sábado, 4 de junho de 2022

Clarificação


Do texto anterior do Sr Embaixador, sobre a tese de Teresa de Sousa, em torno de Kissinger e de Biden a respeito da guerra e os acordos ou não, da Ucrânia com a Rússia. Diana Soller expõe bem. Nós por cá, por enquanto, estamos expectantes, desejosos de que os EU não desistam de ajudar a Ucrânia, poderosos que são, para evitar que a Rússia alargue o seu campo de manobra, vae victis!

 

Biden, Kissinger e 100 dias de guerra

A Ucrânia de Kissinger voltará a ser um estado tampão entre a Rússia e a Europa; a Ucrânia de Biden é a parte da comunidade transatlântica. Com Kissinger há apoio; com Biden há um compromisso.

DIANA SOLLER Colunista do Observador

OBSERVADOR, 04 jun 2022, 00:142

Ontem a Guerra na Ucrânia atingiu os 100 dias, sem fim à vista. Está longe de ser uma guerra longa – até agora – mas sendo um conflito que não fazia parte dos nossos cálculos, que prende toda a nossa atenção, e transmite um sentimento de insegurança relativamente ao futuro, estes mais de três meses parecem intermináveis. Já transformaram a Europa, a nossa perceção da Ucrânia (e para alguns, mais iludidos, da Rússia) e já nos fez perceber que o mundo, o nosso mundo cheio de ilusões de paz, não voltará a ser o mesmo.

Um dos desenvolvimentos mais importantes desta semana foi o artigo publicado pelo presidente dos Estados Unidos no New York Times. À primeira vista, serve para dirimir a neblina que se gerou à volta do papel dos Estados Unidos na guerra. Algumas confusões relativamente ao envio de armamento – e que tipo de armamento – e às possíveis reacções da Rússia, levaram Joe Biden a escrever sobre a posição exacta da América neste conflito. Mas mais importante, este artigo é também uma resposta a Henry Kissinger.

O antigo secretário de Estado de Richard Nixon continua a ser uma das vozes mais respeitadas entre as elites da política externa norte-americana. De Davos, a semana passada, Kissinger argumentou que a Guerra na Ucrânia deveria terminar à mesa das negociações o mais rapidamente possível. Na sua óptica, Kiev tem de reconhecer perda de território, caso contrário, o conflito tenderá a ser duradouro. Subentende-se que Kissinger acredita que o desfecho da guerra está traçado. Subentende-se também que acredita que a superioridade militar da Rússia é intransponível, que receia um prolongamento do conflito à custa do tesouro norte-americano e europeu, e que, em última análise, desconfia que Putin pode ter a tentação de usar armamento de destruição maciça na Ucrânia ou que a guerra se alastre a território da NATO.

Desde já, importa dizer que esta posição não é anti ucraniana. Há muito boa gente que a defende e não inteiramente sem razão. A Rússia tem conseguido avançar no terreno do leste da Ucrânia apesar dos fracassos da decapitação de Kiev e do cerco à capital pelas forças do Kremlin. E as perdas de vidas humanas, bem como a destruição do território ucraniano, têm levado cada vez mais vozes a levantarem-se a favor da paz a qualquer preço.

Mas Joe Biden veio escrever publicamente que não é assim. Diz que está ciente que as negociações de paz decorrerão consoante o momento do conflito em que ocorrerem, e que os Estados Unidos querem no futuro uma “Ucrânia democrática, independente, soberana e próspera, com os meios para conter e defender-se de futuras agressões”. Para isso, os Estados Unidos estão dispostos a fornecer armamento e munições desde que – primeira linha vermelha, esta dirigida à Ucrânia – estes não atinjam território russo.

Mas mais importante, o presidente norte-americano usa a expressão “nothing about Ukraine without Ukraine”. Esta frase tem duplo significado: por um lado, os EUA “não procuram uma guerra entre a Rússia e NATO” ainda que marquem a linha vermelha relativamente à Rússia no que respeita ao uso de armamento nuclear, mas também recusam fazer qualquer pressão sobre a Ucrânia para que esta se sente à mesa das negociações. Esse momento chegará – subentende-se, mais uma vez – quando Kiev decidir, por exaustão da guerra, ou por ganhar vantagem territorial que lhe permita chegar ao status quo ante bellum. Esta posição põe o acento tónico no que a Ucrânia já conseguiu: dissuadir a Rússia dos seus planos iniciais de decapitar o regime ou tomar Kiev e ter impedido, até agora, que Moscovo ganhe a guerra, o que há três meses parecia impossível. É também a assunção do compromisso de manter activo um exército que sem o apoio financeiro e militar dos Estados Unidos e a Europa provavelmente já teria perecido. E aceitar que o conflito se pode perlongar no tempo.

Mas a questão mais profunda é que a hipótese Kissinger, mais segura, e a hipótese Biden, mais arriscada, preconizam papéis diferentes para a Ucrânia – e a Europa, por arrasto – no pós-guerra. A Ucrânia de Kissinger voltará a ser um estado tampão entre a Rússia e a Europa; a Ucrânia de Biden é a parte da comunidade transatlântica. Com a Ucrânia de Kissinger há apoio; com a Ucrânia de Biden há um compromisso.

A guerra é volátil em muitos aspetos, inclusivamente no que respeita a posições políticas. Dentro de meses a ideia de Biden poderá ser insustentável pelas mais diversas razões, incluindo por falta de apoio da opinião pública ou do Congresso, que tem o papel de aprovar os pacotes de ajuda a Kiev. As fissuras na Europa, sobre as quais escrevi a semana passada, podem adensar-se. E a Ucrânia, por mais apoio que tenha, pode efectivamente perder a guerra. Mas uma coisa é certa. Kissinger, Biden e os apoiantes de cada uma das posições não debatem apenas o desfecho da guerra. Debatem o futuro das fronteiras de segurança da Europa. Estamos em fase de escolhas muito difíceis. Esta é só uma delas.

GUERRA NA UCRÂNIA  UCRÂNIA  EUROPA  MUNDO

COMENTÁRIOS:

PortugueseMan: ...De Davos, a semana passada, Kissinger argumentou que a Guerra na Ucrânia deveria terminar à mesa das negociações o mais rapidamente possível...  Claro. Na nossa perspectiva isto faz todo o sentido. O homem, já percebeu que a Ucrânia não vai conseguir impedir os avanços russos. É essencial que se pare com os avanços. Mas essa técnica já foi usada. Nos acordos de Minsk. Os avanços pararam por negociações (e com isto salvaram Mariupol na altura). E deu no que deu. Agora, os russos só vão parar quando quiserem. Não são os russos que têm interesses em negociar. Os russos não vão negociar, vão impor. Não há nada a negociar. Os russos vão ocupar o que têm planeado. Ponto.             PortugueseMan: ... Mas uma coisa é certa. Kissinger, Biden e os apoiantes de cada uma das posições não debatem apenas o desfecho da guerra. Debatem o futuro das fronteiras de segurança da Europa. Estamos em fase de escolhas muito difíceis. Esta é só uma delas... Quem devia estar a debater o futuro das fronteiras de segurança da Europa, deviam ser os europeus! Os europeus! Mas estes políticos europeus da tanga, mais analistas e imprensa atiraram-nos para o fosso. A Rússia está a combater os avanços dos americanos no continente europeu e aquelas bases na Polónia e Roménia foram a gota de água. Os russos tentaram ir a negociações. Não conseguiram. O combate entre as super-potências não é na Ucrânia, é na Europa! Os europeus vão ser usados para desgastar a máquina de guerra russa. Felizmente para nós, que não está reservado o mesmo destino que os ucranianos. Para já. Mas é melhor pensar o que vamos fazer se os russos decidirem atacar alvos estratégicos na Europa. Ou vamos deixar que os americanos decidam por nós?

 

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