último episódio da segunda temporada eleitoral francesa, começada com as presidenciais. Nestas, Marine Le Pen e Emmanuel Macron repetiram o duelo de 2017, com a candidata da direita nacional a perder outra vez, mas passando de 34% para 41,46% dos sufrágios, isto é, obtendo quase 13.300 000 votos. Há 20 anos, o seu pai, Jean-Marie Le Pen, tivera pouco mais de 5 milhões contra Chirac; em 2017, Marine conseguira 7.700 000 na primeira volta e 10.600 000 na segunda.

O terceiro classificado na primeira volta das presidenciais, Jean-Luc Mélanchon, que ficara não muito atrás de Le Pen, conseguiu, para as legislativas, coligar a sua La France Insoumise com os verdes e com os restos dos grandes partidos que a História ou o voto popular foram triturando: os socialistas e os comunistas. Graças à baixa votação dos candidatos presidenciais socialistas, comunistas e verdes, Mélanchon apresentou-lhes uma proposta que não puderam recusar. E fez-se uma nova Frente Popular, com o pomposo nome de Nouvelle Union Populaire Écologique et Sociale, um logotipo arco-íris e um daqueles programas económico-sociais que contam ir buscar recursos não se sabe bem onde.

O programa da Nova União Popular, Ecológica e Social pretendia baixar os preços dos bens de primeira necessidade, como o combustível, a alimentação e a energia (todos eles, em grande parte, importados), e “passar imediatamente o salário mínimo para 1400 Euros” e a reforma para os 60 anos. A seguir, na boa linha das novas esquerdas, vinham os direitos dos animais e toda uma vasta gama de medidas para “salvar o planeta” e fazer deste o melhor dos mundos. Foi com este programa de unidade das esquerdas que Mélanchon conseguiu eleger 131 deputados e deputadas.

Mas eis que, uma vez eleitos à boleia de Mélanchon, socialistas, comunistas e verdes se recusaram a formar um grupo único, reclamando a autonomia dos seus partidários que integravam as listas comuns para formarem grupos parlamentares autónomos. Assim, o La France Insoumise fica com 72 deputados, o Partido Socialista com 24 e a Europe Écologique les Verts com 23. Os comunistas, que só elegeram 12 representantes, vão integrar-se no Grupo Esquerda Democrática e Republicana.

Assim, o Rassemblement National de Le Pen, com 89 deputados, ficará como o segundo grupo parlamentar, depois da coligação Ensemble, de Macron, e o primeiro da oposição. Parece que Le Pen terá tido alguma razão em não querer negociar uma frente de direita com Zemmour, sacrificando alguns lugares.

Com a perda da maioria absoluta e a recusa do Les Républicains em apoiar o governo Macron, o presidente reeleito vai ter sérias dificuldades em política interna e internacional. Num tempo de crise económica e social, que as oposições não deixarão de explorar, uma assembleia bipolarizada à direita e à esquerda irá com certeza salientar as divisões entre “as elites” e “os cidadãos comuns” e insistir na ideia de que Macron representa a França do privilégio contra “o povo”.

O triunfo do Partido Popular andaluz

Nas eleições regionais da Andaluzia, o Partido Popular teve uma grande vitória, ao conseguir uma maioria absoluta de 58 deputados em 109 num território que foi, por muitas décadas, coutada dos socialistas do PSOE. E de a conseguir sem ficar dependente da nova direita do VOX, que, entretanto, também melhorou a sua representação no legislativo andaluz, passando de 12 para 14 deputados.

Mas mais que o PSOE, que teve 30 deputados, e que a coligação de extrema-esquerda liderada por Inmaculada Nieto, o grande derrotado das eleições de 19 de Junho foi o Ciudadanos, o partido rigorosamente ao centro fundado por Alberto Rivera. É curioso lembrar que o Ciudadanos surgiu na Catalunha com uma posição firme e corajosa contra o separatismo catalão; e que há quatro anos, em Sevilha, elegeu 18 representantes. Este ano não conseguiu nenhum: o partido dirigido por Inés Arrimadas veio somando derrotas nas votações regionais – tendo também perdido posições em Múrcia, em Madrid e em Castilla y Leon.

A vitória de Moreno na Andaluzia foi oficialmente assumida pela Secretária Geral do Partido Popular como a vitória da moderação e da estabilidade. A chegada do líder galego Alberto Nuñez Feijóo à chefia do PP, substituindo Pablo Casado (e as suas oscilações entre a pressão à direita do Vox e alguma tentação centrista), parece ter sido coroada de sucesso.

Mas mais do que à moderação e à promessa de estabilidade, terá talvez sido à ambiguidade e ao amplo e plural apelo ao voto de Feijóo que  que ficou a dever-se o sucesso eleitoral do PP: “Ensanchar (alargar) o PP, torná-lo o partido da maioria dos espanhóis”, de gente “que es más de derechas, más liberal, más conservadora, más de centro, más reformista y más de centro isquierda” – o que, em termos de exegese ideológica, era suficientemente dúbio e flexível para poder resultar. E na Andaluzia resultou: o PP arrumou os Ciudadanos, derrotou o PSOE e o Podemos e conteve o VOX.

Mas será que a receita regional terá sucesso nacional, num momento em que os grandes problemas de Espanha continuam a ser os separatismos? E quando a Esquerda prossegue ali a sua ofensiva “fracturante”, permitindo o aborto às raparigas com mais de 16 anos sem autorização dos pais? A Eutanásia já tinha sido aprovada em Março de 2021, ficando a Espanha, depois da Holanda, da Bélgica e do Luxemburgo, como o quarto país europeu a proporcionar o suicídio assistido aos seus cidadãos. Portugal também parece estar “no bom caminho”, rumo a esta gloriosa “conquista da civilização.

Petro e a viragem colombiana

Finalmente, também no Domingo, na Colômbia, Gustavo Petro derrotou Rodolfo Hernández, um populista de direita, com 50, 44% dos votos contra 47%. A abstenção foi de 42,5%.

Os dois candidatos vêm política e socialmente de fora do rotativismo oligárquico liberal-conservador que há décadas monopoliza o poder no país. Petro foi, na juventude, guerrilheiro do M-19; esteve preso, converteu-se à democracia representativa e chegou a deputado e a presidente da Câmara de Bogotá. Esta foi a sua terceira tentativa presidencial, com um programa em linha com as “novas esquerdas” latino-americanas. Na Colômbia, o povo, aparentemente farto das elites, entre um populista de direita – Hernandez – e um de esquerda – Petro – escolheu o de esquerda.

A Colômbia segue assim a regra do sub-continente americano onde, à excepção do Brasil, do Equador, da Guatemala, do Uruguai e do Paraguai, governados à direita, ou da Costa Rica, do Panamá e da República Dominicana, governados ao centro, todos os outros países – e os mais importantes – escolheram a Esquerda ou, como não há “extrema-esquerda”, a Nova Esquerda mais ou menos iliberal (equivalente, àquilo que, à direita, poucos hesitariam em chamar “extrema-direita”, agregando-lhe o inevitável “perigo”).

Lopez Obrador no México e Alberto Fernandez na Argentina são exemplos desta nova vaga e as felicitações pela vitória, chegadas a Bogotá vindas de Cuba e da Venezuela, testemunham o regozijo dos compagnons de route. Para já, entretanto, os discursos quer de Petro, quer de Hernandez, foram cautelosos. O novo presidente foi mesmo correcto e tranquilizante.

A marcha deste mundo

“O Senhor conduz a marcha deste mundo”, costumava cantar-se na missa. Haverá nestas três eleições alguma coisa que nos ajude a entender “a marcha deste mundo” e quem é que agora a conduz? É que o Senhor parece ter deixado de o fazer, ou fá-lo-á por caminhos cada vez mais ínvios e linhas cada vez mais tortas.

Foi claro, na Colômbia e em França, com o fim do rotativismo conservadores-liberais e, em França, com a perda da maioria da coligação macronista Ensemble, que o centro e os partidos da esquerda e direita clássicas continuam a perder terreno. Foi também claro que aquilo a que se convencionou chamar “populismo”, por comodidade e interesse, continua em marcha: em França com Le Pen e Mélanchon; na Colômbia com Petro e Hernandez. Já em Espanha, onde a chefia de Estado é monárquica e a questão da unidade nacional central, com a subida do populismo de direita (se assim considerarmos o Vox) e a queda do de esquerda, com o Podemos, o sistema PP-PSOE aguentou.

A guerra da Ucrânia e a gestão política norte-americana e europeia da crise parecem estar a abalar os fundamentos económicos e sociais das democracias liberais, agravando as condições de vida das classes baixas e médias, e alargando o fosso entre “as elites” e “o povo”.

Em termos geopolíticos, basta ver a política e a prática de sanções à Rússia nos vários continentes – Ásia, América Latina e África – para perceber que a contraposição ideológica entre “democracias” e “autocracias”, avançada pela Administração Biden, não será propriamente uma fórmula de sucesso para preconizar uma “vitória das democracias”. Sobretudo se, pensando para além das retóricas de princípios, repararmos que o Euromundo do Hemisfério Norte está cada vez mais longe de ser um modelo universalmente seguido, e que a História não acabou – e as nações e os seus interesses muito menos.

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COMENTÁRIOS:

vitor Manuel: Resumindo e concluindo, um horizonte bastante nebuloso.              Rui Lima: Estão todos zangados com o que têm e 90% da população dos países ricos já nasceu na era do consumo. Mas acima de tudo o cidadão normal não compreende os políticos de hoje. Dou um exemplo: o actual ministro da educação francês é um ultra-radical de esquerda Pap Ndiaye defende o estado “dono de tudo”. Mas tem os filhos na escola da elite École alsacienne. Estes políticos quando têm problemas de saúde vão ao privado e ao melhor que existe - Hôpital Américain de Paris. A esquerda tem sorte ninguém lhes exige coerência .            vitor Manuel > Rui Lima: Repare que o camarada dos Santos optou, contrariamente ao que seria de esperar, por um hospital de Barcelona rejeitando os excelentes hospitais de Havana e Moscovo. Em Portugal é a mesma coisa, veja-se o caso da ex-Secretária de Estado da Educação grande defensora da "Escola Pública" com as suas filhinhas no colégio alemão em Lisboa e os nossos solidários funcionários públicos, também eles grandes apoiantes da "causa pública", ferozes defensores dos hospitais privados onde são tratados.               Xico Nhoca: Quem concorre às eleições é para ganhar o poder. Ganha o poder quem é mais votado. As estatísticas dizem que há aproximadamente 60% de analfabetos funcionais (eufemismo para idiota). Não fui eu que os contei, são as estatísticas que o dizem. Portanto quem falar para estes e ganhar os votos destes tem o poder assegurado. O populismo é uma inevitabilidade da democracia. A abstenção vai aumentando porque há 40% de pessoas que sentem que não é para elas que estão a falar os políticos. Vejam o conceito de ineptocracia, é justamente o que escrevi acima mas dito de uma forma que nem os idiotas percebem!              advoga diabo: Sente-se a manifestamente exagerada rejubilante alma de JNP. Amanhã será o inverso, chama-se alternância no poder e é essência da Democracia que muito incomoda personagens como JNP! Sem dramas.            João Ramos: “Sobretudo se, pensando para além das retóricas de princípios, repararmos que o Euromundo do Hemisfério Norte está cada vez mais longe de ser um modelo universalmente seguido, e que a História não acabou – e as nações e os seus interesses muito menos.” citação que dá muito que pensar… muito bem como sempre JNP!              bento guerra: Para estes conservadores, quando perde o centro, não é pela incompetência e o desprezo pelo sentimento popular, mas porque vêm aí "os populistas"            João Ramos > bento guerra: Infelizmente ainda há muito pateta neste mundo…           Xico Nhoca > João Ramos: Dizem que há 60% de analfabetos funcionais (eufemismo para idiota ou pateta). Estão aí para ser utilizados por mentes menos escrupulosas. Longa vida ao populismo!             Maria Nunes: Excelente artigo.               Madalena Sa: Muito bom este artigo!

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