sexta-feira, 3 de junho de 2022

Do Face book da Ana


Dois textos bonitos, leves da sua malícia não cáustica, mas deixando prever as dificuldades de mãe e mulher de trabalho que, por opção e arte enveredou pelo da criatividade musical, esfalfante e por vezes renitente em acudir, sobretudo quando é imposto em alturas de menor apetência, causada tantas vezes pelo cansaço de mãe entregue à doçura dos seus três filhos pequenos. Estou a ver a Ana, sentada no chão da casa nova, os gémeos – de dois anos - agarrados à mãe, o mais velho, a caminho dos seis, mais desinibido e entregue ao seu mundo que não exclui o do mimo próprio, exigente de atenção, mas distribuindo-a também carinhosamente pelos maninhos. E o pai Luís, sorridente e momentaneamente aplicado em torno do bolo perfeito da sua participação doméstica, não reduzida a isso, todavia, vai colaborando nas responsabilidades de manutenção atenta e eficaz, que acrescenta às do seu próprio mundo de trabalho. Um casal corajoso, numa vida que se revela insana, e uma Mulher sensível e responsável, que vai dando conta, por meio de leve ironia, desses afazeres que se impõem a toda a mulher que queira ser responsável e competente, num mundo afinal bem complicado ainda hoje, apesar das conquistas obtidas com a democratização…

Um mimo de humor e de ternura, este texto de uma Mulher consciente.

 

I - «Dezasseis: (De maio) Num dia em que, por umas horas, não houve: ele tem cocó, vou fazer uma máquina de roupa, o que queres jantar, usaste o leite com maior validade, larga lá o computador, esqueces-te sempre de pedir coentros, as luzes estão todas acesas.»

 

II - «Dia da Criança: 1 de Junho: Há dias terríveis. Dias de desespero criativo, de voz que não sai, de agenda sem espaço ou com demasia do espaço, dias de chuva como o de hoje. Dias de desgraças verdadeiras ou inventadas, anunciadas ou por anunciar, improváveis ou de longa data. Nesses dias, invariavelmente, penso que não vou conseguir estar bem para os miúdos.

Só que depois chego, sento-me no chão, e vem sempre uma piada, um brinquedo novo que gera uma canção, um abracinho, uma história mirabolante. Uma entoação modal fantástica, um solo rítmico de baterista de jazz aos 5 anos, uma adivinha de notas do arco-da-velha. Eles também têm os seus problemas, mas ali são músicos num momento de diversão. É contagioso. Elimina todas as desgraças. E é uma aprendizagem para qualquer adulto.

Quando trabalhamos com crianças não somos também crianças. Não somos. Temos que estar plenamente conscientes das palavras que dizemos, dos gestos que fazemos. Temos que saber que as influenciamos muito, que desempenhamos um papel fundamental no seu desenvolvimento e que, em todos os momentos, temos que ser pedagógicos. Mas eu tenho aprendido a deixar-me ser criança quando tenho que improvisar uma canção nova que não estava no plano (ou uma sessão inteira que não estava no plano!), ou quando tenho que me deitar no chão na música do adeus, ou quando tenho que ressonar para arrancar uma gargalhada. Funciona sempre.

Hoje já recebi o meu telefonema do dia da criança, que o meu pai faz questão de fazer sempre, neste dia, pelas 8h da manhã. Ele também ainda é criança, sobretudo nas horas de acordar. E fico sempre feliz que me recorde que eu também ainda sou.

Feliz dia da criança! 

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