Dois textos bonitos, leves da sua malícia
não cáustica, mas deixando prever as dificuldades de mãe e mulher de trabalho
que, por opção e arte enveredou pelo da criatividade musical, esfalfante e por
vezes renitente em acudir, sobretudo quando é imposto em alturas de menor
apetência, causada tantas vezes pelo cansaço de mãe entregue à doçura dos seus
três filhos pequenos. Estou a ver a Ana, sentada no chão da casa nova, os
gémeos – de dois anos - agarrados à mãe, o mais velho, a caminho dos seis, mais
desinibido e entregue ao seu mundo que não exclui o do mimo próprio, exigente
de atenção, mas distribuindo-a também carinhosamente pelos maninhos. E o pai
Luís, sorridente e momentaneamente aplicado em torno do bolo perfeito da sua
participação doméstica, não reduzida a isso, todavia, vai colaborando nas
responsabilidades de manutenção atenta e eficaz, que acrescenta às do seu
próprio mundo de trabalho. Um casal corajoso, numa vida que se revela insana, e
uma Mulher sensível e responsável, que vai dando conta, por meio de leve ironia,
desses afazeres que se impõem a toda a mulher que queira ser responsável e
competente, num mundo afinal bem complicado ainda hoje, apesar das conquistas
obtidas com a democratização…
Um mimo de humor e de ternura, este texto
de uma Mulher consciente.
I - «Dezasseis: (De maio) Num dia em
que, por umas horas, não houve: ele tem cocó, vou fazer uma máquina de roupa, o
que queres jantar, usaste o leite com maior validade, larga lá o computador,
esqueces-te sempre de pedir coentros, as luzes estão todas acesas.»
II - «Dia da Criança: 1 de Junho: Há dias terríveis. Dias de desespero criativo, de voz que não sai, de
agenda sem espaço ou com demasia do espaço, dias de chuva como o de hoje. Dias
de desgraças verdadeiras ou inventadas, anunciadas ou por anunciar, improváveis
ou de longa data. Nesses dias, invariavelmente, penso que não vou conseguir
estar bem para os miúdos.
Só que depois chego, sento-me no chão, e vem
sempre uma piada, um brinquedo novo que gera uma canção, um abracinho, uma
história mirabolante. Uma entoação modal fantástica, um solo rítmico de
baterista de jazz aos 5 anos, uma adivinha de notas do arco-da-velha. Eles
também têm os seus problemas, mas ali são músicos num momento de diversão. É
contagioso. Elimina todas as desgraças. E é uma aprendizagem para qualquer
adulto.
Quando trabalhamos com crianças não somos também crianças. Não somos. Temos que estar plenamente conscientes das palavras que dizemos, dos
gestos que fazemos. Temos que saber que as influenciamos muito, que
desempenhamos um papel fundamental no seu desenvolvimento e que, em todos os
momentos, temos que ser pedagógicos. Mas eu tenho aprendido a deixar-me ser
criança quando tenho que improvisar uma canção nova que não estava no plano (ou
uma sessão inteira que não estava no plano!), ou quando tenho que me deitar no
chão na música do adeus, ou quando tenho que ressonar para arrancar uma
gargalhada. Funciona sempre.
Hoje já recebi o meu telefonema do dia da criança, que o meu pai faz questão de fazer sempre, neste dia, pelas 8h da manhã. Ele também ainda é criança, sobretudo nas horas de acordar. E fico sempre feliz que me recorde que eu também ainda sou.
Feliz dia da
criança!
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