Somos pequenos no pensamento, queremos
parecer grandes pelo espalhafato, é o que prova Alberto
Gonçalves, na tentativa de evitar um museu da nossa medida
cultural, obtida através dos pés. Não sei se o vai conseguir. Cada um é seu tamanho, e o nosso está decidido (Ronaldo que o diga)-– apesar das muitas
cabeças que são excepção, mas que só o tempo apoiará, na medida própria
(Veja-se Pessoa).
Os enormes sapatos de Joana Vasconcelos
Se receiam ser enxovalhados por recusar
a “cultura”, Carlos Moedas e Isaltino Morais têm todo o direito a oferecer um
museu à senhora dona Joana. Desde que o paguem dos próprios bolsos.
ALBERTO GONÇALVES Colunista
do Observador
OBSERVADOR, 11 jun
2022, 00:215
Soube
pela crónica de João Miguel
Tavares, no
“Público”, que as câmaras de Lisboa e de Oeiras andam à bulha para decidir
qual delas espatifa 10 ou 15 milhões de euros num museu que guarde a obra de
uma senhora chamada Joana
Vasconcelos. Noto que
a luta é para conseguir o direito a espatifar o dinheiro, e não o inverso.
Sobre o assunto, o João Miguel escreveu o essencial. Naturalmente, tenciono
encarregar-me do acessório.
O
primeiro ponto é o custo do
armazenamento. Em tempos, a
pretexto de mudanças, tive de alugar duas garagens durante meses e a coisa
ficou longe das verbas mencionadas acima. Estava capaz de sugerir às autarquias
em questão que procurassem alternativas e, de caminho, despedissem os
orçamentistas. Não o faço porque não
vejo motivo para as autarquias patrocinarem a senhora dona Joana como não me patrocinaram a mim e aos milhares de
discriminados que pagam dos seus bolsos o aconchego
das respectivas tralhas.
Alguns
dirão que, ao contrário das minhas, as tralhas da senhora dona Joana são
arte. A esses respondo com o benefício da superioridade argumentativa. Por um
lado, eles não conhecem o magnífico acervo que possuo. Por outro, com a ajuda
da internet, conheci entretanto o acervo da senhora dona Joana. Três palavras:
credo em cruz! Aquilo é arte apenas na medida em que o edifício onde Cristiano
Ronaldo plantou a marquise é arquitectura, e os livros do ministro António
Costa Silva são literatura. Do que vi, vi sapatos enormes, galos de
Barcelos enormes, chaleiras enormes, candeeiros enormes, brincos de Viana
enormes, garrafões de vinho enormes, tudo concebido numa espécie de croché de
cores garridas e desagradáveis. Na verdade, as bugigangas da senhora
dona Joana são o tipo de quinquilharia que qualquer português, sem contributo
camarário, arrecada na garagem – apenas em maior e mais feio. É arte na
perspectiva da família Carreira.
E,
pelos vistos, nas perspectivas de Carlos Moedas, Isaltino Morais e, se
virmos bem, de incontáveis políticos e adjuvantes que atribuem ao Estado a
função de torrar o dinheiro dos contribuintes em traquitanas que muitos
contribuintes, do alto da sua ignorância e de livre vontade, não dariam um
cêntimo para apreciar. E certamente não dariam 15 milhões para armazenar. A mera possibilidade de, neste momento da conversa,
alguém invocar Michelangelo ou Goya para lembrar que os frescos da Capela
Sistina ou os retratos da realeza também foram encomendas estatais mostra
justamente os abismos a que descemos.
Comparar assombros criativos com os sapatos e os galos da senhora dona Joana é
comparar a Piazza del Campo, em Siena, com a Praça Hugo Chávez, a parolice é
justamente esta incapacidade em distinguir a arte da fancaria, e a inclinação
para, em caso de dúvida, preferir a fancaria, que é fácil, vistosa e, embora
não se entenda a que título, dita “irreverente”. Não é um problema
exclusivamente nacional: a propósito das misérias da “arte contemporânea”, o
maior cronista inglês do século XX notava os “vigaristas e charlatães que as
vendem e comentam, os pobres atarantados que as produzem, e o tímido e sisudo
‘establishment’ que receia acusações de filistinismo.” Mas é natural que
num país periférico e semi-alfabetizado estas características sejam
aprimoradas.
O
pormenor dos “pobres atarantados que produzem” as misérias é que é duvidoso. A senhora
dona Joana não é pobre, salvo de talento artístico, nem é atarantada, pelo
menos na arte da “cunha”. Aliás, é
ela que, adoptando uma tradição local iniciada nas últimas décadas, reclama
junto dos poderes públicos o museu de que se acha merecedora. Percebo a
necessidade de espaço para acomodar os gigantones que a senhora dona Joana
manda fabricar (“Emprego mais de 50 artesãos de alta qualidade”, orgulha-se
ela). E percebo a necessidade de esconder semelhantes embaraços em lugar que
ninguém, no seu juízo perfeito, visitará. O
que não percebo é o papel dos munícipes de Lisboa e Oeiras nesse drama.
Cito
o João Miguel: é
evidente que a senhora dona Joana “tem todo o direito a ter o seu
museu” – como eu tenho a ter um porta-aviões ou uma casita em
Laurel Canyon – “desde que o pague do seu
próprio bolso”. É
igualmente evidente que, se pretendem dispensar a senhora dona Joana de
encargos e receiam ser enxovalhados por recusar a “cultura”, Carlos Moedas e
Isaltino Morais têm todo o direito a oferecer-lhe um museu. Ou dois, para
solucionar a compita. Desde, lá está, que o paguem dos próprios bolsos. O chato é que, entre nós, a “visão”, o “empenhamento”,
a “iniciativa” e (desculpem) a “pró-actividade” raramente coincidem com os
proprietários dos fundos que alimentam virtudes tão louváveis. Nas artes
alegadas e nas restantes artimanhas, a “pró-actividade” é deles, o dinheiro é
nosso.
Com
a razão do costume, Vasco Pulido
Valente disse que “A história da pintura podia ser escrita e bem
escrita, sem sequer uma nota de pé de página sobre o que os portugueses
pintaram.” Ou esculpiram, acrescento. Ou ordenaram a 50 artesãos de
alta qualidade que fizessem. Já a história do atraso de vida exigiria um volume
dedicado a Portugal. Um volume gigante, forrado a rendas de bilros e com o
título em pechisbeques brilhantes.
CARLOS
MOEDAS PAÍS ISALTINO MORAIS
POLÍTICA
JOANA VASCONCELOS ARTISTAS
ARTE
CULTURA
COMENTÁRIOS:
Maria Augusta Martins: Por baixo dos acessos à ponte Vasco da Gama há muito espaço e arejado para
evitar o mofo nas rendas de bilros. É aproveitar! Carla Goncalves: Escreveu o grande cronista AG
reconhecido crítico... de nada na verdade Manuel Joao Borges: poças mas q bem. finalmente
alguém com coragem p dizer o q deve ser dito obg AG Luís Barreto: Tendo em conta que os patos
bravos da construção civil mais os patos bravos das imobiliárias e os patos
bravos dos bancos andam para aí a vender apartamentos de um milhão de euros
para cima e que não passam de apartamentos, ou seja, de cento e tal metros
quadrados sem jardim, verdadeira privacidade ou ar fresco, 10 ou 15 milhões de
euros é uma pechincha. O AG brinda-nos com um exercício pedante de populismo,
diminuindo a qualidade da Arte Contemporânea portuguesa e argumentando que as
câmaras têm é de gastar dinheiro em arraiais e outros pretextos para a maralha
embotar os sentidos e os turistas não se aborrecerem. Obviamente que não faz
ideia que 10 ou 15 milhões de euros não é nada, em termos relativos, de quem é
a Joana Vasconcelos e do que é preciso para tirar este povo da mesquinhez e
inveja em que chafurda diariamente. Aliás, AG chafurda na mesma mesquinhez e
inveja. Carlos Silva: Caro AG, Estou a ver que
precisa de "meias-solas" ! Não há problema. A "Sapataria
Montenegro" trata disso! Vitor Batista Malandros, sapatos há muitos! São os sapatos da Joana, feitos por cinquenta
artesãos. Carrega Alberto, os esquerdalhos fascistas até roncam do nariz e
deitam fumo pelas orelhas. Pobres de nós pategos que temos de pagar toda a
fancaria produzida. Américo
Silva: Haja deus.
Alberto Gonçalves, desde que deixou o covid renasceu. Não duvido que a J
Vasconcelos seja uma artista, assim a modos do mãozinhas chupa parolos. É a
vida. Já agora recordo um exemplo de português que pintou algo que merece uma
nota de rodapé, Estevão Gonçalves Neto. servus inutilis: A direita tem esta avantesma, a Joana, a esquerda tem
o palerma do Cabrita Reis, PCR para os íntimos. Pipoca Estourada: Joana devia
fazer dieta. Sai uma fortuna sustentar. Paixao: Realmente isto é um país de pategos e hipócritas Meio Vazio: O rei está em pelota. Completamente. Haja alguém para o
dizer. Madalena
Sa: Como sempre muito bom! Completamente de
acordo!
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