E a palavra de prata, pelo menos em casos pontuais. Mas a palavra escrita de Antero, conforta. Adapta-nos. Para mais com a protecção da eutanásia, em vias de prática festiva.
Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...
Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do sul se levantaram...
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...
Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida Antero de
Quental
Porque ficamos calados?
O #vaificartudobem foi um mito que o
governo explorou à exaustão, para ocultar os seus erros na gestão da pandemia.
Mas há um escrutínio por fazer, verdades por apurar e responsabilidades por
atribuir
ALEXANDRE HOMEM
CRISTO
OBSERVADOR, 09
JUN 2022, 00:211
Os
partidos portugueses são viciados em mitos, que instalam no debate público para
enviesar a nossa percepção da realidade.
Não é de agora. Por exemplo, se há talento que se reconhece a José Sócrates,
era precisamente o de manipular os factos para os encaixar em histórias
virtuais de sucesso e, posteriormente, desresponsabilizar-se quando tudo
desmoronou. Ora, uma das responsabilidades do jornalismo ou de quem
comenta a actualidade assenta precisamente no contrariar desses mitos e no
recolocar dos factos na linha da frente.
Um
dos mitos que vigora desde há dois anos é este: o governo fez
uma boa gestão da pandemia. Acontece
que isto não é verdade. Não é verdade na Educação, como já descrevi num artigo anterior. Não é verdade na Cultura, onde os agentes culturais ficaram à mercê da
solidariedade entre pares e onde o Estado
fracassou nos eventos-piloto. Não é verdade na economia, onde a recuperação será lenta e verá Portugal a afundar-se na cauda europeia.
E, claro, não é verdade
na Saúde, onde a degradação
dos serviços públicos é indesmentível e os indicadores de excesso de
mortalidade comprovam os erros nas estratégias adoptadas nos últimos dois
anos.
A DGS reconhece-o. Em 2020,
identificaram-se seis picos de mortalidade, sendo que a Covid-19
apenas explica directamente dois. Isto significa que,
em 2020, a pandemia teve um impacto indirecto muito significativo, seja porque
houve doentes que não tiveram acesso a cuidados de saúde por incapacidade de
resposta dos serviços, seja porque o medo instalado afastou muitos utentes dos
hospitais, seja porque os confinamentos geraram mais complicações e menos
diagnósticos. No total, em
2020, houve um aumento de 14% da
mortalidade, dos quais a
Covid-19 apenas explica directamente 5,9 p.p. — menos de metade.
Traduzindo: milhares de portugueses morreram porque o combate à Covid-19” interferiu com os seus
cuidados médicos.
Onde
estão as análises a 2021? Ainda não estão em lado nenhum, pois a DGS só agora
lançou a sua análise aos dados de 2020 — um ano e meio depois, o que é
incompreensível. Infelizmente, a expectativa para 2021 não é melhor.
Aliás, o efeito prolongado da ausência de cuidados médicos resultará numa
onda de óbitos causados por diagnósticos tardios, tratamentos adiados ou
acompanhamentos inexistentes. E não é por falta de alertas: desde 2020,
dezenas de especialistas têm assinalado as consequências nefastas e o preço a
pagar por se orientar os serviços de saúde para a Covid-19.
Quererá o país discutir estes números,
debater estas opções, escrutinar o seu governo? Talvez não queira. Em Janeiro passado, os partidos rejeitaram incluir
balanços da gestão da pandemia na campanha eleitoral. E, apesar de tudo isto, Marta Temido é a ministra com maiores índices de popularidade
no governo. O #vaificartudobem passou de mantra para resignação e
mito — um mito que o governo explorou à
exaustão, para em grande medida ocultar os seus erros na gestão da pandemia. Não, não vai ficar tudo bem. Os erros existiram,
tiveram consequências e merecem ser discutidos. Há um escrutínio por fazer,
verdades por apurar e responsabilidades por atribuir. Vamos mesmo ficar calados?
MITOS SOCIEDADE MORTALIDADE
PANDEMIA
SAÚDE
COMENTÁRIOS:
Américo Silva: Pois, também podia perguntar porque falou demais, a imprensa esteve na
vanguarda da histeria com o covid, e já agora apontar o país ou sociedade modelo
de gestão da pandemia. Morreu Pinto Monteiro sem ter sido confrontado com a
vileza do seu comportamento, ainda bem por ele, mal pela sociedade. Pelo menos
Rendeiro morreu face a face com o que produziu, este escapou-se subtilmente. Carlos Silva: Concordo em parte. Não haja
dúvidas que em certas "cenas", estar calado é ser poeta ! Antónia Cadavez: Está muito bem a exposição dos factos que aqui faz. Não
me parece contudo que a gravidade da matéria requeira somente discussão. Isto é
matéria sim, mas é para um inquérito de natureza judicial, visando apurar
responsabilidades. Tanto mais se à matéria a apurar se juntar, como
indispensável, o atropelo aos direitos fundamentais e o abuso grotesco sobre as
pessoas. Julgo mesmo que em democracias civilizadas tal já se está ou irá
passar.
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