Sobretudo se o bacalhau for da Noruega,
para nossa distinção, que sempre buscámos longe os acepipes e condimentos para satisfazer
o nosso ventre guloso.
Só entristece que nem estes críticos
esplendorosos como AG – que não esmorecem, contudo, benditos sejam - tenham
algum efeito positivo sobre a falta de pudor nacional, que se fica pela laracha,
para a “barrigada de riso”, já apreciada pelo João da Ega, este tal que também
vivia às sopas da mãe. Já Eça, pois, detectava, como sabemos, os nossos jeitos nacionais,
quer os do mando, quer os mandados - sem efeitos de maior, que também ele era
apreciador de bons pratos, embora menos citadinos… Também nos conheceu bem, o
Eça e nos fez e faz rir, mas nem por isso nos revemos e mudamos. Hoje até somos
mais directos, mas o ataque fulanizado já não envergonha os visados, que vão continuando
impávidos e serenos nas suas labutas de amor-próprio, sob disfarce
altruístico... E ai de nós, afinal, se não fossem esses, pois parece que já nem
há doutros, neste país de cangalhas.
Para quem é, bacalhau à Brás basta
Não é novidade que o fundamental é
salvar o SNS que, na sua ignorância, uns pândegos haviam criado para salvar
pessoas. Estar doente é promover a instabilidade política e viver roça a
traição à pátria
ALBERTO GONÇALVES, Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 25 JUN
2022
E,
ao vigésimo segundo dia do mês de Junho, Graça
Freitas chamou os
jornalistas a Alpiarça para encarreirar o povo rumo a um “Verão seguro”. E
disse que “quando temos a pouca sorte de adoecer em férias ficamos um bocadinho
desorganizados”. Porquê? “Porque estamos fora do nosso habitat natural, fora do
nosso centro de saúde, fora do nosso hospital, fora do nosso médico”. E disse
que “costuma dizer” que “a pior coisa que nos pode acontecer é adoecer em
Agosto”. Porquê? “Também porque os nossos médicos não ‘tão’ lá, também ‘tão’ de
férias noutro sítio qualquer.” E disse a um tal “dr. Pisco” (?) que não estava
“a fazer nenhuma piada de mau gosto”, mas “a constatar um facto que Agosto
não é um bom mês para se ter acidentes e doenças”.
De
seguida, a dra. Graça desceu ao pormenor e puxou do conhecimento técnico: “Não
sei se têm noção que no Verão há muitas toxinfecções alimentares colectivas.”
Para que os culpados não ficassem impunes, a dra. Graça acusou: “O grande responsável é o bacalhau à Brás”. Porquê? Porque “aqueles grandes convívios,
piqueniques, excursões, uma das coisas que é mais usada é o bacalhau à Brás,
que está pré-feito desde manhã e depois aquece-se, não chega a aquecer à
temperatura suficiente, e aquilo leva ovos, e aqueles ovos são uma cultura para
as salmonelas do melhor que há.” Então a dra. Graça riu: “Até é pouco estimulante para investigar e para
estudar: as toxinfecções alimentares são invariavelmente bacalhau à Brás e
salmonelas”.
Em
Alpiarça, a dra. Graça não se ficou por aqui. Ainda arranjou tempo para
“cumprimentar o secretário de Estado adjunto e da Saúde, dr. Lacerda Sales, o
meu secretário de Estado” (riso subalterno). E precisou: “Eu diria até o
nosso secretário de Estado. Muito obrigado, sr. secretário de Estado, não
só por hoje mas por todos estes anos em que temos trabalhado juntos, e nós
devemos-lhe, de facto, muito.” Noutro momento vital da intervenção, a
dra. Graça confessou ter “almoçado brilhantemente”, dádiva que “o sr.
secretário de Estado” não sabia que perdera: “‘tava’ magnífico”. Aceitam-se
apostas clandestinas sobre as iguarias em questão.
A
dra. Graça é a responsável maior pela Direcção-geral da Saúde (um responsável
menor foi uma vez às televisões proferir “póssamos” e “fáçamos”). Em
escassos minutos, exibiu uma enorme desconfiança no SNS que tenta defender,
abundante destrambelhamento e a espectacular sabujice. Nos dois anos e meio
em que entrou na ribalta, nunca se desviou desses traços de carácter. A dra.
Graça denuncia o excessivo optimismo do Princípio de Peter, segundo o qual cada
indivíduo pode ser promovido até ao nível da sua incompetência: suspeito que a
senhora já demonstraria inaptidão no estágio de uma sapataria, sem ofensa para
os estagiários em sapatarias. A dra. Graça, em suma, daria pena, não fora o
pormenor de ser um exemplo corriqueiro dos numerosos matraquilhos que o dr.
Costa nomeia para dirigir o país, do “sr. secretário de Estado” à ministra,
passando pelas resmas de bajuladores que ocupam lugares na Saúde e no resto.
Sendo um caso de miséria, a dra. Graça é apenas um entre muitos. Miserável é
o país. E pena damos nós.
Seria
injusto reduzir o cenário de catástrofe aos empregaditos assumidos do dr.
Costa. Instado a comentar as declarações da dra. Graça, o presidente da
República concordou e reforçou: “Cada qual fará o esforço para não estar
doente, por si mesmo, e para não pressionar o cuidado da saúde dos outros”.
Os portugueses que tencionavam adoecer no Verão ficaram desconsolados.
Porém, não é novidade que o fundamental é salvar o SNS, que, na sua ignorância,
uns pândegos haviam criado para salvar pessoas. Aliás, o próprio dr. Costa
afirmou, numa quinta ou sexta-feira, que na segunda-feira seguinte – a que
passou – boa parte dos problemas do SNS estariam resolvidos. Para ajudá-lo a
resolver os problemas que sobraram, basta erradicar o bacalhau à Brás dos
piqueniques. No limite, erradique-se a população. Estar doente é promover
a instabilidade política e viver roça a traição à pátria. É assim, não é?
Habituámo-nos
a imaginar que as “elites” políticas vêem os cidadãos como crianças de colo, ou
débeis mentais. E é verdade: quando justificou os injustificáveis delírios da
dra. Graça, o prof. Marcelo lembrou que, “na nossa juventude”, os pais, os
amigos e os professores nos aconselhavam, pelo que, “portanto, os responsáveis
políticos podem recordar evidências”.
Temos
é de deixar de acreditar que as “elites” são diferentes de nós, e são “elites”.
Não são. A sociedade infantilizada que vota nessa gente e a sustenta é aquela
de onde essa gente emerge. E multidões infantis dificilmente produziriam
estadistas adultos. Por regra, as “elites” são os cidadãos comuns, acrescidos
de sorte, ambição, uns pozinhos de manha, vasta falta de escrúpulos e, na
maioria, a inscrição no partido certo. Pensando melhor, as “elites” estão uns
furos abaixo dos cidadãos comuns.
Não pretendo desculpar os titulares
políticos e aparentados, ou esquecer o brutal desprezo que dedicam a quem
deviam servir. Pretendo
notar que, se a desumanidade deles é óbvia, a idiotia não é facultativa. E não
é por serem maus, no sentido de malignos, que são maus no sentido de inaptos.
Em geral, os espécimes que hoje mandam em nós acumulam, e ambas as
características contribuem para a nossa desgraça. E para a nossa Graça. À semelhança do que sucede sempre que ouvimos a sra.
directora, é possível achar-se que os espécimes que mandam nisto estão a gozar
connosco. Mas é garantido que a realidade está a gozar com eles. E com todos,
uma receita de bacalhau que talvez salve o SNS. Entregue a tontos, Portugal é
que não tem salvação. E os tontos que o entregaram não se importam.
MINISTÉRIO DA
SAÚDE, GOVERNO POLÍTICA SERVIÇO
NACIONAL DE SAÚDE PAÍS
COMENTÁRIOS:
Alfredo Vieira: Alto nível, parabéns!
José Paulo C Castro: Já consideraram que o motivo de o PM manter certas
pessoas em funções é a ausência de alternativa que aceite as funções e na qual
haja confiança mútua? É um universo exíguo. Fora disso, restam as bancadas
do PS... António
Lamas: Mais uma vez, brilhante. Obrigado Alfredo Gonçalves. Costumo
dizer que a culpa do estado a que isto chegou é dos "Peter". O do "Princípio" e o
do "Síndrome de Peter Pan", doença que sofre o professor Marcelo . No
tempo do Dr Salazar, obrigavam-nos a cantar o "Lá vamos cantando e
rindo". Hoje não cantamos, choramos. José Dias: É uma constatação que também já
por aqui por mais que uma vez referi: os eleitos não são extraterrestres nem se
auto elegeram ... emanam da sociedade e são eleitos pelos seus iguais! Carlos Silva: Pois. A "vovó" é a tua
salvação. Se não fosse a "vovó" andavas às-aranhas
para arranjar "lenga-lenga" a justificar o "pecúlio". A "plateia" agradece. E o seguro de saúde também! Carlos Dias: Simples e evidente MPSRRS: Excelente, como sempre! Só o AG
para nos fazer rir à pala da mediocridade em que o país está mergulhado : Mais
uma vez, e sempre, obrigada AG!
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