quarta-feira, 29 de junho de 2022

Um texto reposto


De Luís Soares de Oliveira, de 2020, no seu blog – sobre o afastamento, cada vez mais vincado, do Homem, dos tais princípios de espiritualidade a que o positivismo, o realismo, o naturalismo e correntes posteriores foram apondo o seu selo cada vez mais distante dos idealismos platónicos ou cristãos e respectivos princípios que opõem virtude e pecado - as consciências cada vez mais esmorecidas a respeito dos valores que a tradição desde sempre ditara.

Mas o cepticismo é antigo, e está patente, por exemplo, no soneto seguinte, de Gomes Leal (1848 – 1921), no qual, através de um processo sinestésico, jogando com as interferências da cor e do som (musical), assim demonstra, finalmente, a retoma de uma fé de que a sua anterior temática irreverente, criada por um espírito talvez em busca de uma exactidão científica, sentiu afinal ser bem irrisória, ante a magnitude da Criação Divina.

Luís Soares de Oliveira presta a sua homenagem a um jovem cientista genial Frank Ramsay que morreu muito jovem, e cuja frase "A ascensão da ciência em simultâneo com o ocaso da religião tornou as velhas questões ou técnicas ou ridículas" justifica o cepticismo das pessoas de mais idade, quando se confrontam com os maquiavelismos desnorteadores da educação hoje.

Eis o poema de Gomes Leal, de um possível recuo no seu conceito agnóstico, revelador de que talvez se possa esperar sempre um volte-face… apesar da perda total de valores humanos em certos casos. Hoje.

«Eu tenho ouvido as sinfonias das plantas»

Por: Gomes Leal

A Eça de Queirós

Eu sou um visionário, um sábio apedrejado,
Passo a vida a fazer e a desfazer quimeras,
Enquanto o mar produz o monstro azulejado
E Deus, em cima, faz as verdes primaveras.

 

Sobre o mundo onde estou encontro-me isolado,
E erro como estrangeiro ou homem doutras eras,
Talvez por um contrato irónico lavrado
Que fiz e já não sei noutras subtis esferas.

 

A espada da Teoria, o austero Pensamento,
Não mataram em mim o antigo sentimento,
Embriagam-me o Sol e os cânticos do dia...

 

E obedecendo ainda a meus velhos amores,
Procuro em toda a parte a música das cores,
— E nas tintas da flor achei a Melodia.

 

FACEBOOK, 14 de maio de 2020

A ERA QUE FOI E A QUE É

Por vezes, os factos sucedem-se de um tal modo que nos deixam a impressão de que neste mundo reina a harmonia e tudo converge entre si e connosco. Foi o caso que adiante relato. Por estes dias, tenho vindo a analisar, conjuntamente com a sábia Professora Maria João Correia, pelo messenger, a fenomenologia do fim do Humanismo (eu com saudade, ela com firmeza) e eis que,de súbito, chega até mim o exemplar do The New Yorker, de 4 de Maio, que traz um soberbo artigo de Anthony Gottlieb sobre o malogrado Frank Ramsey, falecido em 1930, com 26 anos de idade, e ainda hoje considerado o mais brilhante e precoce cérebro que cursou na Universidade de Cambridge, no século XX. Aos 17 anos, era o companheiro peripatético de John Maynard Keynes, este já quarentão, catedrático de Economia naquela universidade e muito discutido autor de um. "Tratado sobre a Probabilidade". O critico literário inconformista Lytton Strachey disse que Ramsey "herdou de Newton a majestade do pensamento e a gentileza do temperamento". Foi a Ramsey que a Universidade encarregou de traduzir do alemão o famoso Tratactus Logico-Philosophicus, de Wittgenstein. Ramsey não só traduziu as oitocentas e tal páginas como publicou um ensaio critico sobre o mesmo. Keynes respeitava em Ramsey o génio matemático e a contribuição que deu para a introdução da matemática no estudo da economia. Isto tudo vem a propósito de me ter sido dado saber pelo artigo em causa que, há um século, Ramsey rematou a minha polémica com Maria João Correia com uma simples frase: "A ascensão da ciência em simultâneo com o ocaso da religião tornou as velhas questões ou técnicas ou ridículas". Aí está, nada de paixões. É a vez do Homo Algoritmus.

COMENTÁRIOS:

1José Correia Guedes: O "Homus Algoritmus". É mesmo isso. Seguir-se-á o Homus Artificialis quando a Inteligência Artificial dominar o mundo. Já não falta muito

Helena Astolfi: Prosaicamente acrescento aquilo que a minha velha e muita sábia avozinha já dizia: Estamos no fim do mundo... que conhecíamos, adiciono eu.

Maria João Correia: E esta, hein? Sábia professora da noite para o dia! Agradeço a sua simpatia. Excelente tema para próxima tertúlia onde, felizmente, as paixões ainda abundam. Contudo, devo dizer que sinais de humanismo na ciência estão em crescendo.

Maria José Amaro

Irei ler atentamente. Obrigada... a paixôes são necessárias....

Luis Soares de Oliveira: Aditamento ao texto. No seu último ano de vida, Ramsey ainda publicou dois ensaios. O primeiro intitulava-se "Verdade e Probabilidade" e o segundo "O Optimo Fiscal" .

Henrique Borges: Interessante, Luis. Mas a meu ver os epidemiologistas que temos ouvido sobre o COVID-19 têm dado uma fraca ideia da ciência... Como dizia outro dia um economista famoso, afinal não somos só nós que nunca estamos de acordo sobre nada...

Isabel Themudo Gallego: Extraordinário artigo Luís!!! Sempre a abrir portas a novas reflexões . Na verdade um prazer lê-lo. Muito obrigada!

Francisco Soares de Oliveira: Sempre a aprender consigo

 

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