De Cátia Bruno sobre as manigâncias
de Erdogan relativamente à questão da adesão da Finlândia e da Suécia à NATO.
Para reler com atenção.
▲Recep Tayyip Erdoğan é
Presidente da Turquia há nove anos GETTY IMAGES
Entre o Ocidente e a Rússia, o jogo
perigoso de Erdoğan. A ameaça de vetar a adesão de Finlândia e Suécia à NATO é
a sério ou bluff?
Presidente turco tem mantido um
equilíbrio precário entre Rússia e Ucrânia, com vista ao longo-prazo. Agora,
ameaça vetar adesão de Finlândia e Suécia à NATO. Será para levar a sério ou é
tudo bluff?
OBSERVADOR, 18 maio 2022, 23:275
Maio de 2016. O Presidente
turco, Recep Tayyip Erdoğan, falava numa conferência sobre a segurança dos
Balcãs quando revelou o teor de uma conversa privada que teve com o
secretário-geral da NATO: “Vocês
estão ausentes do Mar Negro. O Mar Negro tornou-se quase num lago russo”, terá
dito Erdoğan a Jens Stoltenberg, de acordo com o relato feito pelo próprio. “Se não tomarmos uma acção, a História não
nos perdoará”, acrescentou perante os participantes da conferência.
Há seis anos, o líder turco implorava
à Aliança Atlântica para que aumentasse a sua presença na região para servir de
contrapeso aos russos. O contexto era de tensão entre Ancara e Moscovo: a guerra na Síria intensificara-se, com
os dois países em lados opostos da barricada (a Rússia a favor do Presidente
Bashar al-Assad, a Turquia contra), e o ano anterior tinha até sido marcado
pela acção turca de abater uma aeronave militar russa na Síria.
Mas o afastamento entre os dois países
seria suavemente esbatido ao longo dos anos seguintes. De tal forma
que, chegados a 2022, Erdoğan tem
capital político suficiente junto da Rússia para se assumir como um país
neutral face à guerra na Ucrânia, tentando mediar um acordo de paz. O
esforço ainda não está a trazer resultados positivos para Ancara — mas já lá
vamos. Antes disso, é impossível
ignorar o novo papel que a Turquia tenta ocupar no panorama internacional, com
Erdoğan a anunciar que poderia vetar a adesão da Suécia e da Finlândia à NATO.
Como explicar, porém, que em apenas
seis anos o líder turco tenha passado de pedir robustez da Aliança face à
Rússia para uma posição em que pode agora servir os seus interesses relativamente
à NATO? E logo numa altura em que a Rússia tenta conquistar mais território em
torno do Mar Negro?
A questão curda a servir de entrave à
entrada da Suécia na NATO
Primeiro veio o torcer do nariz. “Estamos a
acompanhar os desenvolvimentos com a Suécia e a Finlândia, mas não temos
pensamentos favoráveis [à adesão]”, afirmou Erdoğan aos jornalistas, na passada
sexta-feira, a propósito das intenções reveladas pelos governos sueco e
finlandês de se juntarem à NATO. Dois dias depois, o ministro dos Negócios
Estrangeiros turco, Mevlüt Çavuşoğlu, vinha pôr água na fervura ao dizer que a Turquia necessitava
apenas de “garantias de segurança” e que, caso fossem dadas, não colocaria
entraves a essa adesão.
Mas eis que, esta
segunda-feira, Erdoğan voltou a endurecer o tom: “Nenhum destes países tem uma atitude clara
em relação a uma organização terrorista”, disse, referindo-se ao Partido dos
Trabalhadores do Curdistão (PKK na sigla original). “Como é que podemos
confiar neles?”
ois dias depois, surgiu a primeira
ameaça a sério: Ancara bloqueou a fase inicial do processo, de acordo com informações de uma fonte ao Financial Times.
“Não estamos a dizer que eles não podem ser membros da NATO”, comentou um
delegado turco ao jornal. “Estamos apenas a dizer que temos de estar na mesma página.” A Turquia exige a extradição de 30
“terroristas” do PKK para mudar de posição.
▲Manifestação
pró-curda em Malmö, na Suécia. Ancara acusa o país de acolher membros do PKK LIGHTROCKET
VIA GETTY IMAGES
Índice
A questão
curda a servir de entrave à entrada da Suécia na NATO
Uma Turquia
“em cima do muro” face a Ucrânia e Rússia
Turquia, o
“rebelde dentro da NATO” que acaba por beneficiar Moscovo
Para Aaron Stein, investigador do Foreign
Policy Research Institute e especialista em política turca, os ziguezagues das tomadas de posição
pública de Ancara nesta matéria explicam-se pelas “tensões dentro do sistema”,
entre o Presidente Erdoğan e os burocratas do aparelho de Estado. Em
geral, o académico desvaloriza-as, porque diz que a posição geral é a mesma: “Vêem a Suécia como um poder hostil.”
Em causa está a posição do governo
sueco face ao PKK e, em particular, às YPG. O que significam todas estas siglas?
Bom, vamos por partes. O PKK é há muito
definido como um dos principais inimigos do Estado turco. Inicialmente proponentes da criação de um
Estado curdo independente da Turquia, o PKK defende hoje mais direitos para a minoria
curda. Só que, a par dessa evolução ideológica, o PKK também
passou de movimento armado para grupo terrorista — é assim classificado não apenas pela
Turquia, mas também pela União Europeia e pelos EUA.
E é aqui que entra a Suécia, como
explica ao Observador Berk Esen, professor de Ciência Política da Universidade
Sabancı, na Turquia: “Este conflito dura desde a década de 1980 e, por várias
razões, a Suécia acabou por se tornar um refúgio para alguns
membros do PKK que fugiram da Turquia e acabaram por se fixar ali.” Aaron Stein, por
outro lado, invoca a perseguição política a alguns dos seus membros como razão
para Estocolmo lhes ter concedido asilo. E acrescenta outro ponto: “A Suécia tem tido uma política de apoio às YPG”, diz,
referindo-se às Unidades de Proteção Popular curdas, que têm
protagonizado parte da resistência militar contra as forças de Assad (e, a partir de certa altura, contra o
Estado Islâmico) no norte da Síria. A
Turquia classifica também as YPG como terroristas, pela sua ligação histórica
ao PKK, por ver em ambas ameaças à sua coesão territorial, caso os curdos
consigam fundar um Estado autónomo.
"A Suécia tem em vigor um embargo à venda
de armas à Turquia. Portanto, Erdoğan pode dizer ‘Como podemos estar na mesma
aliança militar e pagar, de certa forma, a defesa de um país que se recusa a
vender-nos armas’?” Berk Esen,
professor de Ciência Política na Turquia
A questão curda, porém, não é o único
entrave a esta adesão da Suécia — e, por arrasto, da Finlândia — à Aliança
Atlântica. “A política externa sueca tem sido muito crítica da Turquia, em
parte por razões justificáveis como as violações de direitos humanos”, aponta o professor Esen (episódios
como a prisão preventiva de magistrados e a limitação da liberdade de expressão de
líderes religiosos sustentam as decisões de instâncias internacionais a este
respeito).
“Mas,
além disso, a Suécia tem em vigor um embargo à venda de armas à Turquia.
Portanto, Erdoğan pode dizer ‘Como podemos estar na mesma aliança militar e
pagar, de certa forma, a defesa de um país que se recusa a vender-nos armas’?” Os
dados estão lançados. Irá a Turquia fincar o pé até ao fim ou poderá a
sua posição ser mais flexível, como tem demonstrado face à guerra da Ucrânia?
Uma Turquia “em cima do muro” face a Ucrânia e Rússia
Uma
no cravo, outra na ferradura. Esta parece estar a ser a estratégia
turca face à invasão russa, ora
agradando a Kiev — como quando classifica a “operação militar” como guerra e
quando fornece drones Bayraktar ao exército
ucraniano — ora a Moscovo — não impôs qualquer sanção à Rússia e
acolheu vários oligarcas desde o início da guerra.
Ao mesmo tempo, Ancara não esconde que
tem como objetivo servir de mediador entre os dois lados e, possivelmente,
promover um cessar-fogo ou até mesmo um acordo de paz. O porta-voz
do Presidente, Ibrahim Kalin, tem
liderado esses esforços, tendo já conseguido um encontro entre os ministros dos
Negócios Estrangeiros dos dois países, ainda em março, e entre várias
delegações — que incluíram o empresário sancionado Roman Abramovich como intermediário.
▲ Erdoğan com
Zelensky e Putin. A Turquia tem tentado mediar a guerra na Ucrânia DIA IMAGES VIA GETTY IMAGES
Porquê esse súbito interesse? Por um lado,
há um elemento de relações públicas. “Se
Erdoğan conseguisse acabar com a guerra, aumentaria o seu estatuto diplomático.
Como líder autocrático que é, necessita disso”, resume o professor Esen. Aaron Stein acrescenta
outro ponto: “Os turcos
achavam que a guerra ia ser rápida e que a Ucrânia ia cair. Assim,
convinha-lhes ser os mediadores, porque teriam mão no processo de paz e
poderiam defender os seus interesses no Mar Negro.”
À medida que ficou claro que Kiev não
seria tomada e que a guerra estava para durar, Ancara teve de se adaptar.
“Continuam a ser oficialmente neutrais, mas estão a tomar passos inesperados,
como a aplicação da Convenção de Montreux”, aponta. Em causa está um Tratado de
1936 que prevê que a Turquia possa fechar os estreitos do Bósforo e de
Dardanelos a navios militares em caso de conflito, o que impede os russos de
reforçar a sua frota de guerra no Mar Negro. Ao mesmo tempo, “estão a agilizar
as vendas dos drones Bayraktar [ao exército ucraniano]”, acrescenta Stein. “Sei
que estão a colocar a Ucrânia em primeiro lugar na lista de fornecimento e a
acelerar a produção, mas a Turquia não assume o crédito disso, sublinha que é
um negócio de uma empresa privada com a Ucrânia.” A empresa, porém, pertence ao genro do Presidente Erdoğan.
É uma posição “em cima do muro”, mas
com os pés “para o lado da Ucrânia”, considera o investigador. E há várias
razões para isso, que vão desde os laços
económicos — a Turquia
importa grande parte do seu trigo da Ucrânia e é o maior investidor estrangeiro no
país — até ligações
históricas, como aos tártaros
da Crimeia. Bem como a preocupação de garantir que o Mar
Negro não se torna no tal “lago russo”
para que Erdoğan avisava em 2016 — situação mais próxima de acontecer agora que
Moscovo tenta estender a ofensiva em direção a Odessa.
“A
situação em Idlib [na fronteira com a Turquia] é muito delicada”, aponta Berk
Esen. “Se Putin atacar civis em Idlib, centenas de milhares de refugiados vão
dirigir-se para a Turquia.” É por isso que o Presidente russo, diz o
professor, “tem a mão à volta da garganta de Erdoğan em Idlib”.
Mas, se assim é, porque não apoiar
abertamente a Ucrânia? Porque antagonizar
os russos significaria pagar um preço demasiado alto. Quase metade de todo o
gás natural consumido na Turquia vem da Rússia, bem como 17% do petróleo e
outra grande parte do trigo essencial ao país. A isso somam-se os turistas russos:
4,7 milhões por ano.
Algo impossível de ignorar num país que enfrenta uma grave crise financeira — e
que tem eleições para o ano.
A tudo isto soma-se a situação na guerra da Síria, onde
ambos os países estão envolvidos. “A
situação em Idlib [na fronteira com a Turquia] é muito delicada”, aponta Berk
Esen. “Se Putin atacar civis
em Idlib, centenas de milhares de refugiados vão dirigir-se para a Turquia.” É
por isso que o Presidente russo, diz o professor, “tem a mão à volta da
garganta de Erdoğan em Idlib”.
Turquia, o “rebelde dentro da NATO” que acaba por beneficiar Moscovo
Se neste equilíbrio difícil entre Ucrânia
e Rússia a Turquia tem pendurado os pés “para o lado de Kiev”, a verdade
é que continua também a servir os interesses de Moscovo. Aaron Stein
reconhece-o num ponto: “Os russos não estão interessados numa verdadeira
mediação e estão a usar a Turquia para promover os seus pontos de vista”, diz. Basta
relembrar que a primeira vez que a Rússia falou no propósito de “desnazificar”
a Ucrânia foi, precisamente, durante negociações.
É por isso que o investigador não tem
dúvidas em afirmar que o processo de
mediação turco não está a correr bem a Ancara. “A Turquia é a maior
perdedora desta situação”, decreta, destacando como o prolongamento do conflito
não beneficia uma solução de paz promovida por Erdoğan.
▲ A Turquia
de Erdoğan já assumiu publicamente que pode vetar a adesão de Finlândia e
Suécia à NATO PICTURE ALLIANCE VIA GETTY IMAGE
Talvez
por isso, os turcos
fazem agora um braço-de-ferro na questão da NATO, tentando extrair concessões
da Aliança. Afinal, o
porta-voz Ibrahim Kalin chegou mesmo a dizer que, “quando
tudo isto tiver terminado, haverá uma nova arquitectura de segurança mundial”. “O
governo de Erdoğan está
a jogar um jogo a longo-prazo, tal como a Hungria de Viktor Orbán”, aponta o professor Esen. “As garantias de segurança
destes líderes dependem da sobrevivência dos seus próprios regimes.”
Para
isso, procuram “explorar crises, de forma a aumentar a sua posição de
negociação com o Ocidente”, afirma, tal
como Erdoğan fez no passado com a crise de refugiados de 2015, em que a Turquia aceitou acolher grande parte dos refugiados
sírios em troca de um pacote de ajuda económica da União Europeia. O grande alvo para a Turquia são os Estados Unidos, actualmente
de relações esfriadas com Ancara. “Tínhamos
boas relações com Obama e com Trump e não tínhamos dificuldades em conversar.
Conseguimos o mesmo com o senhor Biden? Não”, queixou-se recentemente
o Presidente turco. Ao colocar
entraves à adesão de finlandeses e suecos à NATO, Erdoğan chama a atenção dos
norte-americanos, que nos próximos dias se desdobrarão em conversas com os
turcos.
“Cada vez que a Turquia bate o pé,
toda a gente diz ‘O Erdoğan está a negociar, ele age como se estivesse num
bazar turco’, mas isso é uma treta. A Turquia tem princípios firmes, agarra-se
a eles e exige concessões do outro lado. E quando não lhas dão, ele também não cede.”
Aaron
Stein, investigador do Foreign Policy Institute Research
Mas, perante o cenário actual,
qualquer estratégia que implique confrontar o Ocidente acaba, indiretamente,
por ajudar a Rússia. E a NATO é
o novo palco onde esse equilíbrio se joga: “Ao agir como rebelde dentro da NATO, a
Turquia, à semelhança da Hungria, acaba por beneficiar a Rússia, porque pode
enfraquecer a Aliança”, aponta Esen. “Com esta posição face à Finlândia e à
Suécia, a Hungria tem agora margem para também se opor. E esse seria um ótimo
negócio para Putin. A Turquia é muito mais valiosa para ele dentro do que fora
da NATO.”
▲Se a Hungria alinhar com a
Turquia de Viktor Orbán (à direita), Suécia e Finlândia podem ter o processo de
adesão à NATO ainda mais complicado GETTY IMAGES
A
grande dúvida que resta é se Erdoğan irá acabar por ceder nesta questão ou se
poderá mesmo vetar a adesão dos nórdicos à NATO, num processo que exige
unanimidade de todos os seus membros.
Berk Esen diz que é impossível prever, mas admite que a solução para a
Aliança possa estar em descobrir “qual
é o preço de Erdoğan”. “Ele é
um líder egoísta. Se conseguirem satisfazê-lo a um nível pessoal, talvez ele
abandone a ideia de vetar esta adesão”, afirma.
Aaron Stein, porém, não está tão optimista. “Cada vez que a Turquia bate o pé, toda a gente diz ‘O
Erdoğan está a negociar, ele age como se estivesse num bazar turco’, mas isso é
uma treta. A Turquia tem princípios firmes, agarra-se a eles e exige concessões
do outro lado. E quando não lhas dão, ele também não cede.”
GUERRA NA
UCRÂNIA UCRÂNIA EUROPA MUNDO TURQUIA MÉDIO ORIENTE
COMENTÁRIOS:
Manuel Mestre: Calhando em conversa, a operação especial está no
auge, a Covid, graças aos desmascarados supersónicos está de volta e agora
ainda temos a varíola dos macacos. Não nos falta nada, não há razões para nos
queixarmos, temos tudo. Agora vou dar uma voltinha. O Zé, o meu mini cão,
já está no quintal a ladrar que quer passear mas exige que eu vá com ele.
Até já. Espero
que quando voltar a guerra já tenha acabado. Mauzinho
Imparcial Ahmed Gany > Manuel Mestre:
Não esqueças de apanhar
o cocó. Joaquim Formiga: O jogo
perigoso de Erdogan!!! Uuuu que medo que perigoso!! Vou já fechar me em casa
com medo. Titulos ridículos só para apoiar a narrativa de que os Russos são
muito maus e agora vão invadir a Finlândia e a Suécia já a seguir. Pedro Fontes: Turquia:
"revenge is a dish best served cold" Nota: os russos também gostam desse ditado.
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