Económico, feito a preceito, contestável,
segundo os usuais contestatários. Mas a guerra na Ucrânia em vias de alastrar por
aí, essa não engana, com grande preceito.
O duro golpe que a invasão da Ucrânia
está a causar na economia da Rússia (e como Putin tenta escondê-lo)
Vendas de petróleo e gás ajudam
Moscovo a mascarar os danos que a guerra e as sanções estão a causar na
economia russa. Putin tenta passar imagem de normalidade mas economia pode cair
15% – ou mais.
OBSERVADOR, 14 jun 2022, 21:0165
Taxa de desemprego em mínimos
históricos, uma moeda (o rublo) que já recuperou das fortes perdas e, até, uma
taxa de inflação que baixou para níveis perto de zero – contrastando com a
escalada dos preços no Ocidente. Estes
são alguns indicadores que estão a ser utilizados pelo Kremlin para tentar
passar uma imagem de resiliência na economia russa, apesar de todas as sanções
que lhe foram impostas e mesmo perdendo o contributo das largas centenas de
empresas que estão a sair do país. A
realidade, porém, é bem mais negra do que Putin a pinta: por detrás dos dados económicos escolhidos a dedo (e de
validade questionável, em alguns casos) está uma queda
do PIB que pode superar os 15% e um retrocesso económico de 15 anos – que só as
vendas de petróleo e gás, incluindo à Europa, permitem continuar a mascarar.
A
informação não foi passada publicamente, em conferência de imprensa, mas acabou
por chegar às agências noticiosas russas. Num conselho de ministros em Moscovo,
na última terça-feira, o Presidente
russo terá enumerado um conjunto de “sucessos na frente económica” incluindo uma taxa de desemprego que, tanto em
abril como em maio, se manteve num valor historicamente baixo – 4%. “O
número de desempregados não só não aumentou como, até, baixou ligeiramente“,
terá dito Vladimir Putin, com base em dados publicados pelo gabinete oficial de
estatísticas, o Rosstat.
Como
é possível? Alguma
alegada manipulação das estatísticas, o recurso ao emprego estatal e a pressão
sobre as empresas (para não despedirem) podem ajudar a explicar boa parte das
razões por que a taxa de desemprego (oficial) não está a subir. Hassan Malik,
analista da consultora de investimentos Loomis Sayles, em Boston, atribui “a persistência de níveis de desemprego relativamente
baixos a algum açambarcamento de postos de trabalho”, ou seja, empresas
públicas ou empresas “influenciáveis” pelo Estado que estão sob pressão para
manter os trabalhadores nas suas fileiras ou, até, a contratar novos – mesmo
que as necessidades de pessoal não sejam tantas quanto dantes.
À Business Insider, Hassan
Malik explica que há muitos
anos que são bem conhecidas as tácticas
de “pressão implícita” que o regime de Putin emprega para persuadir as
companhias a não mandarem para casa grandes números de trabalhadores. Este analista, com experiência em investimentos na
Rússia, sublinha que “a importância que Putin atribui ao nível da taxa de
desemprego leva-me a crer que existe uma estratégia de manter uma pressão
informal, sobre os empregadores, para que não despeçam”.
Em
algumas situações, essa preocupação com a taxa de desemprego manifesta-se de
forma mais transparente. A recente
venda das operações da McDonald’s na Rússia,
que resultou no relançamento da cadeia, que pelo seu
simbolismo reuniu grande atenção mediática, envolveu um
compromisso, assumido pelo empresário que comprou as operações, de que irá
manter todos os postos de trabalho intactos por um período mínimo de dois anos,
após esta aquisição. Esta foi uma
preocupação que também
houve em vários outros processos de desinvestimento empresarial, entre os mais
de 1.000 casos de empresas que saíram do mercado russo – incluindo algumas
empresas que apenas saíram por questões morais, sem que houvesse qualquer tipo
de sanção a obrigá-las a deixar o país.
“Obviamente
que o governo russo tem um incentivo para tentar esconder o impacto económico
das sanções. Portanto qualquer forma que tenham de retratar o mercado de
trabalho de forma criativa, tentando mascarar o verdadeiro impacto, estou
convencido que eles irão recorrer a esses expedientes – faz todo o sentido que
o tentem fazer”, corrobora
outro especialista, Andrew Lohsen, do think tank Center for Strategic and
International Studies (CSIS) em Washington DC.
▲"Governo
russo tem incentivo para tentar esconder o impacto económico das sanções.
Qualquer forma que tenham de retratar o mercado de trabalho de forma criativa
vão utilizá-la", diz analista. YURI KOCHETKOV/EPA
Outro
dos “sucessos” citados por Vladimir Putin terá sido uma aparente estabilização
da inflação, deixando
para trás a forte subida dos preços que marcou as primeiras semanas após o
início da guerra. “Temos uma inflação de zero, agora“, afirmou o
Presidente russo, na reunião do conselho de ministros cuja ata foi noticiada
pela imprensa russa.
Logo após a invasão da Ucrânia, à
medida que o rublo derrapava, o índice de preços no consumidor em maio atingiu
os 17,1% em termos homólogos e 7,6% em comparação com o mês anterior. Mas Putin
garantiu que se conseguiu “agarrar” a inflação: “a partir da segunda metade de
maio, o crescimento dos preços parou completamente – agora temos uma inflação
de zero“, afirmou.
Tendo
em conta que a inflação se transformou na preocupação
número 1 em quase todo o Ocidente, a
aparente inexistência de uma rápida subida dos preços está a ser usado pela
propaganda do Kremlin para levar o público a acreditar que as sanções aplicadas
pelos EUA e pela Europa são um feitiço que está a virar-se contra o feiticeiro
– e na Rússia, em contraste, a subida dos preços está controlada.
Mas
há outra forma de olhar para os dados, mesmo assumindo que reflectem fielmente
a realidade: “O que os comentários de Putin querem dizer, na verdade,
é que a economia está a ficar em maus lençóis“, disse ao The Moscow Times o analista Nick Trickett,
ligado ao Foreign Policy Research Institute, de Filadélfia. Mais de que inflação
zero, o que os dados mostram é que houve semanas de descida nos preços – o que
pode ser o primeiro sinal de que a economia russa pode estar a enfrentar o
problema inverso: a deflação, o que por definição traduz um quadro de pessimismo,
quebra na atividade económica e pressão sobre os postos de trabalho.
“Ele
está apenas a tentar vender aos cidadãos a ideia de que os tecnocratas do seu
governo estão a fazer coisas para impedir o aumento dos custos de produtos
básicos, incluindo os bens alimentares”,
acrescenta Nick Trickett. Este é um ponto de vista partilhado por Olga
Belenkaya, analista de macroeconomia citada pelo mesmo The Moscow Times. “Globalmente
falando, uma deflação sustentada ou uma inflação mais baixa do que os 4%
idealizados pelo banco central podem ser um sinal de procura económica em
retração, o que pode acelerar o declínio económico“, diz a especialista,
que lidera o departamento de pesquisa económica da consultora russa FG (Finam).
Intimamente ligada à evolução dos preços
está a cotação do rublo, a divisa russa cuja recuperação também foi citada por
Vladimir Putin como um sinal de “sucesso” na frente económica. Na
verdade, o rublo já fez muito mais do que apenas recuperar das fortes perdas
que se seguiram à invasão da Ucrânia – mas também há algo por detrás disto.
É sobretudo graças a controlos de
capitais de vária ordem que se está a sustentar o valor do rublo nos mercados
cambiais. Um exemplo é a obrigação que todas as empresas
(exportadoras) tiveram de converter pelo menos 80% das suas reservas de moeda
estrangeira em rublos. Por outro lado, os residentes na Rússia (russos ou não)
foram proibidos de contrair créditos em moeda estrangeira e, também, passaram a
ter grandes limitações nas transferências de dinheiro para o exterior.
O
outro “ás de
trunfo” de Putin
para sustentar o valor da moeda foi a decisão de exigir pagamento em rublos aos
estrangeiros que compram o gás e o petróleo da Rússia. Se essa decisão levou a uma disputa com os países
aliados – que querem continuar a pagar em dólares ou euros, como sempre fizeram
– a realidade é que outros países menos envolvidos no
conflito têm aproveitado os descontos e, de bom grado, aceitado a exigência de
Putin. É o caso da China e da Índia, entre outros.
Perante
o alcance limitado das sanções até agora
impostas na exportação de energia russa, a
Rússia deverá receber o equivalente a 285 mil milhões de dólares em receitas de
petróleo e gás natural – um valor que sobe mais de 20% em relação a 2021,
segundo um cálculo recente feito pela Bloomberg e que reflecte a subida dos
preços destas matérias-primas, além de uma procura muito pouco afetada pelas
sanções.
Essas
receitas adicionais têm permitido ao banco central russo acumular moeda que
permite fazer intervenções directas nos mercados cambiais, usando outras
divisas para comprar rublos e, assim, sustentando o valor da moeda da Rússia. O rublo foi
suportado nas últimas semanas, até, por um “coelho tirado da cartola” que foi uma indexação (temporária) do rublo ao
ouro, maior símbolo de estabilidade e credibilidade nos mercados financeiros.
Todas
estas intervenções – que só são
possíveis em parte porque a Europa continua a contribuir com as suas compras de
energia – estão a
permitir que Vladimir Putin mantenha uma aparência de normalidade económica.
Mas o impacto será cada vez mais difícil
de disfarçar, comentou Sergei Guriev, economista-chefe do Banco Europeu de
Reconstrução e Desenvolvimento, num artigo de análise publicado pela
Reuters onde este economista no exílio diz que os russos podem, no
geral, estar a sentir pouca “dor” económica agora mas “as perspetivas a longo
prazo são cada vez mais negras”.
Alguns
indicadores mostram, porém, que as
fendas já começaram a abrir-se na economia russa. De acordo com o jornal Kommersant, a receita de
IVA na Rússia afundou 54% em abril, na comparação homóloga. Por outro lado,
as vendas de carros afundaram 83% em maio, na comparação com o mês anterior
– em maio de 2021 venderam-se 150 mil carros na Rússia, agora o ritmo baixou
para uma fracção disso. Outros indicadores apontam para um cenário menos negativo – como o consumo energético, que apenas está a baixar
ligeiramente em relação ao pré-guerra e ao período homólogo.
O
ministro da Economia, Maxim Reshetnikov, já veio admitir que a economia russa
está a braços com uma “crise de procura“. A
última estimativa da OCDE é que o Produto Interno Bruto (PIB) da Rússia pode
cair 10% em 2022 e mais 4% em 2023 – valores altíssimos para qualquer padrão
histórico mas não é difícil encontrar projecções ainda mais negativas. O
governo britânico tem uma estimativa de quebra no PIB de 15%, o mesmo que prevê
o Instituto Internacional de Finanças (IIF), uma organização do sector
financeiro que, há poucas semanas,
teve o seu economista-chefe a apontar para uma contracção bem pior numa
economia que estava “em implosão”: 30%.
Quando a guerra começou, a Rússia deixou
de publicar vários indicadores estatísticos, incluindo no campo do comércio
externo, pelo que não é possível avaliar, por aí, se a estimativa do
economista-chefe do IIF será exagerada. Porém, oficialmente, o IIF prevê uma
recessão de 15% para a Rússia, mais 3% no próximo ano, fruto das sanções às
importações de produtos tecnológicos essenciais e à “fuga de
cérebros” que a guerra já estará a provocar no país.
São
15 anos de progresso económico que vão por água abaixo, diz o organismo, num relatório publicado a 8 de junho.
Com a invasão da Ucrânia, abriu-se
caminho a uma “desintegração de 30 anos de investimento”, afirmou Elina Ribakova, economista-chefe adjunta do
IIF, na apresentação de um relatório que tentou quantificar o impacto da guerra
na economia russa: “Como é que se calcula um número desses quando se está a
estoirar com 15 anos de criação de cadeias de valor?”, perguntou a
especialista, citada pela Reuters.
Para Vladimir Putin e para a economia
russa os danos passarão a ser exponenciais se os países do Ocidente, sobretudo
a Europa, eliminarem mesmo a dependência da energia russa ao longo dos próximos
anos. “No horizonte podem estar a tomada de
medidas adicionais [isto é, sanções], incluindo aquelas relacionadas com o
sistema financeiro e/ou com importantes produtos de importação ou exportação
russa”, afirmou o IIF, acrescentando que, a confirmarem-se, “levarão a
consequências dramáticas para a economia russa, bem como para a capacidade de
continuar com o esforço de guerra“.
Mesmo
que o conflito e as sanções não “escalem” (expressão usada pelo IIF) já nada evitará que os danos económicos a prazo sejam
de um alcance histórico. O que
deixará Putin ainda mais longe do objectivo que fixou em 2000, quando subiu à Presidência da Rússia: na altura, escreveu que
até ao final dos seus dois mandatos como Presidente a Rússia ultrapassaria o
nível de PIB per capita de Portugal – na altura o país mais pobre da União
Europeia – ou seja, o volume de produção de riqueza anual dividido pelo número
de habitantes.
A
Rússia fracassou nesse objetivo, na altura visto como potencialmente exequível,
como recorda o think tank Atlantic Council: mesmo com o impacto da crise das dívidas
soberanas (2011-2015), o PIB per capita de Portugal era no final de 2021
praticamente o dobro do russo.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO ECONOMIA RÚSSIA
COMENTÁRIOS:
Miguel Pinheiro: Com estes indicadores fabulosos até estou tentado a emigrar para a Rússia, Não deve haver país mais competitivo no planeta. PS: o PCP já deve estar a propor as ideias do grande economista Putler. Amando Marques: coisas totalmente irrelevantes: "La deuda italiana y la española entran en zona de peligro ante la pasividad del BCE" - cinco dias, espanha. Joao Mar: a valorização do Rublo face ao Euro e Dólar e a inflação a descer na Rússia enquanto sobe a pique na Europa e EUA e o aumento dos lucros de venda de petróleo e gás russos deve ser mais um sinal do Putin a esconder o "golpe na economia Russa"... artigo para rir de tao ridículo e falacioso... ficaremos á espera (sentados) dum artigo sobre a contracção do PIB registada ontem no Reino Unido e nos EUA não será diferente onde estão com inflação mais elevada dos últimos 40 anos Amando Marques: O golpe na economia portuguesa e como o PS tenta esconde-lo fica para outro dia, Manuel Mestre > Amando Marques: Ó meu caro Armandinho. Aqui temos o INE, o Tribunal de contas, parlamento, os partidos da oposição, as associação patronais, os sindicatos. a imprensa livre e mais não sei o quê. Por muito que lhe custe, isto não é a Rússia……… Coronavirus corona > Manuel Mestre: Lá também têm essa tralha toda. Cá, tal como lá, está toda instrumentalizada e ao serviço do regime. A ideia que a de cá é melhor e mais honesta é publicidade enganosa………………. PortugueseMan: A Rússia em 2014, tinha: Aproximadamente 1000 toneladas de ouro, em 2022 tem 2300 toneladas. Importava leite, em 2022 é o 5º maior produtor. Não era o maior exportador de trigo, mas em 2017, tornou-se o maior exportador do mundo. Não tinha GPS com cobertura global, mas em 2015 tinha. Não tinha a maior ponte da Europa, em 2020 tinha (rodoviária e ferroviária) ligada à Crimeia. Não tinham navios GNL da classe arc 7, em 2018 passaram a ter Não construíam navios GNL arc 7, agora constroem. Não tinham estaleiros com capacidade de construir estes navios, agora têm. Havia OPEC, agora existe a OPEC+, e a Rússia regula o preço em conjunto com a Arábia Saudita. Não existiam armas hipersónicas, agora têm. E ainda aumentaram as reservas financeiras, durante este período de tempo, apesar de estarem debaixo de sanções e num grande processo de modernização das suas forças militares. Portanto, não, não me venham com conversas da treta.nA Rússia está de facto a aguentar muito bem o impacto, superando todas as expectativas. E não vamos ficar por aqui. Je vous accuse > .PortugueseMan: Uma fotocopia do que era a Alemanha antes de Hitler e durante o governo de Hitler...vamos ver uma Rússia como era a Alemanha depois da queda de Hitler? ...espero que Putin tenha o mesmo final do "querido" Adolfo. PortugueseMan > Je vous accuse: A Alemanha não tinha energia e matérias primas suficientes. Enterrou-se a tentar chegar à energia e matérias primas russas. A Alemanha estava a expandir o controlo em várias frentes. A Rússia apenas está a meter o pé na Ucrânia. Não vai avançar pela Europa. Eventualmente num ou outro país europeu, conforme correr a coisa... Pipa Melo > PortugueseMan: Ai esses devaneios comunas... URSS já acabou há muito Coronavirus corona > PortugueseMan: Em fevereiro tinham uma dívida pública de 18%. Nós temos uma superior a 120%. Ler estes comentários traduz-se em constatar, em tempo real, como a população, tal como no passado, engole a propaganda estatal de uma golpada. Mesmo sob uma crise que já nos está a atingir em cheio, acreditamos que é para o bem da nação e para combater o inimigo, mesmo com Bruxelas a vedar-nos os canais russos, achamos que apenas os russos condicionam a liberdade de imprensa, mesmo com este tipo de notícias (que nunca lemos a respeito dos nossos governantes) acreditamos que estamos a ler notícias isentas, mesmo com a Rússia a dominar os territórios até à Crimeia e praticamente todo o Donbass, acreditamos que a campanha está uma desgraça e a Rússia prestes a render-se, mesmo que, de súbito, tivessem visto doenças, maleitas e desgraças em Putin, não acham essa coincidência estranha. Não acredito que a Rússia tivesse planeado desta forma e que Kiev tivesse sido mera estratégia. Mas devemos ter a mesma frieza para o lado de cá: aquilo que nos servem ao telejornal é a retórica conveniente ao lado de cá da barricada.
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