…se Paula Rego tivesse vivido a guerra de Putin em plenitude, como se diz que o fez com todas as suas pinturas. Criaria não os macacos e bichos da sua argúcia brincalhona simbolizadora, mas antes a figura de um qualquer deus majestoso ou mesmo arreliador, por exemplo, o Baco dos vinhos que tanto prejudicou o pobre do nosso Gama em várias partes do seu (do Gama, naturalmente) percurso para as Índias, as quais bem que veneravam Baco, ao que se dizia, indiferentes os hindus à anomalia de que o deus dos vinhos foi vítima, não por culpa sua, feto que era ainda, mas por morte da mãe Sémele, que Júpiter fulminou com os seus raios, acabando o escrupuloso pai Júpiter por recolher o filho numa sua perna até ao fim da gestação, facto, aliás, de somenos, no caso do Júpiter - mas também do Putin, indiferente às anomalias, e mesmo até capaz de também as produzir com requinte, como temos apreciado. Mas, enfim, o traço definitivo da nossa Paula Rego, tornada ela própria figura universal, agora que morreu - (conquanto já antes estimada e medalhada, no seu enquadramento ideológico bem “à la page”) - sempre era mais uma achega, em torno de Putin, embora Putin não precise disso para a sua imortalidade, que ninguém põe em causa, está visto. Mas como foi essencialmente sobre os despotismos de Salazar - pelos vistos, para Paula Rego, de alcance superior aos do próprio Hitler da altura - que a pintora se debruçou, com ardor e convicção artística, a sua obra bem reflecte isso, a combinar com a imagem de regozijo oponente que dele também fazem os seus – de Salazar, obviamente - "tradutori traditori" da actualidade, que em parte por esse motivo, e os outros que estão na berra das temáticas ideológicas do galardão nacional, elevam Paula Rego aos píncaros da sua fama de artista pictórica, para mais com a sanmção estrangeira sempre apetecível neste nosso país de timidez artística no julgamento próprio, mas derretendo-se em exaltação, após o apreço externo.
Estou a ler o Público
de 9 de Junho, pleno de escritos encomiásticos sobre Paula Rego, morta na véspera. Nem me passa pela cabeça discutir sobre a sua
criatividade, reveladora de uma imaginação desbragada, a tendência pictórica
para o mundo da tropelia artística expressa tantas vezes com grosseria e
fealdade, a desmascarar o mundo burguês, mais arrumado, de que soube troçar,
bem à la page nas troças, por meio dos seus simbolismos, tantas vezes de orgíaca
figuração, de um universo infantil ou demoníaco, ou simplesmente grosseiro.
”O Grito” de Munch, uma tela ampla na paisagem envolvente e sóbria na figuração, traduz bem,
nessa figura central, pavorosamente ambígua e contrastante na sua pequenez, com
o espaço exterior onde ela se enquadra, o desespero humano inenarrável do nada
existencial.
Quantos dos
símbolos da pintura de Paula Rego se nos afiguram antes puras
escapadas para a troça desbragada, própria da farsa, e não para uma ironia mais
subtil, de que resulta a angústia universal, que a nobreza da tragédia, ao
nível literário, mais exemplifica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário