Costa diz, Marcelo repete
Continua a
admirar-me que o Presidente da República tenha escolhido para si este papel: o
de ser cúmplice institucional de um primeiro-ministro que, após anos de
imobilismo, arrasta o país com ele.
ALEXANDRE HOMEM
CRISTO
OBSERVADOR, 23
jun 2022
No
dia 11 de Junho, Marcelo
Rebelo de Sousa desdramatizou o sucedido. Nas suas palavras, “houve uma situação crítica neste
fim de semana longo em alguns serviços de obstetrícia”. Tradução: para o Presidente da República, esta era
uma situação isolada, “um
ponto crítico específico”. Por
coincidência, estas declarações sucederam no dia seguinte ao Dia de Portugal,
durante o qual o Marcelo se dedicou a elogiar o povo português, optando
por discursos inócuos, redigidos para serem esquecidos — com tanto
talento, aliás, que produziu o efeito inverso: o discurso acabará por ficar na
memória colectiva como exemplo de absoluta irrelevância.
No
dia 15 de Junho, o primeiro-ministro António Costa admitiu que “para além dos problemas de
contingência, há problemas estruturais que têm de ter resposta”. Não terá sido coincidência o que aconteceu depois: o
Presidente da República reviu as suas declarações e adoptou as do
primeiro-ministro. A partir de agora, também Marcelo identifica
“problemas
estruturais” no SNS. E, para os próximos meses, pede “previsão, preparação e prevenção” — como se ninguém se tivesse lembrado disso antes.
No
dia 20 de Junho, o Presidente da República foi mais longe e esclareceu que
persiste um “problema
de fundo que é estrutural” na Saúde. Um
problema “largamente
antigo”, do qual
Marcelo fez questão de ilibar o actual governo: a responsabilidade “não é sequer de um governo,
nem de dois ou três ou quatro governos”. Enfim, na sua
tentativa de socorrer o primeiro-ministro, Marcelo terá esquecido o detalhe de
que os últimos três governos foram liderados por António Costa.
No
mesmo dia, após inúmeros pedidos de demissão da ministra da Saúde, Marta
Temido, e já depois de António
Costa ter descartado essa possibilidade, Marcelo voltou a apoiar o governo e defendeu
explicitamente a ministra: “o fundamental são as políticas, não propriamente o A, B, C ou o D — eu acho que esta perspetiva de
fundo é que é essencial para a sociedade portuguesa”. Concordará Marcelo com as políticas de Marta Temido
para a Saúde? Essa parte não esclareceu. Mas lembrou que o governo não está em
funções sequer há três meses, o que é formalmente verdade e, simultaneamente,
um argumento muito criativo — António Costa é primeiro-ministro há quase 7 anos
e Marta Temido é ministra da Saúde desde 2018.
Qual
é o ponto? É que os ziguezagues discursivos de Marcelo reflectem
coerência na defesa dos interesses e das versões do governo, aqui num momento
de elevada pressão mediática e política. Afinal, em todas as suas numerosas
intervenções, o Presidente da República serve de amplificador dos argumentos e
narrativas do governo — mesmo que para tal se tenha de corrigir ou contradizer.
Não
admira, por isso, que se diga que Marcelo
é o advogado do governo e de Marta Temido. Não admira que haja quem, como
o Paulo Ferreira, o qualifique com graça como o verdadeiro spin
doctor do governo — usurpando as funções de João Cepeda, contratado para director de comunicação do governo.
Não admira que a parceria Marcelo-Costa reemerja, agora sobre o SNS, pois já a
vimos dezenas de vezes em palco — por exemplo, na dissolução do parlamento em
2021, feita
por Marcelo nos termos ideais para o PS crescer e, como aconteceu,
alcançar uma maioria absoluta. Enfim, talvez nada disto admire.
Ora,
a mim, desculpem-me o desabafo, continua a admirar-me uma coisa: que o
Presidente da República tenha escolhido para si este papel — o de ser cúmplice
institucional de um primeiro-ministro que, após anos de geringonça e imobilismo
anti-reformista, está a arrastar um país com ele. As coisas são o que são. E, a Marcelo Rebelo de Sousa
acontecerá o que acontece aos que lideram para gerir o imediato, em vez de para
construir o futuro: a história julgá-lo-á.
MARCELO
REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA
REPÚBLICA POLÍTICA GOVERNO
COMENTÁRIOS (54)
Afonso Quarto: Marcelo foi e
está a ser uma desilusão. Mas quem dava para presidente? A Ana Gomes? Ou quando
viesse cá o rei de Espanha seria recebido pelo tino de rãs ou pela marisa ou
oliveira? Nao temos mais. É o que se arranja....
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