O certo é que sempre tiveram prestígio, no
nosso país, desde os tempos em que eram interrogados e perseguidos pela Pide, o
que sempre lhes deu aura. Nesses tempos liam livros, livros que faziam furor, mesmo
por cá, depois houve os que fizeram a revolução salvadora e todos lhes foram
gratos, a moda pegou, mesmo sem a leitura dos tais livros do furor orientador
dos bons sentimentos, que assim foram doutrinados, a moda pegou sem livros por cá. Mal
parecia se não pegasse. Somos um povo com carisma, mal parecia que não
seguíssemos no rasto de Putin, onde o comunismo dá tanto resultado, até em
espaço territorial. Os que pensam de maneira diferente nunca sairão da cepa
torta, Paulo Tunhas que se precate. Já vimos como o PM tergiversou no apoio à
Ucrânia. Mudou, talvez por conta da bazuca unionista com que vai atamancando o
seu poder, mas nunca se sabe o que lhe vai na alma, virado que é para aqueles
que escolheu em tempos para parceiros, os dos rígidos princípios morais de
apoio selectivo aos mais pobrezinhos com quem se irmanam, e por isso se irmanam
com o Putin embora este não seja dos mais pobrezinhos, e, pelo contrário, aparente
um poder esmagador, que é sempre bom venerar e por isso o venerarão sempre. Ainda
que pareça feio o que ele faz à Ucrânia, que é melhor mesmo ignorar, ou passar
a pasta condenatória sobre outros – a América, mais à mão. Anões há muitos,
indeed. Tais como os chapéus onde se escondem. Mas do carisma ninguém os tira,
mesmo que façam ocultamente os seus apoios a Putin.
Os anões de Putin
Putin tem uma legião de anões mais
vasta do que a de Pedro o Grande. Basta pensar em todos os que torcem para que
a Rússia ganhe. Quando proclama o seu imorredoiro amor pela paz é isso que o
PCP pede.
Paulo Tunhas
OBSERVADOR, 23
jun 2022, 00:19
Pedro, o Grande, tinha aquilo que, até ao século XVIII, se
chamava um “gabinete de curiosidades”. Simon
Sebag Montefiore, no seu livro sobre Os Romanov, dá-nos a lista de algumas das peças que figuravam
nessa colecção: um hermafrodita vivo (que acabou por fugir), anões e
gigantes, igualmente vivos, que, depois de mortos, eram embalsamados ao lado
dos órgãos genitais de um hermafrodita, irmãos siameses, bebés com duas cabeças
e, com o tempo, cabeças embalsamadas de cortesãos (muitos) caídos em desgraça.
Mas eram os gigantes e
os anões que
sobretudo o fascinavam,
particularmente os segundos. Fazia-os, por exemplo, em certas festas, saírem
nus de enormes bolos. Punha particular empenho em organizar os seus
casamentos, escoltando-os até ao leito nupcial. Distribuía-os em grande número
aos grandes dignatários. É verdade que gostava também de apresentar gigantes
finlandeses vestidos com roupa de bebé. Mas os anões eram a sua especialidade,
por assim dizer.
Como
se sabe, Putin
manifestou recentemente a sua admiração por Pedro, o Grande, a propósito das
suas conquistas na guerra contra a Suécia.
De algum modo, é com Pedro,
o Grande, que Putin se quer medir. Politicamente,
entenda-se, já que, fisicamente, o caso é perdido. Pedro, o Grande, era de
facto muito alto (2,03 metros, parece), e Putin não passa dos 1,68. Já que
a estatura média de um anão é de 1,40, Putin está mais próximo dos anões de
Pedro do que do próprio Pedro, o que nos permite pensar que este último o
afeiçoaria singularmente. Mas a
emulação política permanece compreensível. E
até, se formos adeptos da psicologia adleriana, eminentemente inteligível. Um
complexo de inferioridade abre largas avenidas para um complexo de
superioridade compensatório.
À
sua maneira, Putin tem, ele mesmo, uma legião de anões infinitamente mais vasta
do que a de Pedro. Basta
pensar em todos aqueles que, explícita ou implicitamente, torcem para que a
Rússia ganhe, e ganhe depressa, a sua guerra contra a Ucrânia. Quando
proclama o seu imorredoiro amor pela paz é isso que, por exemplo, o PCP pede,
como toda a gente percebe. O PC tem um lugar de excelência entre a extensa
legião dos anões de Putin. Não é uma imagem agradável, mas, em contrapartida,
possui alguma verosimilhança: numa esplêndida festa no Kremlin, Putin faria
sair, de dentro de um gigantesco bolo, a totalidade dos membros do Comité
Central no estado em que a natureza os trouxe ao mundo. Talvez pudesse até dar
lugar a uma memorável primeira página do Avante.
Mas
não há nenhuma razão para ficarmos pelo PC. Os anões de Putin encontram-se
um pouco por todo o lado. E a questão que se coloca é a de saber quais são
os ingredientes fundamentais que colaboram de forma activa neste processo de
nanização mental e política. Estamos aqui condenados à especulação. A minha,
tão boa como outra qualquer, é que um elemento fundamental nesta matéria é um velho
tema da filosofia política que encontramos, por exemplo, em Locke
e em Hume:
o entusiasmo. E o entusiasmo em duas das suas
facetas: entusiasmo
positivo e entusiasmo negativo.
O
entusiasmo positivo é aquele que nos faz aderir incondicionalmente àquilo que
desejamos como um bem. O entusiasmo negativo é aquele que nos faz rejeitar, não
menos incondicionalmente, aquilo que vemos como um mal. Noutra linguagem, o primeiro é uma figura da atracção,
o segundo uma encarnação da repulsa. E, o que é fundamental, ambos devem ser
concebidos de um modo absoluto, sem falhas que possam introduzir alguma dúvida
ou moderação.
Apliquemos
este esquema aos anões de Putin, sem qualquer preocupação de exaustividade. Do lado do
entusiasmo positivo encontramos, por exemplo, o velho amor pelo
poder bruto, o culto da virilidade como virtude política, a adesão
instantânea àqueles que se apresentam como prováveis vencedores e, como pano de
fundo, a apetência por regimes políticos não-democráticos. Do lado do entusiasmo
negativo, o anti-americanismo
puro e duro, o protesto
contra a decadência moral do Ocidente, o ancestral desprezo por aqueles que se
apresentam como virtuais perdedores e, como pano de fundo, a detestação da
democracia.
É
indecidível qual dos dois entusiasmos é mais determinante no processo de
nanização. O mais
provável é eles darem-se ambos inseparavelmente em conjunto. No fundo, o entusiasmo positivo reforça o entusiasmo
negativo e o negativo reforça o positivo, em graus que variam conforme os
indivíduos. Num
aspecto, no entanto, é o entusiasmo negativo que fornece o quadro mais importante
da nanização putinesca: porque é ele que permite a criação
de teorias conspiratórias que conferem ao processo de nanização a forma de uma certeza alucinada. A sua expressão mais simples é a de que o mundo
visível é por definição enganador e que é necessário buscar, por detrás
deste, por detrás do óbvio e do patente, um invisível onde resida a verdade que
nos é sistematicamente escondida, sob a forma de uma potência maléfica que tudo manobra. A extrema desconfiança dá lugar a uma ilimitada
credulidade. Por exemplo: no mundo
visível, a Rússia invadiu a Ucrânia num acto de agressão inteiramente livre –
mas, no mundo invisível, a invasão russa foi, do princípio ao fim, condicionada
e determinada pela exclusiva acção dos Estados Unidos, os únicos verdadeiros
responsáveis pela guerra em curso. De resto, por uma idealização simples e com ambições
de elegância, os Estados Unidos são os únicos agentes dotados de uma verdadeira
causalidade eficaz neste nosso velho planeta.
O “gabinete de curiosidades” de Putin
está cheio destas curiosas almas que andam aos pulinhos por todo o lado. Não custa imaginar o olhar terno e benevolente com
que o autocrata contempla os seus entusiasmos. Tanto
quando aplaudem a guerra como quando falam, de olhos em alvo, da paz. Porque este “pacifismo” tem uma longa história. Ando
a ler um livro (excelente) do historiador
inglês Tim Bouverie, Appeasing Hitler, que
oferece inúmeros exemplos do “amor pela paz” antes da invasão da Polónia.
E, é claro, a Inglaterra estava muito longe de ter o exclusivo destas coisas.
Em França, basta pensar, por exemplo, em dois autores muito conhecidos: o romancista Jean Giono e o filósofo Alain. Ambos eram
pacifistas militantes. Giono, mesmo
depois da invasão da França, não via qualquer diferença entre os nazis e os
Aliados, além de manifestar no seu diário uma absoluta indiferença face ao
destino dos judeus. Alain, que toda
a gente, mesmo a que nunca o leu, conhece por causa de uma frase célebre – “Se alguém diz que não é de esquerda ou de direita,
certamente que não é de esquerda”, além de confessar o seu antissemitismo,
declarava, também num seu diário, esperar
que a Alemanha ganhasse a guerra, “pois é preciso que o género De Gaulle não
vença entre nós” (curiosamente,
como a Ucrânia para Putin, também para ele a França não tinha sido invadida
pela Alemanha – era uma coisa diferente).
Hitler
já tinha os seus anões. E os
anões de Putin são muito parecidos com os dele. Por mim, tenho às vezes vontade
de os mandar para o gabinete de Pedro. Iam sentir-se em casa.
VLADIMIR
PUTIN RÚSSIA MUNDO ADOLF HITLER NAZISMO PC POLÍTICA
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