Após o muro, pois, o nuclear a céu
aberto, contra o combinado… Mas já o nosso Camões o disse: “Que não se muda já como soía”…
Armas nucleares com selo da União
Europeia? Um "zombie" com 65 anos que a guerra na Ucrânia veio
ressuscitar
Desde 1957 que o debate sobre a arma
nuclear europeia vai aparecendo e sendo esquecido. Houve até acordos secretos.
Com a Ucrânia, o tema ressurgiu, mas confiança nos EUA e o "tabu"
adiam decisões.
MARTA LEITE
FERREIRA: Texto
OBSERVADOR, 28 jun 2022, 21:4112
Em novembro de 1957, os ministros da Defesa da
Alemanha, França e Itália assinaram secretamente um protocolo em que se propunham cooperar no desenvolvimento e partilha de “aplicações militares da energia atómica”. A expressão tem uma
tradução mais directa: os três países queriam construir em parceria uma arma
nuclear. E comprometeram-se a fazê-lo apenas oito meses depois de a Comunidade
Europeia da Energia Atómica (Euratom) e a Comunidade Económica
Europeia (CEE) terem sido criadas pelos três países, juntamente com Bélgica, Luxemburgo e Países
Baixos. Que de nada sabiam, apesar de todos terem prometido que iriam investir
nas utilizações pacíficas da energia nuclear; e impedir a aplicação dessa
tecnologia em fins militares.
▲Assinatura do Tratado de Roma a
25 de março de 1957 no Monte Capitolino em Roma, Itália, instituindo a
Comunidade Económica Europeia (CEE) GETTY IMAGES
Este acordo, cuja missão foi delineada
à margem (e contra) os princípios do Tratado da Euratom assinado em Roma em março,
era especialmente útil para França. À
época, os franceses geriam uma deterioração das relações diplomáticas com os
Estados Unidos, com quem tinha estabelecido uma aliança firme durante a Guerra
Fria. Depois de o Presidente do Egipto ter nacionalizado a
Companhia do Canal de Suez, de propriedade britânica e francesa, ameaçando o acesso do Ocidente ao petróleo
do Médio Oriente, os norte-americanos preferiram a abordagem diplomática para a resolução do
problema. França e Reino Unido, por outro lado, recorreram a Israel para
engendrar uma resposta militar.
Depois
de as forças israelitas terem invadido a península de Sinai e rumado em direção
ao Canal do Suez, os franceses e os britânicos enviaram tropas para o local sob
pretexto de quererem proteger a região. Mas os Estados Unidos e a União
Soviética não compraram a manobra e exigiram um cessar-fogo. De costas voltadas
para as duas grandes potências mundiais, e com a sombra das armas nucleares a
pairar sobre a Europa vinda de ambos os lados, os franceses começaram a alinhar
numa estratégia militar que fosse independente dos norte-americanos e dos
soviéticos. A solução parecia ser só uma: fazê-lo em parceria com outras nações
europeias.
Há um total de 370 ogivas em cinco
países do bloco europeu. Um deles é precisamente França, com 290 armas
nucleares. Os outros quatro países são a Alemanha, Países Baixos, Bélgica e
Itália. Nenhum destes Estados-membro tem um arsenal nuclear próprio, como tem
França, mas juntos armazenam um total de 80 bombas nucleares do tipo B61, todas
norte-americanas, à luz das políticas de partilha estabelecidas pelaNATO.
Era
apenas o retomar de
uma conversa nos bastidores das altas patentes militares europeias que durava
desde 1954. O plano, até
aqui puramente teórico, passou à esfera política quando conselheiros do então primeiro-ministro
francês Pierre
Mendès-France partilharam
com o diplomata italiano Pietro
Quaroni a ideia de
França, Alemanha e Itália formarem uma “Proposta
de Paris”, um “Consórcio de Armamentos Europeus” com três ramos: atómico, eletrónico e aviação. Itália, não tendo um peso estratégico tão importante como os
outros dois países, interessava-lhes por ser o berço do físico Enrico Fermi,
que descobriu a fissão nuclear e foi pai do primeiro reator nuclear. Fermi viria a morrer nesse mesmo ano, em novembro,
sem nunca ter trocado os Estados Unidos pelo país natal. Mas Itália continuou
incluída no acordo, cujo objectivo final era dotar a Europa das “armas
essenciais de hoje: atómica e termonuclear, a parte eletrónica estritamente
ligada a eles e aeronaves ou mísseis para implantar as bombas A [atómico] ou H
[de hidrogénio]”.
Quatro
meses depois de o protocolo ter sido assinado, com Félix Gaillard à
frente do governo e René Coty na presidência, França abria a produção de urânio
enriquecido à Alemanha e a Itália com o objetivo de produzir armas nucleares
europeias em instalações francesas — os alemães e italianos contribuíram
com investimento e o conhecimento científico. Mas o protocolo esteve em acção
por apenas três meses: quando Charles
de Gaulle se tornou
primeiro-ministro, só precisou de 16 dias no cargo para quebrar o acordo
trilateral, argumentando que as armas nucleares não podiam ser partilhadas. A posição causou estranheza porque o então
primeiro-ministro francês, antes de assumir o cargo, tinha confidenciado a
Pietro Quaroni que era a favor da “bomba atómica europeia” e que até tinha
participado na conceção do plano. Além disso, Jacques Chaban-Delmas, ministro
da Defesa francês que assinou o acordo, era gaullista.
As
armas nucleares guardadas nos países da UE — até naqueles que não as têm
Não
é que, passadas mais de seis décadas, o travão de Charles de Gaulle tenha
evitado a entrada de armas nucleares na União Europeia. Há um total de
370 ogivas em cinco países do bloco europeu. Um
deles é precisamente França: aderiu ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
(que procura garantir uma utilização pacífica desta tecnologia e impedir a
disseminação do arsenal bélico), mas não ao Tratado sobre a Proibição das Armas
Nucleares (que as pretende eliminar por completo) e tem actualmente 290 armas nucleares. Em 2020 investiu mais de 5,4 mil milhões de euros
a produzi-las e a mantê-las.
Os
outros quatro países são a Alemanha,
Países Baixos, Bélgica e Itália. Nenhum
destes Estados-membro tem um arsenal nuclear próprio, como tem França, mas
juntos armazenam um total de 80 bombas nucleares do tipo B61, todas
norte-americanas, à luz das políticas de partilha estabelecidas pela NATO, que
estão previstas no Tratado de Não Proliferação. Em 2021, e segundo o
Bulletin of the Atomic Scientists, havia 20 bombas nucleares dos Estados
Unidos estacionadas em cinco bases militares naqueles países, duas delas
italianas. Outras 20 estão na Turquia, o único
país europeu que não é um Estado-membro e que também recebeu armamento
americano.
Dos
três países da NATO que têm armamento nuclear — França, Reino
Unido e Estados Unidos —, os
norte-americanos são os únicos que o partilham com outros membros da Aliança e
fazem-no desde 1966, nos tempos da Guerra Fria. Mas em setembro de 1954,
já os militares segredavam entre si sobre a criação de uma arma nuclear com
selo europeu, os Estados Unidos começaram a enviar bombas de gravidade com
ogiva nuclear para bases aéreas militares no Reino Unido. Grécia também chegou
a receber este tipo de arsenal e a Alemanha foi o país que mais sistemas
nucleares armazenou. Portugal
nunca esteve na lista.
Sem os Estados Unidos no panorama, “de
certeza que os europeus teriam de construir uma verdadeira defesa europeia”,
considerou Frédéric Mauro. Kjølv Egeland também defendeu em conversa com o
Observador que o surgimento de uma arma nuclear com o selo europeu seja
“provável”. “Não tenho certeza de qual problema isso resolveria”, acrescenta.
As 80 bombas nucleares dos Estados Unidos que estão actualmente
implantadas nos quatro países da União Europeia servem para “garantir a
segurança dos seus Aliados”, explica a própria NATO: as armas “permanecem
sob custódia e controlo dos EUA em total conformidade com o Tratado de Não
Proliferação de Armas Nucleares”; e os norte-americanos “seguem procedimentos
rigorosos para garantir a segurança das armas estacionadas na Europa a todo o
momento”. As bombas só podem ser utilizadas no contexto de uma
missão nuclear da NATO — não por
iniciativa dos países que as armazenam, nem de modo independente por decisão da
Comissão Europeia, à margem da Aliança. E, para isso, é necessária a aprovação política
do Grupo de Planeamento Nuclear da NATO (composto pela secretaria-geral e pelos
ministros da Defesa de todos os membros com exceção de França) e a receção da
notificação dessa decisão pelo Presidente dos Estados Unidos e pelo
primeiro-ministro do Reino Unido em funções.
Susto com Donald Trump reavivou debate sobre
arma nuclear
Mas o que acontece se uma União
Europeia sob ataque não receber o aval para accionar a protecção a que alguns
estados-membros estão sujeitos por parte da Aliança? Ou se os norte-americanos saírem da NATO, retirando do
acordo um dos maiores arsenais bélicos do mundo e desfalcando o grupo dos 27 de
armamento nuclear? A questão soa
meramente teórica, mas houve momentos da História recente em que ela parecia
menos hipotética. John R.
Bolton, ex-conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, recordou no
livro de memórias da passagem pela Casa Branca, “The Room Where It Happened”, os tempos em que o então Presidente norte-americano,
Donald Trump, ponderou seriamente sair da NATO.
John
Bolton recorda que recebeu uma chamada de Trump durante a cimeira da NATO em
2018 propondo que os Estados Unidos anunciassem a saída da NATO caso a Alemanha
avançasse com a construção do Nord Stream 2, o gasoduto entre a Alemanha e a
Rússia que atravessa o Mar Báltico e cuja certificação os alemães suspenderam
como forma de castigar Vladimir Putin pelo reconhecimento da independência do
Donbass, que viria a espoletar a invasão da Ucrânia. O chefe de
Estado dos Estados Unidos considerava que a NATO estava “obsoleta”, que o país
contribuía desproporcionalmente mais do que outros membros porque não cumpriam
o compromisso de gastar 2% do PIB na Aliança; e que a proximidade de Angela
Merkel com a Rússia era “injusta” para os restantes países. No fim de contas, Trump recuou e admitiu que
estava alinhado com a NATO, mas não nos termos em que as contribuições para a
Defesa estavam a decorrer. Ainda assim, John
Bolton não põe as
mãos no fogo em como, se regressasse à Casa Branca em 2024, Donald Trump
não retomaria esse tema. Nem se, desta vez, não iria mais longe.
Sem os Estados Unidos no panorama, “de
certeza que os europeus teriam de construir uma verdadeira defesa europeia”,
considerou Frédéric Mauro, historiador e especialista em questões de defesa e
jurídicas relacionadas com políticas comuns de segurança e defesa, em
entrevista ao Observador. “Iria França aceitar estender a sua protecção aos
outros estados-membros? Talvez. Vão os outros estados aceitá-lo? Por enquanto,
não querem falar sobre isso porque o nuclear é um tabu, especialmente na
Alemanha. Mas sem os EUA, vão ter de pelo menos falar sobre isso”. Kjølv Egeland, especialista em segurança internacional e
armamento nuclear do Centro para Estudos Internacionais (CERI, em Paris),
também defendeu em conversa com o Observador que o surgimento de uma arma
nuclear com o selo europeu seja “provável”. “Não tenho certeza sobre qual o
problema que isso resolveria”, acrescenta.
Volvidos mais de 60 anos desde que
Charles de Gaulle dissolveu o protocolo secreto com a Alemanha e Itália, a
França, único país da União Europeia com um arsenal nuclear próprio, dá sinais
de um interesse em partilhar uma política conjunta de defesa. Em fevereiro de 2020, Emmanuel Macron manteve a
visão de Charles de Gaulle num discurso na École de Guerre, dizendo que as
armas nucleares só devem ser usadas para defesa do povo francês em “circunstâncias
extremas de auto-defesa”. Mas também sugeriu que os estados europeus
deveriam entrar num “diálogo estratégico” sobre “o papel da dissuasão nuclear
de França” da segurança colectiva da Europa. Emmanuel Macron disse mesmo que
estava na hora de a Europa desenvolver uma maior “autonomia”.
Para
Benoît Pelopidas, fundador do programa “Nuclear Knowledges” no CERI, em
Paris, e investigador do Centro para a
Segurança e Cooperação Internacional (Universidade de Stanford, EUA), o discurso de Macron tem três motivações,
como descreve no artigo que assina a meias com Kjølv Egeland. A primeira tem a ver com a política interna: a “dispendiosa
modernização da força nuclear francesa levantou questões sobre as prioridades
de gastos públicos e a necessidade de uma díade nuclear”, uma coligação que
permitisse dividir a conta. A segunda
está relacionada com o Tratado sobre a
Proibição das Armas Nucleares,
que “destacou a oposição global à prática de dissuasão nuclear e aumentou a
pressão sobre os formuladores de políticas francesas para honrar as obrigações
de desarmamento nuclear da França”. A terceira diz respeito às “fissuras transatlânticas,
aprofundadas pelas repetidas advertências” de Donald Trump contra a NATO:
avisos que “alimentaram
argumentos para aumentar a cooperação de defesa europeia em geral e a
cooperação de defesa franco-alemã mais especificamente”.
▲ O Presidente
norte-americano Donald Trump entra na conferência de imprensa no segundo dia da
cimeira da NATO a 12 de julho de 2018 em Bruxelas, Bélgica GETTY IMAGES
Acontece
que o Presidente francês não está a conseguir mover os Estados-membros para
um debate desta natureza — nem mesmo com Trump na Casa Branca ou com a
possibilidade de ele regressar. Os dois investigadores dizem mesmo que
Emmanuel Macron recebeu “poucas ou nenhumas”
respostas oficiais ao chamamento para o tal “diálogo estratégico” — e que, de resto, os apoiantes (nacionais e
internacionais) de um acordo como o proposto pelo chefe de Estado francês
sempre foram consideravelmente menos do que os críticos. Sempre foi
assim ao longo da História, quando o “Debate Euro-Nuke” era retomado. E apesar da
resistência que a ideia foi encontrando desde os anos 50 até agora, ela
“continua a reaparecer em intervalos irregulares, como um zombie que nunca pode
finalmente ser abatido”.
Actualmente,
e de acordo com os dois investigadores, “embora pareça haver apoio entre os
públicos europeus para aumentar a cooperação em defesa em geral, esse
apoio não se estende ao domínio nuclear”. Embora não haja uma estrutura de
Defesa própria, há um quadro legal para a cooperação no seio da União Europeia.
Uma cláusula introduzida no Tratado de Lisboa — o ponto sete do artigo 47 —
estabelece que, “se um país da UE for vítima de agressão armada no seu
território, os outros países da UE têm a obrigação de o ajudar e prestar assistência
por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51.º da Carta
das Nações Unidas”. Outro artigo (o 222 do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia) esclarece também que “os países da UE são obrigados a agir
conjuntamente quando um país da UE é vítima de um ataque terrorista ou de uma
catástrofe natural ou de origem humana”.
Destas armas nucleares mais poderosas,
a Rússia tem 12, os Estados Unidos tem 18; e o Reino Unido e França possuem
quatro cada um. Algumas das ogivas nucleares francesas têm 300 quilotoneladas
de potência — a destruição em Hiroshima e Nagasaki foi causada por bombas com
apenas 15 a 30 quilotoneladas. “O que muita gente não compreende é que não é
preciso ter 5.000 bombas nucleares para se ser credível. Era assim no início da
Guerra Fria. Mas é ridículo porque uma é o suficiente”, entende
Frédéric Mauro.
Apesar
de todos os Estados-membros da União Europeia terem a obrigação de seguir estas
cláusulas de defesa mútua, isso “não afecta a neutralidade de alguns países da
UE e é consistente com os compromissos dos países da UE que são membros da
NATO”, continua o artigo 47. Além disso, as regras
da NATO sobrepõem-se às da União Europeia para os Estados-membros que também
pertencem à Aliança: “Os
compromissos e a cooperação nesta área devem ser consistentes com os
compromissos assumidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte, que, para
os Estados que dela são membros, permanece a base da sua defesa colectiva e o
fórum para a sua implementação”.
Como a
confiança nos EUA está a sabotar o plano da “Euro-Nuke”
Mas, no caso particular da utilização
de armas nucleares, não há sequer consenso entre os estados-membros. Por
exemplo, o Tratado sobre a Proibição das Armas Nucleares foi aprovado com 122
votos a favor, um voto contra dos Países Baixos e a abstenção de Singapura. Mas 69 países nunca chegaram a votar, incluindo todos
os estados com arsenal nuclear e todos os membros da NATO. Há três países da
União Europeia que assinaram e ratificaram o Tratado — Áustria, Irlanda e Malta —, mas “isso não interessa realmente porque não se
espera nada da UE”, considerou Frédéric Mauro: isso só seria de relevância se
houvesse uma estrutura de política integrada na União que fosse capaz de tomar
decisões sobre o uso de armas nucleares”.
Não há e o investimento não será um
problema — pelo menos
não um dos mais preponderantes. Bruxelas não necessitaria de abrir
demasiado os cordões à bolsa porque França, com uma vasta experiência na área,
já tem a infraestrutura montada: tem quase tantas armas nucleares como a China
(cerca de 300), mais do que tem o Reino Unido (cerca de 250). E embora esteja
muito atrás das 1.600 armas nucleares dos Estados Unidos e das 1.500 nas mãos
dos russos, os franceses possuem algo que nem os norte-americanos têm: um tipo
de míssil de cruzeiro com ogiva nuclear que pode ser disparado de aviões
militares em altitude e que funciona como um “tiro de advertência” — as ASMP. Há dois tipos de armas nucleares: as tácticas, com
poucas quilotoneladas de potência; e as estratégicas, capazes de destruir
cidades ou países inteiros, mantidas por segurança em submarinos. As ASMP estão
entre uma e outra.
▲ Ilustração
de um míssil francês a ser lançado de um Mirage (ASMP) em 1987 GAMMA-RAPHO VIA
GETTY IMAGES
Destas
armas nucleares mais poderosas, a Rússia tem 12, os Estados Unidos têm
18; e o Reino Unido e França possuem quatro cada um. Algumas das ogivas nucleares francesas têm 300
quilotoneladas de potência — a destruição em Hiroshima e Nagasaki foi
causada por bombas com apenas 15 a 30 quilotoneladas. Mas, neste caso, a
União Europeia nem sequer precisava de todas as armas nucleares francesas para
se assumir como uma potência. “O que muita gente não compreende é que não é
preciso ter 5.000 bombas nucleares para se ser credível. Era assim no início da
Guerra Fria. Mas é ridículo porque uma é o suficiente”, entende Frédéric Mauro.
“A minha tese é que um núcleo de Estados-membros que realmente querem
construir uma defesa comum deve reunir-se”. Algo como um Conselho de Segurança
Europeu ou um Conselho de Defesa Europeu, exemplifica o especialista: “Esqueçam
as armas. Primeiro é preciso organizar a capacidade para decidir”.
Mesmo com um número de armas nucleares
nos quatro dígitos na posse da União Europeia, o problema central nunca é
desfeito: o bloco não tem uma defesa própria, independente da palavra final dos
estados-membros. Frédéric
Mauro acredita que a receita para a compor dependeria de três factores que se multiplicam
entre si: vontade política, capacidade para decidir e capacidade
para agir. Basta uma
delas se igualar a zero para deitar por terra a habilidade de erguer essa
estrutura de defesa. E tanto ele como Kjølv Egeland acreditam que todas são
nulas.
É
que a vontade
não existe no bloco
europeu — pelo menos não enquanto os EUA e a NATO reunirem a confiança que têm
neste momento. “A única
coisa que precisamos de fazer é manter as ligações com os Estados Unidos”,
diz o especialista: “Podemos falar de autonomia estratégica, podemos falar de
defesa europeia, mas isso não nos preocupava antes da guerra na Ucrânia porque
não nos sentíamos ameaçados. E se nos sentíamos ameaçados, havia a ligação aos
EUA”. Mas essa ligação não é um dado adquirido, acredita Frédéric Mauro: “Os
historiadores daqui a 100 anos verão que é intrigante porque é que 340 milhões
de americanos têm de proteger mais de 500 milhões de europeus contra 144
milhões de russos. Não faz sentido”.
O
factor da capacidade para decidir também não existe, na perspetiva dos peritos
ouvidos pelo Observador, porque o presidente da Comissão Europeia (que, actualmente,
é Ursula von
der Leyen) não tem
legitimidade para tal. “Na
ausência de um governo central da União Europeia que pudesse controlar armas
nucleares e exercer comando e controle, a dissuasão europeia não seria mais
credível do que a que existe agora”,
opinou Kjølv Egeland. A solução, acredita Frédéric Mauro, seria criar um
novo organismo à margem dos tratados associados ao funcionamento da União
Europeia: “A minha tese é que um núcleo de Estados-membros que realmente
querem construir uma defesa comum deve reunir-se”. Algo como um Conselho de Segurança Europeu ou um Conselho de Defesa Europeu, exemplifica o
especialista: “Esqueçam as
armas. Primeiro é preciso organizar a capacidade para decidir”.
▲ Não há um
enquadramento legal que permita à presidente da Comissão Europeia, Ursula von
der Leyen, tomar decisões sobre ataques nucleares GETTY IMAGES
Depois
vem a capacidade
para agir, que, para
Frédéric Mauro, está condicionada pelos outros dois factores: “Se não
se consegue sequer decidir que tipo de guerra se quer travar e que tipo de
ferramentas militares se quer construir, não faz sentido. Pode-se ter grupos de
batalha e capacidade de implantação rápida.Não adianta se não se puder decidir
o que fazer”.
As histórias da tentativas falhadas
para criar uma força nuclear europeia
A
história comprova-o. O “zombie” da arma nuclear europeia a que Kjølv Egeland
e Benoît Pelopidas fazem referência no seu artigo sobre as tentativas de erguer
defesa conjunta da União Europeia ressuscitou pela primeira vez em 1963,
três anos depois de França ter feito o primeiro teste a uma arma nuclear
nacional. O
eurodeputado Christian de la Malène escreveu um artigo que propunha a
criação de uma cooperação europeia para enfrentar uma proposta norte-americana
de uma força nuclear multilateral da NATO, o que reuniu apoio de membros do
governo francês.
Nicolas Sarkozy reavivou o “zombie”
quando entrou na presidência francesa e admitiu que era um “facto” que as armas
nucleares daquele país eram um “elemento-chave da segurança da Europa”. Sarkozy
pediu um “diálogo aberto sobre o papel da dissuasão nuclear e a sua
contribuição para a nossa segurança comum”, mas encontrou ainda menos abertura
dos Estados-membro desta vez.
Jean
Monnet, um dos pais da União Europeia, e Henry Kissinger, à época conselheiro
para os negócios estrangeiros do Presidente dos Estados Unidos, eram dois nomes
de peso a apoiar a sugestão francesa. Mas
nem isso convenceu o resto da Europa a prestar-lhe atenção: “A integração
política da Europa prosseguiu lentamente e nenhum outro estado europeu se
demonstrou particularmente interessado na proposta francesa”, contam os dois peritos. Nem sequer o próprio
Presidente francês, Charles de Gaulle, ficou convencido pela proposta de
Christian de la Malène: para ele, a usar-se sequer armas nucleares, elas só
poderiam servir aos interesses nacionais, não os de aliados.
O
assunto é retomado já nos anos
80, quando o
teórico das relações internacionais Hedley Bull sugere num artigo a
implementação de uma política europeísta com um “mínimo” de força nuclear. Desta vez, o novo Presidente francês, Valéry Giscard d’Estaing, estava interessado no acordo e até considerou que a
Alemanha Ocidental devia ser incluída nele para se poder escudar com as armas
nucleares francesas. Mas depois de François Mitterrand ter assumido o governo, o
processo perdeu estamina: o novo Presidente de França demorou a iniciar os
diálogos com outros países europeus — tanto que, quando eles começaram, já nem
a Alemanha estava interessada em participar.
Em 1992, no
entanto, François
Mitterrand volta à carga
para “europeizar” a força nuclear francesa, explicam Kjølv Egeland e Benoît Pelopidas: o
Presidente disse mesmo que “a compatibilidade entre as forças nucleares
francesas e a defesa europeia teria de ser abordada”; e o ministro da defesa,
Jacques Mellick, acrescentou que devia estabelecer-se um “acordo de
dissuasão concertada” para abrir um “guarda-chuva nuclear” sobre os
países europeus. Mas França já tinha perdido a oportunidade de vender a
ideia “altruísta” de uma defesa partilhada, em cooperação, quando não entrou
nos acordos de partilha da NATO — que tinham sido adoptados pelos Estados
Unidos e pelo Reino Unido. François Mitterrand deixou de promover a proposta,
Jacques Chirac não lhe conseguiu dar andamento quando o substituiu; e ela ficou
abandonada ao longo de uma década, entre 1998 e 2008.
Nicolas
Sarkozy reavivou o “zombie”
quando entrou na presidência francesa e admitiu que era um “facto” que as
armas nucleares daquele país eram um “elemento-chave da segurança da Europa”. Sarkozy pediu um “diálogo aberto sobre o papel da
dissuasão nuclear e a sua contribuição para a nossa segurança comum”, mas
encontrou ainda menos abertura dos estados-membros dessa vez: nem
sequer a Alemanha, que em algumas destas tentativas se foi mostrando
alinhada com a sugestão francesa, estava interessada. Pelo contrário, durante a campanha eleitoral, o
novo governo alemão que entrou em funções em 2009 fez da retirada do armamento
nuclear norte-americano estacionado no país desde os tempos da Guerra Fria uma
bandeira.
François
Hollande veio a manter que a força nuclear francesa era uma arma de defesa da
Europa, mas não insistiu em diálogos internacionais e o assunto voltou a
esmorecer. A luz ao
fundo do túnel, em caso de necessidade, continua até hoje a ser os Estados
Unidos América.
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO
COMENTÁRIOS:
Leão da Estrela: Cautela, não se tratam de fisgas ou fundas . Miguel M: Estes artolas da UE nunca vão
aprender que já perderam o comboio, que já perderam a guerra e que quando mais
se armam em maus mais caro lhes vai sair. Toini Silva > Miguel M: Mas a intenção é mesmo essa...e
terão sempre uma "desculpa" É arrasar com tudo, até ao ponto de as pessoas
aceitarem como inevitável o "Grande reinicio" Miguel MToini Silva: Por este andar antes do fim do
ano já estaremos todos nos anjinhos, incluindo os ideólogos do grande reset. Pipa Melo:
Os milhares de
milhões que terão de ser gastos em defesa vão ser retirados do estado social
europeu. Mas realmente valores mais altos se levantam, perante uma ameaça de
invasão russa em larga escala a União Europeia tem de se rearmar, incluindo com
armas nucleares. A UE é muito mais rica que a Rússia, só não tem forças armadas
e um arsenal nuclear muito superior ao russo se não quiser. Anti
Ditadores: Infelizmente a Europa terá de se rearmar de forma
acelerada e a questão de armas nucleares é vital, não me espantaria nada
daqui a poucos anos a Alemanha Itália e outros países europeus
terem armamento nuclear nos seus arsenais. O ditador psicopata nazi do Putin
abriu a caixa de pandora, agora não há alternativas, a Europa vai fazer frente
à Rússia e esmagar a economia Russa e prestar ajuda militar e económica
para derrotar os exércítos Russos que invadiram a Ucrânia. A Rússia rapidamente
vai retroceder 30 anos e vamos ver as prateleiras vazias dos hipermercados como
o eram nos tempos da URRS.
Mad Max - Justice DankulaAnti Ditadores: Negociar, não? Até com Stalin
se negociou...Essa mentalidade de caca ...A Europa vai fazer frente a quem, se
são os Russos que fornecem a maior parte da energia? A Europa vai comprar
petróleo à Venezuela e ao Irão, 2 ditaduras sanguinárias que tais? E quem é que
paga no final de contas?
Pipa Melo > Mad Max - Justice Dankula: O Putin já disse como negoceia,
os ucranianos têm de se render e aceitar todas as condições russas. Que se
saiba Venezuela e Irão ainda não ameaçaram invadir a Europa ou destruí-la com
ataques nucleares. A Europa tem todo o direito a recorrer a todas as
alternativas energéticas possíveis. Luís Abrantes: Limpem o sebo ao putine que
tudo se resolve… Mad
Max - Justice Dankula: Ó moderadores do Observatório... Es tu pi dez não faz
parte do léxico de Português? Mad Max - Justice Dankula: Hiroshima... Nagasaki... Será
que se aprendeu alguma coisa? A estupidez humana não tem limites! Fecham as centrais energéticas
mas abrem um precedente para as armas nucleares... Patricio Guerreiro:
A UE aqui tem um
bom trunfo, a França, que já possuindo armas atómicas lhe abre a porta a vir a
ser Potência Nuclear. A Rússia de Putin abriu a Caixa de Pandora e agora nada a
fechará! M
Nenhum comentário:
Postar um comentário